A natureza do sistema político moçambicano está esgotada, diz o politólogo João Pereira. O país não se pode cingir a um debate partidário sobre a lei eleitoral: "Este modelo de Estado responde aos desafios atuais?"
Na opinião do politólogo João Pereira, o jogo político foi "privatizado" pelos dois maiores partidos do país, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). A par disso faltará também à sociedade civil a capacidade de mobilizar quem fica excluído do debate público.
Por outro lado, em entrevista à DW África, Pereira diz que a revisão da Constituição, como se exige agora no país, não é fundamental para aproximar os decisores políticos aos cidadãos comuns.
DW África: A FRELIMO está preparada para aceitar uma remodelação do sistema político vigente?
João Pereira (JP): Acho que se está a tentar criar a oportunidade de se fazer, pelo menos, esse debate. A partir daí o processo será muito longo. Se calhar vai-se estender por três, quatro ou cinco anos. Mas é um processo que, na perspetiva da FRELIMO, abre uma oportunidade de acomodar algumas das preocupações da RENAMO e dos outros setores da sociedade civil, criando um balão de oxigénio para aumentar o nível de confiança não só a nível do Governo mas do próprio sistema político. Porque uma reforma profunda do sistema político significa uma perda de poder e para grande parte das elites políticas da FRELIMO e, principalmente, do Governo é um pouco complicado aceitar essa partilha.
DW África: Afirmou anteriormente que não houve um projeto político realmente coletivo. Em que medida os partidos políticos e a sociedade civil foram responsáveis por esta situação?
JP: O grande problema é este: grande parte do debate desse processo é privatizado pelas duas grandes forças políticas e não é alargado à sociedade no seu todo. E, muitas das vezes, as organizações com certos poderes para influenciarem esse processo não têm uma capacidade de mobilização social muito forte para que sirvam, por exemplo, de mecanismo de pressão para essas duas forças abrirem o espaço para o debate.
DW África: E qual seria a relevância de uma revisão da Constituição num momento em que o país precisa de uma revisão do seu sistema político, conforme pensa?
JP: Quando eu falo da revisão do sistema político refiro-me mais a isto: em vez de estarmos a discutir simplesmente a questão da legislação eleitoral, também devíamos discutir se esse sistema eleitoral é válido para os desafios de Moçambique atual. Nós não discutimos, por exemplo, como queremos que os nossos representantes sejam eleitos. Queremos que eles sejam eleitos por via da lista partidária ou por via de um sistema misto, em que, por exemplo, 40% dos deputados são indicados por partidos e os restantes eleitos diretamente? No meu ponto de vista, esse seria, neste momento, um debate mais importante, porque a questão da legislação eleitoral não traz reformas profundas para a relação entre os deputados e os cidadãos.
Outro ponto está relacionado com a natureza do Estado. Será que este modelo de Estado responde aos desafios do momento? Temos de ser muito mais progressistas e criar, por exemplo, um Estado descentralizado mais eficiente e, por outro lado, com maiores poderes a nível das regiões, das províncias ou mesmo dos distritos. Eu sempre me questiono (e outras organizações da sociedade) porque é que o processo da descentralização ou da municipalização é um processo gradual? Porque é que a uma parte da população é rejeitada a oportunidade de eleger, por exemplo, os seus administradores regionais? Se calhar chegou o momento de discutir estas questões de uma forma aberta, sem paixões partidárias, e encontrar uma solução para termos um sistema político que responda aos desafios atuais de Moçambique.
Fonte: Deutsche Welle – 04.12.2015
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