Por Paolo de Renzio
INTRODUÇÃO
O orçamento público, nas palavras do sociólogo austríaco Goldscheid, é “o esqueleto do Estado despido de todas as ideologias enganosas”1. Sem dúvida, o orçamento público representa um instrumento fundamental de política pública, que os governos usam para avançar os seus obj ect ivos, desde a e s ta b i l idade macroeconómica até a afectação de recursos para as varias áreas de intervenção do sector público. Apesar da sua natureza técnica e muitas vezes pouco transparente, os orçamentos públicos afectam a vida das pessoas de inúmeras formas: através da cobrança de impostos, de decisões sobre quem vai beneficiar de programas de investimento e da expansão da rede de provisão de serviços públicos e da influência das políticas macroeconómicas sobre variáveis como taxas de juro e de inflação.
Apesar da sua importância, muitas vezes os debates sobre políticas orçamentais acontecem a portas fechadas, nas salas de reuniões dos ministérios das finanças, nos gabinetes dos seus directores, ou em escassos debates nas Comissões Parlamentares ligadas ao assunto. Na última década, porém, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) em vários países têm começado a analisar e tentar influenciar as políticas orçamentais dos seus governos, reconhecendo a importância de participar em debates até então pouco abertos. As OSCs tem usado várias abordagens e técnicas, desde a formação até a análise técnica dos documentos orçamentais publicados pelo governo, e desde estudos sobre os fluxos de recursos públicos às unidades de prestação de serviços públicos até a organização de campanhas de advocacia sobre assuntos específicos.
O IMPACTO DA SOCIEDADE CIVIL NOS PROCESSOS E NAS POLÍTICAS ORÇAMENTAIS
Numa pesquisa levada a cabo pelo International Budget Partneship (IBP) e o Institute of Development Studies (IDS) da Universidade de Sussex em 2005-62, as experiências de seis organizações em seis países diferentes (Brasil, México, África do Sul, Uganda, Croácia e Índia) foram analisadas para ver até que ponto elas conseguiram atingir o seu objectivo de influenciar os processos e as políticas orçamentais. Os resultados apontam várias dificuldades que as OSCs tiveram que enfrentar, a começar pela falta de transparência e de acesso à informação relacionada com o orçamento público. Mesmo assim, muitas destas organizações usaram a informação disponível, analisando-a, interpretando-a e divulgando-a de forma a torná-la mais acessível. Algumas produziram um “Guião para o Cidadão” que explica o que é o orçamento público e o seu conteúdo. Outras organizaram cursos de ensino à distância pela internet ou utilizaram programas em rádios comunitárias. Desta forma, as OSCs conseguiram aumentar o grau de entendimento e engajamento dos cidadãos em questões ligadas a orçamentos públicos e o seu nível de transparência. O impacto sobre políticas orçamentais foi menos comum. Na África do Sul, por exemplo, o IDASA conseguiu convencer o governo a mudar as suas políticas de apoio às crianças. Na Índia, a pressão da DISHA levou a uma melhoria substancial na execução de programas ligados a minorias étnicas. Na Uganda, o trabalho da UDN na monitoria de construção de escolas a nível local identificou problemas importantes no processo de contratação de empreiteiros e levou a mudanças nestes processos.
Existem vários factores que determinam a capacidade das OSCs atingirem os seus objectivos. Alguns são ligados ao contexto em que trabalham, como por exemplo a situação política em geral, o quadro legal e institucional e o nível de transparência orçamental, ou seja a quantidade e qualidade de informação acessível ao público sobre a forma como o governo gera e gere os recursos públicos. Outros têm a ver com características próprias das organizações, como a qualidade da sua liderança, as suas capacidades técnicas e a qualidade dos seus produtos, sejam eles materiais de formação ou relatórios de análise sobre políticas orçamentais. As relações que as OSCs conseguem estabelecer com outras organizações, com o governo, com os média e com os doadores (onde estes são actores importantes) também são importantes para o seu desempenho, porque criam mais consenso à volta das mudanças necessárias nas políticas públicas e canais de influência múltiplos e complementares.
A SITUAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
Em Moçambique, não existe uma tradição muito forte de actividades de monitoria e advocacia da sociedade civil na área de políticas públicas e, mais especificamente, de orçamento público. Historicamente, depois da independência, a sociedade civil foi uma extensão e uma expressão do partido no poder, através da criação de organizações para mobilizar os vários grupos sociais. Depois do fim do regime monopartidário, e durante a reconstrução pós-guerra, as ONGs tornaram-se principalmente prestadoras de serviços, recebendo fundos da assistência externa para executar projectos que visavam complementar a fraca capacidade do governo de prestar serviços básicos à totalidade da população. Só num período mais recente, e principalmente devido à existência de financiamentos externos, algumas organizações moçambicanas têm começado a trabalhar em áreas ligadas à monitoria da governação e das políticas públicas, incluindo algum trabalho sobre o orçamento público. É difícil dizer até que ponto o interesse por estas questões surgiu a nível doméstico, mas com certeza foi acompanhado por várias mudanças a nível internacional, que incluem uma maior ênfase na governação como factor fundamental do desenvolvimento. Em Moçambique, nota-se uma clara tendência na criação de programas das agências de cooperação internacional em apoio a actividades de monitoria e advocacia de políticas públicas por OSCs.
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