Por: Linette Olofsson
Dedicação as mulheres moçambicanas nascidas na década 70
“Tudo no homem depende da civilização. É portanto, sobre o Estado social que se apoia o edifício da sua grandeza”
-D’ Olivet Antonie-França- 1767-1825
Ainda na esteira do 7 de Abril, urge olhar para a mulher como uma das importantes forças motrizes para um desenvolvimento humano a partir da base da sua primária socialização. Numa sociedade de exclusão como a nossa, seria de certa forma muito vago se se pretendesse penetrar na questão “mulher” descurando-se as fases pelas quais ela passou. Tal como na pretérita reflexão, continuo afirmando que não pretendo fazer um estudo profundo sobre a matéria, pois o assunto “mulher” é multifacetado. É matéria de estudos em diversos ângulos. Aqui importa apenas reflectir sobre a “dor” da mulher; sobre aquilo que a minha visão, de cidadã, me mostra ao longo destes anos todos de “independência”. Para tal, vou dividir este texto em duas etapas, tal como se segue:
1ª etapa – Sobre a emancipação da mulher no regime de partido único em Moçambique
Internamente, pouco se escreveu e pouco se lê sobre as consequências do totalitarismo político na vida da mulher no então sistema mono partidário em Moçambique, mas muito se lê pelo mundo fora sobre a dor da mulher no mundo durante os regimes totalitários. Nota-se claramente um défice de comprometimento com a causa da mulher nos nossos historiadores, que julgo temerem narrar os verdadeiros factos históricos que a mulher atravessou durante essa época.
Na verdade, durante a era mono partidária, o conceito de “emancipação da mulher” definia-se, obrigatoriamente, pela filiação da mulher na OMM, uma organização de massas sob tutela da Frelimo. Por outras palavras, toda a mulher que não estivesse filiada, ou não participasse nas “banjas” e trabalhos voluntários idealizados pelo partido Frelimo através da sua OMM não era emancipada. E a emancipação muitas vezes chegou a confundir-se com a destruição de lares. Confundia-se com o aproximar amoroso (adultério) da mulher emancipada ao chefe do escalão mais alto do partido, tendo como consequência o cimentar das desconfianças em diversos lares a ponto de alguns se terem destruído. Como o ideal da emancipação estava, à partida, destorcido a partir de cima, assistiu-se ao destruir de lares daqueles que tinham suas mulheres a ocupar os escalões mais altos da própria OMM. Alguns maridos, acusados de retrógrados e contra os princípios que norteavam a linha política do partido, viram-se atirados para os campos de reeducação ou simplesmente desprovidos dos seus direitos de educarem os seus próprios filhos. Foram forçados a abandonarem os seus lares em benefício da mulher então “emancipada”.
Isto e outros problemas que surgiram podem encontrar explicação no seguinte: na tentativa de construção do estado-nação então idealizado, o partido Frelimo não tomou em consideração as “relações culturais” dos povos de Moçambique mas apenas ideológicas esquemáticas e rígidas que não correspondiam nem ao princípio da liberdade feminina e muito menos ao princípio que norteava a construção do “homem novo” que se pretendia, isto é, um homem que crescesse seguro numa sociedade segura, pois, como que em catadupa, o homem novo nascido com a independência ver-se-ia na obrigação de ser filho de pais separados, ou porque a mãe emancipou-se tanto a ponto de esquecer suas obrigações de mãe e esposa, ou porque o pai não aceitou que a vida do seu lar fosse ditada pelo programa da OMM que, na verdade, nem era programa dessa OMM, mas sim dos componentes dos escalões mais altos do partido que, em contrapartida, nem sequer permitiam que suas esposas estivessem constantemente nas reuniões dessa OMM até altas horas da noite, muitas vezes, em detrimento de suas obrigações de mães e esposas.
Porém, embora todas as mulheres fossem “obrigadas a emancipar-se” segundo os ditames da Frelimo, exactamente porque os exemplos de desvios partiam do seio do próprio partido-estado e da sua OMM, a maioria das mulheres não embarcaram no projecto da emancipação ao estilo Frelimo/OMM. Nas cidades, vilas e um pouco nas zonas rurais, a escola passou a ser o trampolim não só da libertação da mulher, como também da erradicação de ideias retrógradas que pairavam ainda em alguns homens. Não se pode dizer que este trampolim, que tende a libertar a mulher em Moçambique, veio graças ao trabalho da OMM. Embora eu admita que a OMM desempenhou um papel crucial na alfabetização, tal como a ideia do progresso sempre existiu no seio dos moçambicanos (mesmo no tempo colonial), a ideia de pôr filhas a estudarem sempre também existiu. Apenas se galvanizou com a independência nacional e com a libertação (através da escola) do próprio homem moçambicano então imbuído em ideais retrógrados. É preciso ter em conta que jamais a mulher se libertará fora de um quadro social em que está inserido, pois se o companheiro da mulher, o homem, não se liberta ele próprio, jamais a mulher se libertará também.
Embarcamos na reflexão acima para ilustrar que a libertação e emancipação da mulher é um processo. E que se existiram falhas e retardamentos nesse processo são da inteira responsabilidade do próprio partido-estado, pois imbuído na ideia de emancipar fez do discurso um contra senso sócio-cultural.
