Entrevista exclusiva ao «Canal de Moçambique»
- Dom Jaime Gonçalves a propósito do 14º aniversário da Paz
“Durante os 14 anos de Paz em Moçambique experimentámos situações que nos deram a entender que ainda há muito por fazer em termos de ideologias; de organização política, organização das próprias instituições da República. Nestes aspectos ainda temos problemas”
“As gerações futuras de moçambicanos devem ter razões para corrigir o que as outras gerações não fizeram bem”
Beira (Canal de Moçambique) – Celebrou-se há dias o 14º aniversário do Acordo Geral de Paz, assinado a 4 de Outubro de 1992, em Roma. O Arcebispo da Beira, Dom Jaime Gonçalves, foi o mediador nacional e um dos notáveis obreiros desta Paz que tem perdurado. A Guerra Civil, que opunha o governo monopartidário da Frelimo e os guerrilheiros da RNM (Resistência Nacional de Moçambique) hoje transformada em partido Renamo e com representação parlamentar, fruto desses acordos, terminaria. O «Canal de Moçambique» foi ouvir este protagonista incontornável para registar a incursão que Dom Jaime faz sobre as expectativas e frustrações que os moçambicanos têm experimentado ao longo dos 14 anos de Paz. Eis em discurso directo o conteúdo da entrevista concedida em exclusivo ao «Canal de Moçambique».
Canal de Moçambique (Canal): Senhor Arcebispo, o pais já vive 14 anos de Paz, desde que o Governo e a Renamo, assinaram o AGP. Como avalia, o estágio actual do processo de paz em Moçambique?
Dom Jaime Gonçalves (D. Jaime): “Para terminar com uma situação difícil que o povo moçambicano vivia, a Guerra Civil, a Revolução Moçambicana, creio que o Acordo Geral de Paz foi um dos maiores acontecimentos da vida Nacional depois da Independência. Depois do Acordo Geral de Paz, o povo iniciou o processo de reconciliação nacional, a organização da vida, inclusive a vida política em termos de Democracia, lançamento de vários programas de Desenvolvimento. Mesmo assim temos enfrentado desafios. De facto, a Paz deve produzir frutos de progresso na nossa sociedade, frutos da democracia, da legalidade, produção de comida, combate a doenças graves e, por conseguinte, melhor Saúde e Educação para todos. Portanto, estes bens são, por um lado frutos da Paz e, por outro, consolidam a própria Paz. Estes são os aspectos positivos que o Acordo Geral de Paz trouxe ao nosso pais”.
Canal: Quais são no seu entender os aspectos negativos registados depois do AGP?
D. Jaime: “Durante os 14 anos de Paz em Moçambique experimentámos situações que nos deram a entender que ainda há muito por fazer em termos de ideologias; de organização política, organização das próprias instituições da República. Nestes aspectos ainda temos problemas”.
“Os casos de Montepuez, Mocimboa da Praia, Inhaminga e Maríngue, tocaram muito a vida nacional por causa da violência que vivemos nessas alturas. Os problemas do funcionamento da justiça. A falta de harmonia entre os cidadãos de pensamento político diferente, tocaram as liberdades políticas das pessoas”.
“De facto, mais uma vez, não só a Paz ficou manchada com esses casos, como também ficou revelado que muitos valores do AGP ficaram omitidos”.
“Por exemplo, o cessar-fogo ficou esquecido. O dialogo como meio de resolver diferendos, a cooperação de todos para o bem comum, são alguns dos valores do «AGP» que ficaram esquecidos”.
“Em relação aos casos especiais de Maríngwé e Inhaminga ficou de fora todo um articulado do AGP, sobretudo no que toca a segurança dos responsáveis do Partido Renamo. Mesmo assim, julgo que o que vivemos durante 14 anos de Paz, pode ser melhorado, naquilo que foi bom, e pode ser corrigido naquilo que foi mau. Quero acreditar que o bem feito pode melhorar na medida em que o próprio povo experimentou viver em Paz, e não temos razões nenhumas para dizer que o povo quer voltar à guerra, à violência com os canos das armas”.
“É por isso que temos uma grande força para melhorar o que temos construído nestes 14 anos de Paz. Sobre o mal que foi feito, creio que pode ser corrigido, porque as acções políticas que envolveram esses acontecimentos, foram feitas perante o povo e filhos desse mesmo povo com uma consciência política muito esclarecida tendo em linha de conta que Moçambique está a viver num contexto de África, onde certas acções políticas são repetidas”.
“Isto significa que as gerações futuras de moçambicanos devem ter razões para corrigir o que as outras gerações não fizeram bem”.
Canal: O que acha sobre o posicionamento do líder da Renamo, ao anunciar publicamente que já não está interessado em incorporar os homens da sua segurança na Policia da Republica de Moçambique?
