terça-feira, outubro 14, 2008

Em homenagem ao professor moçambicano (2)

Abaixo vem um artigo dum professor publicado no Jornal Notícias. O professor José Manuel Andrade que se sente orgulhoso pelo sucesso dos seus alunos tem emoções iguais as minhas.

Sempre, eu disse que o meu orgulho está nos meus alunos porque são o resultado do meu trabalho. Não fiz tudo de bom na minha vida e até recordo-me do que não foi boa coisa. Recordo-me, por exemplo, que já expulsei alguns alunos da escola devido ao "mau comportamento" e, eu reconheço como o meu grande erro, embora eu tenha dificuldades de convencer nisso a muitos, sobretudo, a alguns professores. O que prova para mim que foi um erro, é pelo facto de eu ter feito o contrário com outros alunos e daí terem tido alcançado um resultado de que hoje me orgulho. Quando me recordo de pessoalmente ter ido buscar da casa dos pais, um aluno que frequentando a terceira classe havia desistido da escola, para depois vê-lo licenciado em psicologia e depois director provincial, aí reside o meu orgulho. Aliás, até foi o aluno que nunca se esquecia deste facto. Mas quando encontro um meu ex-aluno que não tenha obtido sucessos que me orgulhassem, pesa-me a culpa.


Eis o artigo retirado na sua íntegra do Jornal Notícias:

Por: José Manuel Andrade

Uma homenagem merecida ao professor moçambicano

SR. DIRECTOR!

Ficaria imensamente grato e feliz em ver publicado no prestigiado jornal que V.Excia dirige o trabalho a seguir apresentado em homenagem ao “professor moçambicano” pela passagem de mais um aniversário do seu dia – 12 de Outubro de 2008. Professor! Quem não conhece esta palavra? Quem não a sabe pronunciar? Ninguém! Ninguém!

O professor é o homem ou mulher; jovem ou adulto que instrui, forma e educa o homem. É aquela pessoa que de giz na mão e sabedoria vai abrindo as cabeças com a ciência, a técnica, a história, a moral.
O professor é a estrada por onde todos passam.
O que seria uma machamba sem a enxada?
O autor destas linhas tortas é professor. Vou narrar uma história passada comigo, ou melhor, passada com todo o professor moçambicano.
Alguns meus amigos quando estamos a conversar amenamente ou em convívios dizem:
- Zé Manuel, muda de profissão. O teu salário não chega para comprares uma cerveja. Bebe lá esta. Estás a ver. Nós ganhamos bem. Temos carro, e tu? Muda de profissão. O professor ganha mal, tem salário miserável. O Governo não reconhece o professor, a sociedade não vos liga. Tu, Zé Manuel, já dás aulas há muito tempo. O que tens? Nada. Vestes e calças “calamidade”, mal lanchas porque o teu mísero salário não chega para nada. Estes tipos de “batuque e maçaroca” não vos reconhecem. Estão se marimbando para vocês. Sempre prometem mas nunca cumprem. Olha para os batuqueiros: bem gordos, barriga para fora sem fazerem nenhum. Só reuniões, passeatas, congressos, cortes de fita e os professores na sarjeta (desculpem o termo). Não são só vocês. É todo o povo em geral.
Escuto, olho para eles e para mim mesmo, e digo que a cabeça deles está oca. Não sabem quão é importante e útil o professor na sociedade.
Depois de um bate-papo e uns copinhos, vou para a minha “toca” descansar porque a noite já era adulta. No banho, reflicto sobre a conversa que travei com os meus amigos e gravei na minha massa cinzenta as seguintes passagens: “o professor não é nada”. Ganha mal. Ele não é reconhecido pelo Governo e pela sociedade. Torno a pensar e desabafo:- Eu instruo crianças, faço delas homens do amanhã, ensino a ler, a escrever, a ciência, sei e vejo que a criança, o jovem, o adulto já sabem e aplicam na vida os conhecimentos adquiridos. Quando tempos depois reencontro com os meus alunos e pergunto-lhes o que fazem, surgem inúmeras respostas: estou a estudar na faculdade. Já sou técnico electrónico, enfermeira, director, extensionista, agrónomo, doutor, engenheiro, técnico de construção civil, etc, etc, fico tão emocionado que o meu coração bate com tanta força de alegria. E num ápice vejo que fui e sou útil; que fiz e faço alguma coisa para a sociedade. Sinto-me orgulhoso por este trabalho de ensinar, de educar.
Volto à ribalta da conversa dos meus amigos e em voz bem alta, digo: sou mais importante que eles. Sinto-me realizado porque transformo o homem. Um dia vou dar uma aula de verdade a eles.
É feliz, estimulante, honroso, gratificante, estar diante de 50, 60, 70 e até 80 crianças, muitas vezes sem condições materiais e com uma “voz de mãe” transmitir-lhes o saber para serem homens do amanhã.
Volto para cama mas não conseguia dormir: um bichinho roía-me os miolos. Levanto-me bêbado de sono e em voz bem alta para toda a sociedade ouvir, grito:
- Não vou vacilar. Continuo a ser “professor” para transformar a matéria-prima humana e produzir quadros para desenvolver esta nossa querida “Pátria Amada”. Melhores dias virão.

Parabéns professor moçambicano!

2 comentários:

Jonathan McCharty disse...

Um relato emocionante dum professor de verdade! E' de homens com este espirito de determinacao que o MEC precisa!

Reflectindo disse...

Sem dúvidas que é este tipo de professores útil para o país.