Afonso dos Santos(*)
Pode parecer, por vezes, que há, nesta escrita, uma insistência em alguns temas, que acabam por tornar-se repetitivos. Mas enquanto os mesmos problemas subsistirem repetitivamente, enquanto persistir teimosamente a política de colocar as mordomias para algumas minorias sociais acima dos interesses da nação e das necessidades da população, então não há outro caminho a seguir que não seja insistir sobre os mesmos temas, sempre e sempre, até que mude a situação vigente e persistente.
Um desses temas é a questão: o que é que os académicos, de quem tanto se fala, andam a fazer? Curiosamente, parece haver académicos aos montes, mas raramente se fala de intelectuais e da sua responsabilidade social. Esta raridade pode ter a sua lógica, porque parece que os “académicos” se tornaram uma espécie de figuras decorativas do aparelho burocrático dirigente, enquanto os intelectuais são geralmente praticantes do pensamento crítico e produtores de ideias novas e férteis. Em suma, são uns indesejáveis. Mas aquilo a que se tem assistido é a uma angustiante colagem ao discurso do poder político, até ao nível mais anedótico. Um dos grupos profissionais que constitui a camada social dos intelectuais são os jornalistas.
Veja-se agora um exemplo: numas comemorações políticas recentes, um funcionário do protocolo, anunciando o que se ia seguir, usou a pomposa e ridícula expressão “sessão gastronómica”, para substituir a modesta palavra “refeição”, ou “almoço”, ou, mais solenemente, “banquete”. Pois bem, em face disso, uns jornalistas que faziam a reportagem da cerimónia, não usaram, daí em diante, nenhum outro vocábulo que não fosse “gastronomia”.
Mas será que a febre da subserviência e a ânsia de alguma promoçãozinha os endoideceu de vez? E será por causa desse delírio seguidista que não conseguem sentir um mínimo de vergonha? Por este caminho, que ideias é possível gerar sobre o futuro? É aqui que aparece a prospectiva.
E o que é a prospectiva? É uma ciência, “que tem como objecto de estudo o futuro, nomeadamente as razões que aceleram a evolução do mundo moderno (progresso das comunicações, multiplicação do poder técnico). (...) ela consiste em ver longe – e globalmente – para modificar em profundidade qualquer projecto de acção. (...) A prospectiva deveria ser antes de mais uma ciência ao serviço dos governantes.” (Dictionnaire de la Philosophie, Didier Julia, Librairie Larrouse, Paris, 1964).
A prospectiva, como ciência particular, foi criada pelo filósofo Gaston Berger. Ser uma ciência ao serviço dos governantes não significa que os cientistas estão ao serviço da política. Até pelo contrário: significa que, em vez de serem serventes do poder, que repetem o que os governantes dizem, põem os governantes a falarem – e sobretudo a fazerem – de maneira diferente, porque estes recebem dos cientistas informação e saber. Se quiserem, claro!
Aliás, a prospectiva, geralmente, é praticada por institutos criados por iniciativa privada (associações ou grupos de empresários, grupos de imprensa), que vendem os seus serviços a quem fizer encomendas, sejam organismos estatais, sejam entidades privadas.
O livro “Como viveremos em 1980”, de vários autores, contém muita matéria sobre a prospectiva. Nele, Louis Armand, outro dos fundadores dessa ciência, alerta: “Uma comissão composta por personalidades indiscutíveis, mas com muito pouco tempo, poderá sem dúvida ‘prever’, mas nunca fazer prospectiva. (...) Seria necessário um organismo permanente trabalhando sempre, uma equipa composta por especialistas e por eruditos. Uma espécie de conselho de aperfeiçoamento do humanismo, da civilização”.
A prospectiva não tem nada a ver com a elaboração de planos político-económicos de longo prazo que estabelecem objectivos e metas. Isso são decisões, e não predições, sobre o futuro.
Um grupo de prospectiva pode funcionar, por hipótese, do seguinte modo: a cada um dos membros do grupo solicita-se que escreva quais são, na sua opinião, os principais problemas que Moçambique poderá enfrentar no futuro (serão na área da política, da economia, da ecologia, da educação?). Mas é preciso concretizar cada problema. Será a falta de água potável? Será a concorrência com os países da região? Será a ignorância galopante e a falta de cultura da geração das mensagens de celular?
Juntando as respostas dos diferentes elementos do grupo, faz-se a verificação sobre quais são as mais frequentes e passa-se a trabalhar sobre elas, tomando como base a seguinte questão: Quais as decisões que é preciso tomar no presente, para agir sobre o futuro, evitando problemas já hoje predizíveis? Seguem-se algumas questões talvez prospectivas. Quais serão os efeitos futuros da formação dum número excessivo de licenciados?
Por outras palavras: o mercado de trabalho vai ter capacidade e necessidade de absorver a quantidade de licenciados que estão actualmente a ser formados? Para que servem todas essas instituições do ensino superior que estão a ser criadas? Que qualidade de ensino será possível assegurar? Qual é a qualidade do corpo docente dessas instituições? Quais são todas as possíveis consequências futuras da extracção desenfreada dos recursos florestais? Qual será o processo social por meio do qual se desenvolverão e consolidarão novos grupos ou classes sociais, com espírito patriótico e sentido de responsabilidade, que serão capazes de criar uma alternativa política, a qual, em vez de vender, defenda os recursos naturais do país e, em vez de desbaratar, preserve e amplie o património cultural e a sabedoria do povo moçambicano? E como é que se poderá acelerar esse processo? Talvez através da prospectiva!