A mulher moçambicana, devido ao sistema político então vigente, era proibida por lei de contrair matrimónio com um cidadão estrangeiro (como se o Amor tivesse qualquer tipo de fronteiras). Perdia o direito à sua nacionalidade, assim estipulava a primeira constituição da Republica Popular de Moçambique. Segundo fontes próximas do poder,
este artigo foi inspirado e defendido por um destacado jurista então ligado a nomenclatura do poder popular. O Dr. Orlando da Graça, hoje membro do Conselho Constitucional e, na época, professor universitário, terá sido o único jurista moçambicano que insurgiu-se corajosamente contra essa norma, apontando a contradição então existente que definia a igualidade entre homem e mulher, mas que em contrapartida prejudicava a mulher na matéria de matrimónio. Este preceituado viria a ser alterado apenas com a subida ao poder de Joaquim Chissano, abrindo-se as “fronteiras românticas” para as mulheres moçambicanas. Na época, os homens podiam casar com quem quisessem no estrangeiro e nenhuma OMM se insurgiu contra tal preceituado.
Muitas mulheres moçambicanas para se verem livres do regime emigraram para outros países, a maioria para Portugal com filhos ainda pequenos e com uma mala apenas na mão sem saber o que seria do seu futuro e dos seus filhos fora da terra que tanto amavam.
A OMM, sendo então a única organização feminina partidária, recebia apoios de quase todo o Mundo, especialmente do bloco de leste e de alguns países nórdicos, com o objectivo de reforçar o papel da mulher na sociedade e na defesa de um então regime que foi, sem dúvida, uma das vergonhas humanas do séc. XX. Só para exemplificar, o partido social democrata Sueco através da organização feminina Kvinnoforbunet (SSKF) e da organização da juventude doaram juntos (entre 1988 e 1991) 1,7 milj kroas a OMM para o desenvolvimento desta organização. Segundo consta no relatório da inspecção aberta feita pelo ministério dos negócios estrangeiros suecos em 1992: 124, do valor doado pouco se destinou ao programado pela OMM, tal como a construção de escritórios nas províncias; cursos de capacitação para os círculos de interesse da OMM, entre outros. Com o valor recebido repararam-se apenas 3 casas de algumas pessoas, tendo o restante dinheiro ido para outros programas fora do âmbito da organização. Na altura, os suecos tinham em mente a construção de uma nação igual para todos, mas, na verdade, mal sabiam que estavam a apoiar uma ditadura jamais aplicada no seu próprio país. Isto para dizer que o mundo jamais virou as costas à mulher moçambicana. Muito pelo contrário, a Frelimo e a OMM é que viraram as costas a própria mulher do seu país.
Embora se reconheça o mérito da OMM em algumas campanhas de alfabetização, temos que reconhecer que caiu na letargia por muitos e longos anos porque a maioria das iniciativas não eram ditados pela própria mulher.
2ª etapa – A mulher na guerra civil no pais e na paz.
Durante o conflito armado a maioria das mulheres nas zonas rurais refugiaram-se nos países vizinhos. Muitas delas reforçaram as fileiras da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) desempenhando um papel importante na socialização das populações nas zonas libertadas pela Renamo, cuidando dos seus filhos, órfãos, doentes e feridos. Muitas das guerrilheiras nas fileiras da RENAMO chegaram a ocupar posições de relevo na área de combate e em áreas de comunicação militar em determinados pontos estratégicos no País. Infelizmente como acontece em muitas organizações em África, estas mulheres encontram-se marginalizadas após um grande contributo para que Moçambique alcançasse a democracia.
A luta contra o regime da Frelimo não parou por aqui. A mulher participou ao lado do homem na criação das primeiras células clandestinas urbanas a nível nacional e no estrangeiro. As causas que levaram a mulher moçambicana novamente a pegar em armas, tinham sido atingidas com o AGP. A constituição de 1990 exigida pela RENAMO e antecipada pela Frelimo, foi para a grande maioria do povo e em especial para a mulher em Moçambique uma oportunidade ímpar de pela primeira vez na história do país participar activamente e livremente na vida politica. Contudo, embora seja visível a participação da mulher em várias esferas sócio-políticas da vida do país, acho que muito tem ainda que se fazer. A questão da mulher em Moçambique é um assunto que exige debate e profunda reflexão pois os problemas da mulher não têm fronteiras partidárias, étnicas, raciais ou culturais. A reflexão deve ser conduzida de uma forma abrangente, transparente e participativa. Na abordagem dos problemas da mulher tem se cometido o grande erro de olhar a mulher moçambicana na base de filiação partidária. Esta atitude e maneira de pensar dos governantes, alimenta políticas de exclusão e periga a irmandade que se pretende para futuras gerações.
A experiência angolana depois de tantos anos de um conflito sobejamente conhecido, é deveras interessante. As mulheres da MPLA e da UNITA, acordaram trabalhar conjuntamente na constituição de uma organização chamada REDE MULHER ANGOLA. Nesta organização estão também envolvidas outras mulheres incluindo grupos cívicos, organizações partidárias assim como a Primeira Dama de Angola. Esta Rede tem uma direcção que espelha o mosaico sócio-político e cultural do país. É um erro pensar que o sucesso da gestão dos assuntos da mulher passam única e exclusivamente por mulheres urbanizadas, académicas ou elites. A gestão dos assuntos da mulher deve ser abrangente se queremos mudar Moçambique e as moçambicanas. Urge repensar as estratégias a adoptar.
Linette Olofsson
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