domingo, dezembro 05, 2010

Conveniências

A talhe de foice

Por Machado da Graça

A semana passada falei aqui da questão do registo dos cartões dos telefones celulares e, principalmente, dos prazos absurdos que têm vindo a ser dados para que se complete o tal registo.
Para a minha crónica utilizei, em grande parte, as informações dadas por Benjamim Fernandes, administrador da mCel, no programa Jornal da Manhã, da Rádio Moçambique, ao ser entrevistado por Emílio Manhique.
Poucos dias depois fico estarrecido ao saber que o dito administrador foi demitido dessas funções, exactamente no mesmo dia da entrevista, numa reunião extraordinária do Conselho de Administração, “por conveniência de serviço” .
Felizmente não me chegou nenhuma notícia semelhante sobre a representante da Vodacom que foi ao mesmo programa dizer praticamente o mesmo. Só que talvez lá as conveniências sejam diferentes...
Mas o que é que terá levado a que Benjamim Fernandes tenha sido demitido?
Não é fácil descobrir, se raciocinarmos meramente em termos empresariais. Na minha interpretação, tudo o que ele disse na entrevista defendia claramente os interesses da mCel:
. Que os prazos dados eram irrealistas. Que nos primeiros dois meses de registo apenas tinham registado 100 mil assinantes de um universo de 4 milhões, não sendo possível, em mais dois meses, registar os restantes 3 900 000 que faltam;
. Que, nesta actividade, a empresa tinha gasto já cerca de 1 milhão de dólares americanos, despesa esta não prevista nos orçamentos internos;
. Que a mCel apenas estava a fazer o registo nas zonas urbanas por não ter capacidade para mandar brigadas móveis para as zonas rurais.
Ora estas afirmações parecem mostrar um administrador preocupado com os interesses da empresa que dirige, desde os problemas financeiros que a inesperada exigência levantou até à óbvia impossibilidade de cumprir com prazos absurdamente irrealistas.
Portanto, se Benjamim Fernandes defendeu a empresa de que era administrador porque é que esta, de forma ingrata, o demitiu?
Quem foi a pessoa, ou a entidade, que sentiu os seus interesses afectados pelas declarações de Fernandes e teve poder para impor à mCel a demissão do seu administrador?
Deixo isso à imaginação do leitor, mas o certo é que não estou a ver o Dr. Teodato Hunguana a ter tomado esta iniciativa. Como diz o poeta, outros valores mais alto se terão alevantado.
E se, em termos empresariais, tudo isto parece bastante bizarro, em termos de direito à informação e de direito de expressão do pensamento as coisas são muito mais preocupantes.
Um cidadão exprimiu, publicamente, o seu pensamento. Tudo me leva a acreditar que não proferiu mentiras e não insultou nada nem ninguém e, apesar disso, perdeu o seu trabalho. Subitamente.
Não sou jurista e não me pronuncio em termos legais, mas que isto me parece merecer a atenção de gente mais habilitada do que eu, parece.
O mesmo digo a respeito das afirmações do Centro de Integridade Pública, segundo o qual este registo obrigatório dos cartões é ilegal e, mesmo, inconstitucional. Será que ninguém pode consultar o Conselho Constitucional a respeito?
Isto para se evitar que os mesmos que tanto se gabam de vivermos em democracia possam continuar a atropelar a tal democracia sempre que isso lhes dá jeito.

Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo - 03.12.2010

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