Pode parecer, por vezes, que há, nesta escrita, uma insistência em alguns temas, que acabam por tornar-se repetitivos. Mas enquanto os mesmos problemas subsistirem repetitivamente, enquanto persistir teimosamente a política de colocar as mordomias para algumas minorias sociais acima dos interesses da nação e das necessidades da população, então não há outro caminho a seguir que não seja insistir sobre os mesmos temas, sempre e sempre, até que mude a situação vigente e persistente.
Um desses temas é a questão: o que é que os académicos, de quem tanto se fala, andam a fazer? Curiosamente, parece haver académicos aos montes, mas raramente se fala de intelectuais e da sua responsabilidade social. Esta raridade pode ter a sua lógica, porque parece que os “académicos” se tornaram uma espécie de figuras decorativas do aparelho burocrático dirigente, enquanto os intelectuais são geralmente praticantes do pensamento crítico e produtores de ideias novas e férteis. Em suma, são uns indesejáveis. Mas aquilo a que se tem assistido é a uma angustiante colagem ao discurso do poder político, até ao nível mais anedótico. Um dos grupos profissionais que constitui a camada social dos intelectuais são os jornalistas.
Veja-se agora um exemplo: numas comemorações políticas recentes, um funcionário do protocolo, anunciando o que se ia seguir, usou a pomposa e ridícula expressão “sessão gastronómica”, para substituir a modesta palavra “refeição”, ou “almoço”, ou, mais solenemente, “banquete”. Pois bem, em face disso, uns jornalistas que faziam a reportagem da cerimónia, não usaram, daí em diante, nenhum outro vocábulo que não fosse “gastronomia”.
Mas será que a febre da subserviência e a ânsia de alguma promoçãozinha os endoideceu de vez? E será por causa desse delírio seguidista que não conseguem sentir um mínimo de vergonha? Por este caminho, que ideias é possível gerar sobre o futuro? É aqui que aparece a prospectiva.
E o que é a prospectiva? É uma ciência, “que tem como objecto de estudo o futuro, nomeadamente as razões que aceleram a evolução do mundo moderno (progresso das comunicações, multiplicação do poder técnico). (...) ela consiste em ver longe – e globalmente – para modificar em profundidade qualquer projecto de acção. (...) A prospectiva deveria ser antes de mais uma ciência ao serviço dos governantes.” (Dictionnaire de la Philosophie, Didier Julia, Librairie Larrouse, Paris, 1964).
A prospectiva, como ciência particular, foi criada pelo filósofo Gaston Berger. Ser uma ciência ao serviço dos governantes não significa que os cientistas estão ao serviço da política. Até pelo contrário: significa que, em vez de serem serventes do poder, que repetem o que os governantes dizem, põem os governantes a falarem – e sobretudo a fazerem – de maneira diferente, porque estes recebem dos cientistas informação e saber. Se quiserem, claro!
Aliás, a prospectiva, geralmente, é praticada por institutos criados por iniciativa privada (associações ou grupos de empresários, grupos de imprensa), que vendem os seus serviços a quem fizer encomendas, sejam organismos estatais, sejam entidades privadas.
O livro “Como viveremos em 1980”, de vários autores, contém muita matéria sobre a prospectiva. Nele, Louis Armand, outro dos fundadores dessa ciência, alerta: “Uma comissão composta por personalidades indiscutíveis, mas com muito pouco tempo, poderá sem dúvida ‘prever’, mas nunca fazer prospectiva. (...) Seria necessário um organismo permanente trabalhando sempre, uma equipa composta por especialistas e por eruditos. Uma espécie de conselho de aperfeiçoamento do humanismo, da civilização”.
A prospectiva não tem nada a ver com a elaboração de planos político-económicos de longo prazo que estabelecem objectivos e metas. Isso são decisões, e não predições, sobre o futuro.
Um grupo de prospectiva pode funcionar, por hipótese, do seguinte modo: a cada um dos membros do grupo solicita-se que escreva quais são, na sua opinião, os principais problemas que Moçambique poderá enfrentar no futuro (serão na área da política, da economia, da ecologia, da educação?). Mas é preciso concretizar cada problema. Será a falta de água potável? Será a concorrência com os países da região? Será a ignorância galopante e a falta de cultura da geração das mensagens de celular?
Juntando as respostas dos diferentes elementos do grupo, faz-se a verificação sobre quais são as mais frequentes e passa-se a trabalhar sobre elas, tomando como base a seguinte questão: Quais as decisões que é preciso tomar no presente, para agir sobre o futuro, evitando problemas já hoje predizíveis? Seguem-se algumas questões talvez prospectivas. Quais serão os efeitos futuros da formação dum número excessivo de licenciados?
Por outras palavras: o mercado de trabalho vai ter capacidade e necessidade de absorver a quantidade de licenciados que estão actualmente a ser formados? Para que servem todas essas instituições do ensino superior que estão a ser criadas? Que qualidade de ensino será possível assegurar? Qual é a qualidade do corpo docente dessas instituições? Quais são todas as possíveis consequências futuras da extracção desenfreada dos recursos florestais? Qual será o processo social por meio do qual se desenvolverão e consolidarão novos grupos ou classes sociais, com espírito patriótico e sentido de responsabilidade, que serão capazes de criar uma alternativa política, a qual, em vez de vender, defenda os recursos naturais do país e, em vez de desbaratar, preserve e amplie o património cultural e a sabedoria do povo moçambicano? E como é que se poderá acelerar esse processo? Talvez através da prospectiva!
(*)Savana
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