por Noé Nhantumbo
Beira (Canal de Moçambique) - A intolerância e a exclusão dos outros só se sente quando nos chega a vez. A lei, superior a todos e de aplicação obrigatória independentemente do sujeito, foi pedagogicamente administrada, na Beira, na sequência da tentativa de lançamento de uma primeira pedra de um “futuro” – curiosamente sempre o futuro! – monumento a Samora Moisés Machel, primeiro presidente da República (Popular) de Moçambique, no Bairro do Vaz.
Os documentos atinentes foram metidos “tardiamente” para quem tinha motivo tão nobel e estava em posição de saber que ninguém está acima da Lei. E, a cerimónia, que chegou a reunir no local o governador provincial e outros convidados, foi adiada para outra ocasião (vsff «Canal de Moçambique» n.º 165).
Não houve recusa ao pedido, pelo que se conclui da explicação dada pelo presidente do Município da Beira, Engenheiro Daviz Simango, em conferência de Imprensa. A documentação respeitante que a legislação exige, simplesmente “entrou tarde” no circuito municipal por que se rege a concessão de terras.
O processo de solicitação de um terreno tem os seus trâmites. O que está legislado é para todos e não exclui o governador provincial. Nem mesmo o presidente da República. Este último, aliás, até jura “cumprir e fazer a Lei” quando toma posse. Algo se terá passado no governo da província de Sofala...
Duas lições se podem tirar da atitude pedagógica de Daviz Simango. Uma é que ninguém está acima da Lei. A outra é que quem exerce o poder deve dar o exemplo.
O governador provincial de Sofala, ao querer agir em cima da hora, provou duas coisas. Por um lado que ele ainda é daquelas pessoas que julga que por ser governador, a Lei, os prazos, não se lhe aplicam. Por outro provou que é um desorganizado que não consegue ter um «staff» profissional que lhe permita funcionar de acordo com a Lei e dar à sociedade o exemplo que de um governador seria de esperar.
Estar no Poder não deve significar ter poder para violar as normas só porque se tem Poder. Ter Poder, em Democracia – pressupõe-se isso, pelo menos – deve servir para fazer cumprir as leis e, antes de mais, cumpri-las, para dar o exemplo.
Até ao exemplar gesto do Edil da Beira, o Poder tem sido usado para além do mandato que é dado aos funcionários do Estado. E há muito que se sabe que para esses não há Lei nem prazos. É tudo em cima da hora e à força do Poder. Do «quero, posso e mando».
Muitos dos que estão no Poder em Moçambique estão desde a Independência e isso criou vícios difíceis de ultrapassar.
Os funcionários por mais Alto Nível que tenham na hierarquia têm de passar a dar o exemplo. Devem ser os primeiros a cumprir com o legislado e não o fazem. Depois vem sempre com a retórica de que a culpa é dos outros. Geralmente “pagam” os funcionários. Antes iam parar até à “reeducação” para que o chefe ficasse ilibado de culpas.
Presidente da República, ministro, governador, presidente do Município, administrador de distrito, deputado, director disto ou daquilo, no Estado é funcionário. Em Moçambique criou-se o mau hábito de quem ocupa esses postos agir como se fosse dono do País e do Estado. É preciso que haja um novo hábito que o Edil da Beira inaugurou ao dizer que não está contra o monumento a Samora mas a Lei é para ser cumprida e os trâmites são para serem respeitados. E por sinal até já havia outros planos para o local onde o Governo queria erguer o monumento. Para isso é que existem os técnicos a assessorar quem está investido de Poder. Os técnicos também são precisamente para não deixarem os políticos fazerem asneiras com o dinheiro dos cidadãos.
Os detentores do Poder quando também experimentam algumas das dificuldades que o cidadão comum tem ao querer ver os seus assuntos burocráticos resolvidos também lhe faz bem ao espírito. Esse é o mérito nos países em que o Poder não está concentrado nas mesmas mãos. As autoridades assim sentem o que representa o tempo infinito que os outros têm esperado pelos despachos mesmo para além dos prazos estipulados por Lei.
