sexta-feira, outubro 01, 2010

Partidarização da polícia volta a debate 18 anos depois do AGP

Teodato Hunguana e Raul Domingos com percepções diferentes

O chefe da delegação da Renamo nas negociações do AGP defende que os serviços de segurança do Estado estão partidarizados, contra o argumento de princípio democrático de Teodato Hunguana.
O Parlamento Juvenil convidou ontem o antigo chefe da delegação da Renamo para as negociações do Acordo Geral de Paz (AGP), Raul Domingos, e o membro da equipa negocial do Governo, Teodato Hunguana, para contarem a epopeia da paz.
Numa altura em que os partidos políticos da oposição falam do desrespeito aos protocolos do Acordo Geral de Paz por parte do Governo e do partido Frelimo, sobretudo na actuação dos serviços de segurança, ou seja, a Polícia da República Moçambicana (PRM), Raul Domingos aproveitou o auditório composto maioritariamente por jovens para trazer à tona a raiz desta alegada partidarização.
De acordo com o político, tudo vem dos período das negociações e, segundo refere, o AGP é omisso quanto às cláusulas que proíbem que os agentes de lei e ordem militem em partidos políticos. Segundo Domingos, este facto vem de uma lacuna e um erro cometido na mesa das negociações de paz de Roma, pois entre 1990 e 1992, as duas delegações negociais (do Governo e da Renamo) encontravam-se em Roma num debate cuja discussão girava em torno da necessidade de apartidarizar as forças militares e de segurança. Na altura, chegou-se a um consenso em relação às forças militares (marinha de guerra, força aérea), mas ainda havia um nó de estrangulamento quanto à polícia. Entretanto, as equipas de negociação receberam uma comunicação a partir de Gaborone, capital do Botswana, onde os dois líderes beligerantes, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, se encontravam. A mesma recomendava o encerramento do debate sobre a apartidarização das forças de segurança e, segundo Raul Domingos, a tarefa devia ser incumbida à Comissão da Implementação do Acordo Geral da Paz.
Contudo, findo o período da implementação do AGP, em 1992, a respectiva comissão esqueceu-se por completo do ponto. Assim, desde a assinatura do AGP, a legislação mostrou-se frágil quanto à separação entre a actuação da polícia e dos militantes do partido.

“A partidarização da polícia é um princípio democrático”

A questão da apartidarização das forças da segurança é um princípio de um Estado Democrático, ou seja, mesmo perante uma omissão do texto do AGP, não se pode retirar o imperativo do respeito do princípio, tal como o defende Teodato Hunguana. Aliás, o número 3 do artigo 266 da constituição da República é um vector na mesma direcção e sentido ao defender que “as forças de defesa e os serviços de segurança do Estado são apartidários e observam a abstenção de tomada de posições ou participação em acções que possam pôr em causa a sua coesão interna e a unidade nacional”.

Polícia partidarizada não passa de uma tese das pessoas

A partidarização ou não da polícia é um assunto polémico pois, no nosso país, esta não tem nenhuma existência legal, ou seja, não existe nenhum instrumento legal sobre a qual se pode afirmar, com substância, que a PRM está partidarizada. Por isso, Teodato Hunguana considerou ontem esta questão como “tese” das pessoas e, pessoalmente, distancia-se das alegações. Mas disse que, a ser verdade, é uma violação a um princípio de um Estado democrático.

Partidarização da PRM começa do próprio Pacheco...

Nesse aceso debate, o líder de PDD não se poupou em buscar provas: Afirmou, por exemplo, que até o próprio ministro do Interior, José Pacheco, é exemplo evidente de que agentes da polícia são militantes activos de partidos políticos. De acordo com Raul Domingos, Pacheco, aquando da sua candidatura a deputado da Assembleia da República nas eleições do ano passado, foi a Manica e, a partir de lá, orientava a polícia e entoava ameaças contra os militantes dos partidos políticos. “Lembro-me que, numa conferência de imprensa, Pacheco disse que a polícia não ia tolerar distúrbios, mas durante a campanha eleitoral ouvimos que a polícia estava a bater membros de outros partidos (distintos da Frelimo). Uma vez estive lá e, quando foi a vez de travar membros da Frelimo que fazia distúrbios contra PDD, a polícia foi incapaz e a nossa caravana foi impedida de passar”, disse Raul Domingos. (Sérgio Banze)

Fonte: O País online - 01.10.2010

4 comentários:

Reflectindo disse...

A propósito dos efeitos do encontro secreto de Gaberone, ouvi em 2007 de um general que pode ser o que perpetua a Renamo e Afonso Dhlakama na oposição.

V. Dias disse...

A rua das flores murchou o pai da democracia.

Zicomo

Anónimo disse...

A semelhanca do que acontece com os Acordos de Lusaka em que existe um acordo militar que e publico e um outro que e politico e que ainda nao e publico ( disse uma vez Mariano Matsinhe numa entrevista a um dos jornais da praca), o mesmo sucede com o acordo de Roma. O de Roma e o Militar ( cessar fogo, desarmamento, eleicoes,etc) e o de Gaberone e o politico ( segundo fontes bem posicionadas e de ambas as partes). No acordo politico de Lusaka acordou-se questoes como Cahora Bassa e no acordo politico de Roma ( Gaberone) acordou-se sobre os homens armados de Maringue e da outra base e muito mais coisas. O tempo ira encarregar-se de desvendar esses misterios e negocios todos.

Reflectindo disse...

Anónimo,

Isso é verdade. Esperemos que só tempo possa revelar o segredo dos dois acordos.