D. Jaime: “Não queria entrar em pormenores sobre o que cada parte diz à Imprensa sobre a solução dos casos de Maringwé, Inhaminga, Beira, etc. Nós ouvimos, creio eu, nos princípios deste ano, a partir do Ministério do Interior, que o Governo estava disposto a dialogar para resolver aqueles casos. Muitos de nós ficamos satisfeitos e felizes com aquele posicionamento por ver que o diálogo estava a voltar entre as partes. É claro, até agora não sabemos se esse diálogo foi iniciado ou não. É neste diálogo, caso venha a acontecer, que as partes vão dizer o que pensam sobre o caso, e eventualmente chegarem a um entendimento para apagar de uma vez por todas os casos de Maríngwé e Inhaminga”.
Canal: O Governo tem dito que o Acordo Geral de Paz, já não é válido. A Renamo defende o contrário. O que pensa sobre este assunto?
D. Jaime: “Como documento histórico, o Acordo Geral de Paz teve o seu tempo de validade, porque foi adoptado como instrumento legal pela Assembleia da Republica para um tempo determinado. Agora temos uma nova Constituição da Republica e, como tal, não podemos adoptar o Acordo Geral de Paz como uma lei constitucional, até porque muito do que foi adoptado no AGP faz parte da actual Constituição da República. São muitos os valores mas não diria que temos dois instrumentos jurídicos. O meu parecer, ao invocar o Acordo Geral de Paz, é que os valores sociais apontados no AGP, são actuais. A invocação desses valores agora, servem para justificar a situação que estamos a construir depois da Paz, porque quando se fala da paz em Moçambique, é sempre a partir do AGP. O documento que pode convencer ambas as partes, é o acordo que assinaram. É muito difícil falar de outro documento que não seja o Acordo Geral de Paz. Há situações que para serem debatidas num ambiente pacífico temos que recorrer ao AGP. Quando olho para o dia 4 de Outubro recordo me de valores perenes para uma sociedade sã”.
Canal: O que pensa da actual situação do pais do ponto de vista social económico e político?
D. Jaime: “A igreja em geral condena a criminalidade por estar contra a pessoa humana e suas liberdades. A pobreza não é um direito que as pessoas têm. Pelo contrário, a Igreja é pelo progresso dos povos”.
“Quanto à Economia, diria que a Igreja é mestra da Economia. A Igreja ilumina a Economia com o princípio de teologia e grande humanismo. A Igreja, onde pode, coopera naquilo que pode ajudar o progresso dos povos: a ensinar os Direitos Humanos; a ajudar a educar as pessoas para trabalharem para o bem da economia. Por exemplo, a instalação da Universidade Católica de Moçambique é uma ajuda nesse sentido”.
(Edy Ndapona)
Canal de Mocambique 2006-10-11 22:06:00
- Dom Jaime Gonçalves a propósito do 14º aniversário da Paz
“Durante os 14 anos de Paz em Moçambique experimentámos situações que nos deram a entender que ainda há muito por fazer em termos de ideologias; de organização política, organização das próprias instituições da República. Nestes aspectos ainda temos problemas”
“As gerações futuras de moçambicanos devem ter razões para corrigir o que as outras gerações não fizeram bem”
Beira (Canal de Moçambique) – Celebrou-se há dias o 14º aniversário do Acordo Geral de Paz, assinado a 4 de Outubro de 1992, em Roma. O Arcebispo da Beira, Dom Jaime Gonçalves, foi o mediador nacional e um dos notáveis obreiros desta Paz que tem perdurado. A Guerra Civil, que opunha o governo monopartidário da Frelimo e os guerrilheiros da RNM (Resistência Nacional de Moçambique) hoje transformada em partido Renamo e com representação parlamentar, fruto desses acordos, terminaria. O «Canal de Moçambique» foi ouvir este protagonista incontornável para registar a incursão que Dom Jaime faz sobre as expectativas e frustrações que os moçambicanos têm experimentado ao longo dos 14 anos de Paz. Eis em discurso directo o conteúdo da entrevista concedida em exclusivo ao «Canal de Moçambique».
Canal de Moçambique (Canal): Senhor Arcebispo, o pais já vive 14 anos de Paz, desde que o Governo e a Renamo, assinaram o AGP. Como avalia, o estágio actual do processo de paz em Moçambique?
Dom Jaime Gonçalves (D. Jaime): “Para terminar com uma situação difícil que o povo moçambicano vivia, a Guerra Civil, a Revolução Moçambicana, creio que o Acordo Geral de Paz foi um dos maiores acontecimentos da vida Nacional depois da Independência. Depois do Acordo Geral de Paz, o povo iniciou o processo de reconciliação nacional, a organização da vida, inclusive a vida política em termos de Democracia, lançamento de vários programas de Desenvolvimento. Mesmo assim temos enfrentado desafios. De facto, a Paz deve produzir frutos de progresso na nossa sociedade, frutos da democracia, da legalidade, produção de comida, combate a doenças graves e, por conseguinte, melhor Saúde e Educação para todos. Portanto, estes bens são, por um lado frutos da Paz e, por outro, consolidam a própria Paz. Estes são os aspectos positivos que o Acordo Geral de Paz trouxe ao nosso pais”.
Canal: Quais são no seu entender os aspectos negativos registados depois do AGP?