O monumento a Samora Machel é uma homenagem a alguém que de facto e incontestavelmente marcou a história deste Moçambique. Para uns para o bem, para outros para o mal. Mas seja como for fez história como o fez André Matsangaíce para os seus ídolos. Como fez Afonso Dhlakama para os seus simpatizantes. Todos mandaram matar gente mas não foi por isso que deixaram de fazer história.
Os monumentos nunca agradam a todos. Os próprios iconoclastas têm direito a não acreditar em vedetas e não é por isso que deixam de ser cidadãos. Seja quem for que queira erguer um monumento, construir sem ser desordenadamente, deve obedecer às leis em vigor. O senhor Governador não está fora do quadro legal instituído.
Espero que a atitude correcta do Presidente do Conselho Municipal da Beira não seja motivo para belicismos no ambiente de coabitação política e governamental existente. Muitas coisas poderiam estar melhor na Beira se não houvesse o jogo de impedir por impedir. E Simango até tem sido o principal prejudicado pelo governo central. Estamos muitas vezes em presença de “empatas”. Custa a certas pessoas admitir e aceitar que os outros também podem fazer e sabem fazer. A moçambicanidade e cidadania que tanta falta fazem ao desenvolvimento local e nacional constroem-se respeitando a legalidade e eliminando sempre que possível o tratamento diferenciado dos cidadãos.
O que Guebuza está a tentar vai no sentido contrário. Está a tentar partidarizar o Estado de novo em vez de promover um país para todos. Um país em que não seja preciso ser-se da Frelimo, o seu clube, legitimamente embora. Onde houver erro de procedimento, não interessa se é deste partido ou de outro. Há que habituar as pessoas de que Moçambique pertence a todos os moçambicanos e que a legalidade é para todos. Quanto mais não seja em memória de Samora. A verticalidade e respeito pela legalidade era uma das virtudes desse Homem que também teve muitos defeitos.
Canal de Moçambique (2006-10-03)
Beira (Canal de Moçambique) - A intolerância e a exclusão dos outros só se sente quando nos chega a vez. A lei, superior a todos e de aplicação obrigatória independentemente do sujeito, foi pedagogicamente administrada, na Beira, na sequência da tentativa de lançamento de uma primeira pedra de um “futuro” – curiosamente sempre o futuro! – monumento a Samora Moisés Machel, primeiro presidente da República (Popular) de Moçambique, no Bairro do Vaz.
Os documentos atinentes foram metidos “tardiamente” para quem tinha motivo tão nobel e estava em posição de saber que ninguém está acima da Lei. E, a cerimónia, que chegou a reunir no local o governador provincial e outros convidados, foi adiada para outra ocasião (vsff «Canal de Moçambique» n.º 165).
Não houve recusa ao pedido, pelo que se conclui da explicação dada pelo presidente do Município da Beira, Engenheiro Daviz Simango, em conferência de Imprensa. A documentação respeitante que a legislação exige, simplesmente “entrou tarde” no circuito municipal por que se rege a concessão de terras.
O processo de solicitação de um terreno tem os seus trâmites. O que está legislado é para todos e não exclui o governador provincial. Nem mesmo o presidente da República. Este último, aliás, até jura “cumprir e fazer a Lei” quando toma posse. Algo se terá passado no governo da província de Sofala...
Duas lições se podem tirar da atitude pedagógica de Daviz Simango. Uma é que ninguém está acima da Lei. A outra é que quem exerce o poder deve dar o exemplo.
O governador provincial de Sofala, ao querer agir em cima da hora, provou duas coisas. Por um lado que ele ainda é daquelas pessoas que julga que por ser governador, a Lei, os prazos, não se lhe aplicam. Por outro provou que é um desorganizado que não consegue ter um «staff» profissional que lhe permita funcionar de acordo com a Lei e dar à sociedade o exemplo que de um governador seria de esperar.
