Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
O chinês mais popular do meu bairro era um cobrador da água e electricidade, quando os dois serviços pertenciam à municipalidade da cidade.
Era alto e desengonçado e, se a memória não me falha, chamava-se Lee Tat Kan. O chinês da minha estória iria ficar ligado à história do "cinema" colonial com o seu protagonismo numa "burrada" que tinha por título "O Zé do Burro". O nosso amigo Lee era no filme, não o Bruce, mas o "perigo amarelo" que a "agit-prop" colonial agitava quando pretendiam colar o movimento de libertação à cínica agenda dos interesses sino-soviéticos para África.
O nosso Lee, à data da independência foi para Portugal, provavelmente convencido que os seus parentes da China continental, vinham por aí a todo o gaz fazer uma nova colonização de Moçambique. Há uns anos, quando me perguntou pela saúde de Moçambique num bar do Bairro Alto em Lisboa disse-lhe que não havia paraíso comunista em Moçambique. Fez um sorriso amarelo. Só podia.
Trinta anos depois, o "perigo amarelo" parece um tema recorrente em África.
A punjante economia chinesa precisa de matérias primas, tem rios de dinheiro para as depauperadas finanças públicas africanas e não faz perguntas embaraçosas em matérias ambientais e dos direitos do homem.
As "nomemklaturas" do continente rejubilam e agradecem.
A caricatura, porque é isso mesmo, caricatura, não tem que ser necessariamente verdadeira. O investimento directo estrangeiro está na ordem do dia e os governos do continente procuram negociar com os seus parceiros internacionais negócios vantajosos. Em princípio, para todas as partes envolvidas.
Um boa estrada, que cumpra os parâmetros estabelecidos nos cadernos de encargos, é tão boa feita por italianos, sul-africanos ou chineses. Colocar à partida reticências porque o engenheiro é chinês é pura e simplesmente preconceito.
Quem vai à loja de ferragens deve estar preparado para escolher entre a quinquilharia que os empresários moçambicanos vão buscar à China e o mesmo tipo de material que outros ou os mesmos empresários moçambicanos importam de outras paragens ou de fábricas chinesas com outros padrões de qualidade.
O problema não está portanto nos chineses, mas no que as contrapartes definirem qual é o papel e o espaço chinês nas suas economias.
Os golpes de "kung fu" que são aplicados aos trabalhadores moçambicanos ferem tanto a sua auto-estima como os insultos de um colonialista português ou as "sepulturas" vivas infligidas por empresários sul-africanos aos moçambicanos que trabalham nas estâncias turísticas de Inhambane. Agressão é agressão. O roubo de recursos marinhos não muda de nome porque é praticado por "camaradas "chineses". Os ataques à floresta moçambicana não são pilhagem se forem feitos por nigerianos e tanzanianos para passarem ao corrente autismo só porque um bando de corruptos acolitados na "nomenklatura" e sempre com a boca cheia de patriotismo estão prontos a hipotecar o país a herdar pelas gerações futuras. Parece haver uma estranha amnésia para a defesa do interesse nacional que faz parte da ementa do nosso dia a dia político. Como acontece com os torcionários do "apartheid", os mesmos que assassinaram Ruth First e os seus companheiros no "campo quatro" e se transformaram em respeitáveis parceiros de negócios em Maputo e Luanda.
Não há perigo amarelo como pensava o bom do Lee Tat Kan.
Mas há falta de muitas outras coisas para que o país não se transforme, em definitivo, numa enorme coutada.
De papel timbrado e despacho em Boletim da República.
SAVANA - 02.02.2007
Por Fernando Lima
O chinês mais popular do meu bairro era um cobrador da água e electricidade, quando os dois serviços pertenciam à municipalidade da cidade.
Era alto e desengonçado e, se a memória não me falha, chamava-se Lee Tat Kan. O chinês da minha estória iria ficar ligado à história do "cinema" colonial com o seu protagonismo numa "burrada" que tinha por título "O Zé do Burro". O nosso amigo Lee era no filme, não o Bruce, mas o "perigo amarelo" que a "agit-prop" colonial agitava quando pretendiam colar o movimento de libertação à cínica agenda dos interesses sino-soviéticos para África.
O nosso Lee, à data da independência foi para Portugal, provavelmente convencido que os seus parentes da China continental, vinham por aí a todo o gaz fazer uma nova colonização de Moçambique. Há uns anos, quando me perguntou pela saúde de Moçambique num bar do Bairro Alto em Lisboa disse-lhe que não havia paraíso comunista em Moçambique. Fez um sorriso amarelo. Só podia.
Trinta anos depois, o "perigo amarelo" parece um tema recorrente em África.
A punjante economia chinesa precisa de matérias primas, tem rios de dinheiro para as depauperadas finanças públicas africanas e não faz perguntas embaraçosas em matérias ambientais e dos direitos do homem.
As "nomemklaturas" do continente rejubilam e agradecem.
A caricatura, porque é isso mesmo, caricatura, não tem que ser necessariamente verdadeira. O investimento directo estrangeiro está na ordem do dia e os governos do continente procuram negociar com os seus parceiros internacionais negócios vantajosos. Em princípio, para todas as partes envolvidas.
Um boa estrada, que cumpra os parâmetros estabelecidos nos cadernos de encargos, é tão boa feita por italianos, sul-africanos ou chineses. Colocar à partida reticências porque o engenheiro é chinês é pura e simplesmente preconceito.
Quem vai à loja de ferragens deve estar preparado para escolher entre a quinquilharia que os empresários moçambicanos vão buscar à China e o mesmo tipo de material que outros ou os mesmos empresários moçambicanos importam de outras paragens ou de fábricas chinesas com outros padrões de qualidade.
O problema não está portanto nos chineses, mas no que as contrapartes definirem qual é o papel e o espaço chinês nas suas economias.
Os golpes de "kung fu" que são aplicados aos trabalhadores moçambicanos ferem tanto a sua auto-estima como os insultos de um colonialista português ou as "sepulturas" vivas infligidas por empresários sul-africanos aos moçambicanos que trabalham nas estâncias turísticas de Inhambane. Agressão é agressão. O roubo de recursos marinhos não muda de nome porque é praticado por "camaradas "chineses". Os ataques à floresta moçambicana não são pilhagem se forem feitos por nigerianos e tanzanianos para passarem ao corrente autismo só porque um bando de corruptos acolitados na "nomenklatura" e sempre com a boca cheia de patriotismo estão prontos a hipotecar o país a herdar pelas gerações futuras. Parece haver uma estranha amnésia para a defesa do interesse nacional que faz parte da ementa do nosso dia a dia político. Como acontece com os torcionários do "apartheid", os mesmos que assassinaram Ruth First e os seus companheiros no "campo quatro" e se transformaram em respeitáveis parceiros de negócios em Maputo e Luanda.
Não há perigo amarelo como pensava o bom do Lee Tat Kan.
Mas há falta de muitas outras coisas para que o país não se transforme, em definitivo, numa enorme coutada.
De papel timbrado e despacho em Boletim da República.
SAVANA - 02.02.2007
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