Ninguém escapa quando se começa a falar de responsabilidades
(Maputo) O fenómeno da corrupção que afecta o sistema da Educação em Moçambique é fruto, em grande medida, das políticas do Governo em relação não só ao sector em si, mas, também às condições de trabalho oferecidas aos professores, designadamente baixos salários e incentivos que de incentivos nada valem. É resumidamente esta a opinião da presidente da ONP (Organização Nacional de Professores), Beatriz Muhoro.
Ela teceu essas considerações em reacção ao estudo ontem apresentado em Maputo sobre a “pequena corrupção” no sector da Educação elaborado pelo Centro de Integridade Pública (CIP).
Na generalidade as conclusões do estudo versam o envolvimento de professores em actos corruptos, num cenário em que são consideradas vítimas: os alunos e os pais ou encarregados de educação.
Beatriz Muhoro, sem deixar de admitir a ocorrência de actos de corrupção envolvendo professores, refere, no entanto, que a maior causa do fenómeno corrupção no seio dos docentes é atribuível, sobretudo a “salários de fome” instituídos para remunerar professores sujeitos, simultaneamente, a uma carga horária excessiva e a cumprirem metas obrigatórias de 40% dos alunos a seu cargo, pelo menos, de aprovações em cada ano lectivo.
Por outro lado ela afirma haver a tudo o mais associado um desprezo grande pelos professores muitas vezes submetidos a atrasos de meses acumulados no pagamento de salários, sobretudo nas zonas rurais.
Frisou ainda que o governo não oferece aos professores regalias complementares ou incentivos alternativos tal como pratica com outros funcionários do aparelho do Estado.
Beatriz Muhoro a dada altura resumiu a defesa da Classe de forma redundante: “A Educação não compensa!”.
“Nós ficamos na Educação por falta de outras oportunidades. Eu nunca aconselharia a meu filho para seguir a carreira de professorado”, desabafa a presidente da ONP.
“Não temos regalias semelhantes aos que são dados a outros funcionários do aparelho do Estado. O Ministério da Educação e Cultura lida com os professores como se fossem uma tropa que apenas deve obedecer e cumprir com as metas sem nenhuma argumentação”.
“Aqueles que decidem não estão preocupados connosco como pessoas e mesmo como profissionais”.
“Sem querer justificar ou dar razão a professores «corruptos», o certo é que, humanamente falando, perante esses cenários todos, os professores acabam ficando vulneráveis e serem levados a entrar na onda da corrupção”.
Acrescentou depois que nos últimos tempos começam a ser muitas as escolas com turmas de 85 e até de 120 alunos e com o respectivo professor a ter uma carga horária de 24 horas de aulas efectivas por semana num total de 48 horas semanais de trabalho em que as outras 24 são de preparação das aulas.
Para além disse ainda que os professores são obrigados por vezes a trabalhar aos fins de semana sem nenhum direito a pagamento de horas extras.
“Como é que um professor nessas condições pode resistir aos esquemas da corrupção? Um professor que ganha 4 ou 5 milhões de meticais por mês (cerca de 200 USD ou 175 Euros), na Educação já se considera com um bom salário. A maioria ganha muito abaixo disso. A solução para muitos é dar aulas em mais de uma escola”.
Este é o cenário negro desenhado pela presidente da ONP. Tal como também disse, não serve de nada acusar os professores de serem corruptos. São presas fáceis do fenómeno. E com este quadro apresenta-se totalmente justo afirmar que o Governo ao agir como age é o próprio fomentador da corrupção.
Enquanto isso
O Estudo do CIP destaca quatro momentos em que ocorrem os actos de corrupção ao longo do ano lectivo. O «forrobodó» começa logo com a venda das vagas para os alunos que pretendem efectuar novos ingressos. Nem se pode dizer que são os professores. Antes, sim, os funcionários das respectivas secretarias e direcções das escolas e por aí acima. Dá-se, sobretudo:
- Nas mudanças de ciclos do ensino;
- Aquando dos exames extraordinários que frequentemente envolve alunos que trabalham e que precisam de diplomas ou certificados para melhorar a sua condição laboral – estes não raras vezes compram notas;
- No final do ano lectivo que segundo o estudo constitui o pico do negócio, onde se paga pela passagem de classe;
Existe ainda a compra de notas que ocorre ao longo do ano lectivo.
De acordo com o estudo há também a ter-se em conta os casos em que a progressão na carreira não é transparente e envolve por isso «verbas laterais. Tudo isto concorre para a ocorrência da corrupção na Educação.
Os pais e os encarregados de educação ou outros parentes, também estão envolvidos. Na realidade eles vestem a pele do corruptor ao desembolsarem os montantes com que corrompem os professores.
O estudo refere que a onda de corrupção é maior entre os professores de carreira do que entre os contratados.
Segundo a pesquisa do CIP a agravante do cenário é a impunidade de que os seus autores gozam como resultado daquilo que o documento considera ser uma espécie de teia de cumplicidades entre os praticantes e aqueles outros funcionários que exercem funções de fiscalização ou supervisão.
O estudo aborda ainda o papel da ONP para minimizar o fenómeno. Segundo a pesquisa a ONP não só encontra-se ultrapassada em relação ao momento actual como também tem um vazio ético que resulta na sua incapacidade para modificar o cenário actual.
De entre várias conclusões, o CIP considera, em geral, que tanto a grande corrupção como a pequena, estão ambas bem implantadas na sociedade e as suas práticas são bem conhecidas. (João Chamusse)
Fonte: Canal Mocambique, 2006-04-12 14:18:00
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