D. Jaime: “Durante os 14 anos de Paz em Moçambique experimentámos situações que nos deram a entender que ainda há muito por fazer em termos de ideologias; de organização política, organização das próprias instituições da República. Nestes aspectos ainda temos problemas”.
“Os casos de Montepuez, Mocimboa da Praia, Inhaminga e Maríngue, tocaram muito a vida nacional por causa da violência que vivemos nessas alturas. Os problemas do funcionamento da justiça. A falta de harmonia entre os cidadãos de pensamento político diferente, tocaram as liberdades políticas das pessoas”.
“De facto, mais uma vez, não só a Paz ficou manchada com esses casos, como também ficou revelado que muitos valores do AGP ficaram omitidos”.
“Por exemplo, o cessar-fogo ficou esquecido. O dialogo como meio de resolver diferendos, a cooperação de todos para o bem comum, são alguns dos valores do «AGP» que ficaram esquecidos”.
“Em relação aos casos especiais de Maríngwé e Inhaminga ficou de fora todo um articulado do AGP, sobretudo no que toca a segurança dos responsáveis do Partido Renamo. Mesmo assim, julgo que o que vivemos durante 14 anos de Paz, pode ser melhorado, naquilo que foi bom, e pode ser corrigido naquilo que foi mau. Quero acreditar que o bem feito pode melhorar na medida em que o próprio povo experimentou viver em Paz, e não temos razões nenhumas para dizer que o povo quer voltar à guerra, à violência com os canos das armas”.
“É por isso que temos uma grande força para melhorar o que temos construído nestes 14 anos de Paz. Sobre o mal que foi feito, creio que pode ser corrigido, porque as acções políticas que envolveram esses acontecimentos, foram feitas perante o povo e filhos desse mesmo povo com uma consciência política muito esclarecida tendo em linha de conta que Moçambique está a viver num contexto de África, onde certas acções políticas são repetidas”.
“Isto significa que as gerações futuras de moçambicanos devem ter razões para corrigir o que as outras gerações não fizeram bem”.
Canal: O que acha sobre o posicionamento do líder da Renamo, ao anunciar publicamente que já não está interessado em incorporar os homens da sua segurança na Policia da Republica de Moçambique?
D. Jaime: “Não queria entrar em pormenores sobre o que cada parte diz à Imprensa sobre a solução dos casos de Maringwé, Inhaminga, Beira, etc. Nós ouvimos, creio eu, nos princípios deste ano, a partir do Ministério do Interior, que o Governo estava disposto a dialogar para resolver aqueles casos. Muitos de nós ficamos satisfeitos e felizes com aquele posicionamento por ver que o diálogo estava a voltar entre as partes. É claro, até agora não sabemos se esse diálogo foi iniciado ou não. É neste diálogo, caso venha a acontecer, que as partes vão dizer o que pensam sobre o caso, e eventualmente chegarem a um entendimento para apagar de uma vez por todas os casos de Maríngwé e Inhaminga”.
Canal: O Governo tem dito que o Acordo Geral de Paz, já não é válido. A Renamo defende o contrário. O que pensa sobre este assunto?
D. Jaime: “Como documento histórico, o Acordo Geral de Paz teve o seu tempo de validade, porque foi adoptado como instrumento legal pela Assembleia da Republica para um tempo determinado. Agora temos uma nova Constituição da Republica e, como tal, não podemos adoptar o Acordo Geral de Paz como uma lei constitucional, até porque muito do que foi adoptado no AGP faz parte da actual Constituição da República. São muitos os valores mas não diria que temos dois instrumentos jurídicos. O meu parecer, ao invocar o Acordo Geral de Paz, é que os valores sociais apontados no AGP, são actuais. A invocação desses valores agora, servem para justificar a situação que estamos a construir depois da Paz, porque quando se fala da paz em Moçambique, é sempre a partir do AGP. O documento que pode convencer ambas as partes, é o acordo que assinaram. É muito difícil falar de outro documento que não seja o Acordo Geral de Paz. Há situações que para serem debatidas num ambiente pacífico temos que recorrer ao AGP. Quando olho para o dia 4 de Outubro recordo me de valores perenes para uma sociedade sã”.
Canal: O que pensa da actual situação do pais do ponto de vista social económico e político?
D. Jaime: “A igreja em geral condena a criminalidade por estar contra a pessoa humana e suas liberdades. A pobreza não é um direito que as pessoas têm. Pelo contrário, a Igreja é pelo progresso dos povos”.
“Quanto à Economia, diria que a Igreja é mestra da Economia. A Igreja ilumina a Economia com o princípio de teologia e grande humanismo. A Igreja, onde pode, coopera naquilo que pode ajudar o progresso dos povos: a ensinar os Direitos Humanos; a ajudar a educar as pessoas para trabalharem para o bem da economia. Por exemplo, a instalação da Universidade Católica de Moçambique é uma ajuda nesse sentido”.
(Edy Ndapona)
Canal de Mocambique 2006-10-11 22:06:00
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