Estar no Poder não deve significar ter poder para violar as normas só porque se tem Poder. Ter Poder, em Democracia – pressupõe-se isso, pelo menos – deve servir para fazer cumprir as leis e, antes de mais, cumpri-las, para dar o exemplo.
Até ao exemplar gesto do Edil da Beira, o Poder tem sido usado para além do mandato que é dado aos funcionários do Estado. E há muito que se sabe que para esses não há Lei nem prazos. É tudo em cima da hora e à força do Poder. Do «quero, posso e mando».
Muitos dos que estão no Poder em Moçambique estão desde a Independência e isso criou vícios difíceis de ultrapassar.
Os funcionários por mais Alto Nível que tenham na hierarquia têm de passar a dar o exemplo. Devem ser os primeiros a cumprir com o legislado e não o fazem. Depois vem sempre com a retórica de que a culpa é dos outros. Geralmente “pagam” os funcionários. Antes iam parar até à “reeducação” para que o chefe ficasse ilibado de culpas.
Presidente da República, ministro, governador, presidente do Município, administrador de distrito, deputado, director disto ou daquilo, no Estado é funcionário. Em Moçambique criou-se o mau hábito de quem ocupa esses postos agir como se fosse dono do País e do Estado. É preciso que haja um novo hábito que o Edil da Beira inaugurou ao dizer que não está contra o monumento a Samora mas a Lei é para ser cumprida e os trâmites são para serem respeitados. E por sinal até já havia outros planos para o local onde o Governo queria erguer o monumento. Para isso é que existem os técnicos a assessorar quem está investido de Poder. Os técnicos também são precisamente para não deixarem os políticos fazerem asneiras com o dinheiro dos cidadãos.
Os detentores do Poder quando também experimentam algumas das dificuldades que o cidadão comum tem ao querer ver os seus assuntos burocráticos resolvidos também lhe faz bem ao espírito. Esse é o mérito nos países em que o Poder não está concentrado nas mesmas mãos. As autoridades assim sentem o que representa o tempo infinito que os outros têm esperado pelos despachos mesmo para além dos prazos estipulados por Lei.
O monumento a Samora Machel é uma homenagem a alguém que de facto e incontestavelmente marcou a história deste Moçambique. Para uns para o bem, para outros para o mal. Mas seja como for fez história como o fez André Matsangaíce para os seus ídolos. Como fez Afonso Dhlakama para os seus simpatizantes. Todos mandaram matar gente mas não foi por isso que deixaram de fazer história.
Os monumentos nunca agradam a todos. Os próprios iconoclastas têm direito a não acreditar em vedetas e não é por isso que deixam de ser cidadãos. Seja quem for que queira erguer um monumento, construir sem ser desordenadamente, deve obedecer às leis em vigor. O senhor Governador não está fora do quadro legal instituído.
Espero que a atitude correcta do Presidente do Conselho Municipal da Beira não seja motivo para belicismos no ambiente de coabitação política e governamental existente. Muitas coisas poderiam estar melhor na Beira se não houvesse o jogo de impedir por impedir. E Simango até tem sido o principal prejudicado pelo governo central. Estamos muitas vezes em presença de “empatas”. Custa a certas pessoas admitir e aceitar que os outros também podem fazer e sabem fazer. A moçambicanidade e cidadania que tanta falta fazem ao desenvolvimento local e nacional constroem-se respeitando a legalidade e eliminando sempre que possível o tratamento diferenciado dos cidadãos.
O que Guebuza está a tentar vai no sentido contrário. Está a tentar partidarizar o Estado de novo em vez de promover um país para todos. Um país em que não seja preciso ser-se da Frelimo, o seu clube, legitimamente embora. Onde houver erro de procedimento, não interessa se é deste partido ou de outro. Há que habituar as pessoas de que Moçambique pertence a todos os moçambicanos e que a legalidade é para todos. Quanto mais não seja em memória de Samora. A verticalidade e respeito pela legalidade era uma das virtudes desse Homem que também teve muitos defeitos.
Canal de Moçambique (2006-10-03)
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