Avaliação é do analista e jornalista moçambicano Fernando Lima. Em 2012, a FRELIMO, partido no poder em Moçambique, vai criar uma universidade – a primeira no país a pertencer a uma formação política.
Com sede em Maputo, a universidade do partido governista moçambicano, FRELIMO, deverá se chamar Nachingweia, nome de uma antiga base militar do ex-movimento de libertação do domínio colonial português. A instituição de ensino superior pretende inicialmente ministrar cursos de ciências humanas e, futuramente, apostar também em cursos técnicos.
Leia abaixo entrevista da Deutsche Welle com Fernando Lima, analista, jornalista e chefe do grupo de media moçambicano Mediacoop, sobre uma eventual politização do ensino no país africano.
Deutsche Welle: Até que ponto se pode falar de um perigo de politização do ensino em Moçambique?
Fernando Lima: Penso que o ensino tem estado, ao longo dos anos e sobretudo nos primeiros anos [após a independência], muito politizado – e continua muito politizado. De qualquer forma, temos, numa situação de estado de direito, uma universidade específica alocada a um partido político. É uma inovação no país e, portanto, de fato, será uma universidade politizada. Mas, tanto quanto sabemos, não há uma orientação muito específica em relação à admissão dos candidatos desta universidade. Portanto, as pessoas frequentam ou não frequentam essa universidade se gostarem ou não gostarem.
DW: E quais podem ser as consequências dessa politização do ensino?
FL: A questão é a seguinte: o partido [governista] FRELIMO, à semelhança de muitos partidos da chamada Europa do Leste, antes e depois da queda do Muro de Berlim [em 1989], criaram suportes econômicos para manter esses partidos vivos e para que esses partidos fossem sustentáveis. Ora, a criação de uma universidade insere-se exatamente dentro da mesma lógica, ou seja: não obstante ter caído o sistema de partido único, o partido – ou seja, este partido [FRELIMO] – é forçado a conviver num sistema multipartidário, mas tenta continuar a reproduzir, digamos, estes mecanismos de partido único, moldando, à sua semelhança, a sociedade em redor.
DW: A FRELIMO garante que esta instituição de ensino superior será "não política". Mas não lhe parece estranho que a universidade vá se chamar Nachingweia, nome de uma antiga base militar da FRELIMO?
FL: O nome é simbólico e tem uma carga simbólica muito forte, uma vez que era o principal campo de treino militar do movimento de libertação que derrubou o colonialismo. O movimento é considerado aquele que pôs fim ao colonialismo em Moçambique. Até aí, penso que é um simbolismo forte. Agora, que a universidade não seja politizada, tenho as minhas dúvidas.
DW: Esta universidade irá ministrar cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento em áreas como economia e desenvolvimento, ciências jurídicas, administração pública e ciência política. Que implicações acha que pode haver para o sistema judicial do país se a própria universidade do partido no poder vai formar juízes, por exemplo?
FL: De qualquer forma, ninguém neste país se transforma em juiz a partir da saída dos bancos da universidade. É preciso prestar provas para a magistratura e passar por uma escola que forma magistrados. De qualquer forma, eu continuo a pensar que só estará nesta escola quem estiver interessado. Claro que não pretendo ser ingênuo ao argumentar desta forma. Se as pessoas pretendem sobretudo ter um canudo, um diploma, se esta escola facilitar a vida a membros do partido, a filhos de membros do partido, se as propinas das escolas desta universidade forem mais baratas... claro que atrairá muitas pessoas para frequentar esta escola.
Autora: Madalena Sampaio
Edição: Renate Krieger / António Rocha
Fonte: DW - 22.12.2011
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