terça-feira, dezembro 08, 2009

Quão fiável é a análise de sustentabilidade da dívida externa de Moçambique?


Uma análise crítica dos indicadores de sustentabilidade da dívida externa de Moçambique

Por Rogério Ossemane

Introdução
Anualmente é realizada pela Agência Internacional de Desenvolvimento (IDA) do Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), uma Avaliação da Sustentabilidade da Dívida Externa (ASD) para Moçambique. O instrumento usado para fazer esta análise é denominado Quadro de Análise da Sustentabilidade da Dívida para Países de Baixo Rendimento (LIC DSF)1, desenvolvido por estas mesmas instituições. O LIC DSF avalia o risco da economia do país devedor sofrer perturbações resultantes da sua dívida externa Pública e Publicamente Garantida (PPG) a longo prazo (ao longo de um período de 20 anos) e recomenda acções para controlar esse risco. As últimas avaliações realizadas em 2007 e 2008 indicam que Moçambique se encontra numa situação sustentável e que apresenta um baixo risco de sofrer de problemas de endividamento externo a longo prazo.
No entanto, o LIC DSF apresenta de três problemas que tornam os resultados da sua análise de sustentabilidade altamente duvidosos. Primeiro, os indicadores de sustentabilidade são inadequados ao contexto do país; segundo, e a nível mais operacional, a aplicação do LIC DSF tem sido fragilizada pelo uso de pressupostos excessivamente optimistas e instáveis sobre a evolução de algumas das variáveis macroeconómicas.; o terceiro, o seu uso na arquitectura da assistência financeira do IDA traz riscos para a sustentabilidade da dívida, uma vez que os resultados do LIC DSF condicionam os montantes, a composição donativo/empréstimo e as opções e condições de financiamento disponíveis para os países devedores. Este artigo apresenta argumentos que sustentam a ideia de que os indicadores usados são inapropriados para a análise da sustentabilidade da divida de Moçambique. Um próximo IDeIAS irá discutir os dois restantes problemas.

Os indicadores de sustentabilidade e os problemas da sua aplicação para ASD de Moçambique

O LIC DSF adopta como indicadores de sustentabilidade os seguintes rácios: serviço da dívida/exportações (ou receitas fiscais); Valor Actual da Dívida (VAL)/exportações (ou receitas fiscais) e VAL da dívida/Produto Interno Bruto (PIB).
Começando pelo rácio serviço da dívida/exportações, este foi adoptado como um proxy da capacidade do país devedor de gerar moeda externa para fazer face às obrigações decorrentes do seu nível de endividamento. O primeiro problema com este indicador deve-se ao facto deste negligenciar outras fontes de mobilização de moeda externa para além das exportações, como por exemplo, os donativos e o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) que, no caso de Moçambique, representam fontes importantes das divisas que são usadas para o país.
O segundo, tem a ver com o facto do indicador não tomar em consideração a condição de sustentabilidade da dívida externa patente na definição adoptada pelo FMI e o pelo BM, que requer um nível de endividamento para o qual “o país pode responder totalmente às suas obrigações actuais e futuras de serviço da dívida, sem recurso à recalendarização do pagamento, ou acumulação de atrasados e sem comprometer o crescimento económico”. Esta definição implica que para ser considerado numa situação de endividamento sustentável o país deve ser capaz de mobilizar recursos suficientes em todos períodos, não só para responder às obrigações decorrentes da sua dívida externa, como também, para fazer face a todas as outras despesas necessárias para o seu crescimento2.
Desta forma, fica evidente que no rácio serviço da dívida/exportações falta a referência às outras despesas para além da dívida. Implícito na adopção deste rácio e dos valores limiares de sustentabilidade para o mesmo3, está o pressuposto de que existe um valor da dívida proporcional ao volume de exportações que não gera efeitos negativos sobre o crescimento do país devedor. Olhando concretamente para o caso do rácio serviço da dívida/exportações e para o seu valor limiar de sustentabilidade de 20% aplicado ao caso de Moçambique, este equivale a dizer que uma fracção de 20% das exportações pode ir para o serviço da divida sem constranger o crescimento económico. Em outras palavras, isto significa que 80% do valor das exportações (considerado como a única fonte de divisas) é suficiente para realizar as restantes despesas em divisas necessárias ao crescimento do país.

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