Linha D'água
Por Luís Loforte
Vão começar as tomadas de posse dos anunciados vencedores das autárquicas – 2008. Espero bem que se não lembrem de promover festanças por isso, uma vez que parece ter pegado moda comer, comer em tudo que é oportunidade. Mas não é das posses que pretendo falar. Sirvo-me delas apenas para enquadrar algo que me atravessou a garganta por aqueles fervilhantes dias de campanha eleitoral, quando 43 candidatos a presidente se desdobravam em comícios para convencerem as populações a confiarem-lhes os seus destinos.
Uma louvável iniciativa teve a rádio pública ao convidar (todos) os candidatos a exporem as suas principais ideias sobre aquilo a que se propunham desenvolver.
Nota dominante naquelas janelas de antena é que raros foram os candidatos que nos faziam acreditar que falavam algo que fosse do seu perfeito domínio, percebendo-se, com facilidade, que não estavam por dentro dos aspectos referenciados nos programas partidários, que estavam a ler, muitas vezes mal, ou simplesmente memorizavam passagens de programas para cuja elaboração não foram sequer tidos ou achados.
Exactamente no mesmo figurino daqueles deputados-papagaio na Assembleia da República que se levantam para soletrarem textos feitos por um qualquer gabinete coordenador partidário, fazendo-nos concluir que os nossos representantes são-no apenas no papel, e não resultado de uma selecção entre os mais capazes.
Não sendo possível debruçar-me sobre todos aqueles a que tive oportunidade de escutar, vou apenas socorrer-me do programa radiofónico que mais me feriu a sensibilidade, justamente aquele em que foi convidado o candidato (que acabou vencendo o pleito) a edil da cidade da minha vida, para os curiosos, capital de uma província nortenha, ribeirinha do Índico e exibindo uma baía de nos cortar a respiração.
Depois de o jovem nos repetir a ladainha do costume, designadamente o combate à pobreza absoluta, a luta para resgatar a auto-estima, veio o pivot do programa interactivo da rádio pública perguntar ao jovem candidato qual fora o último livro a ler. Resposta pronta e sem rebuços do agora presidente do município: “último boletim da AWEPA”; último filme: “videoclip de um músico de Nampula”; a figura mundial que mais admira: “o meu professor de...”.
Numa qualquer passagem da entrevista, o jovem edil teve a oportunidade de nos dizer, num português deficiente, como aliás em toda a entrevista, que interrompera os estudos no terceiro ano do curso de Direito da Universidade Católica.
As questões que coloco a seguir, e muitas ficam por formular, são a expressão da dor que sinto, que qualquer moçambicano orgulhoso de o ser sente, por um partido nos propor um dirigente com um défice tão primário de cultura geral, mais de trinta anos depois da Independência: como é que alguém, que diz que atingiu o terceiro ano universitário, não é capaz de se expressar com lucidez, com lógica, com desenvoltura? Como é que alguém, que frequentou a universidade, que se candidata a dirigir um município de uma capital provincial, e como o demonstram as respostas que deu ao jornalista, nunca viu um filme, ou leu um livro, ou não conhece uma figura importante do nosso mundo?
Certo, certo é que estava ali um jovem a demonstrar-nos que não se candidatava para fazer coisa alguma, mas simplesmente para servir interesses mesquinhos deste ou daquele político de nível superior do seu partido, para os quais só o inepto serve, e nunca alguém com cultura, alguém a quem se possa tomar como referência cultural e intelectual para o povo.
Pergunto-me ainda: faz parte da estratégia da FRELIMO nivelar por baixo a sociedade moçambicana?
E a preocupação, traduzida nesta pergunta, tem sentido porque, como todos sabemos, a direcção dos municípios costuma, em todo o mundo, ser um patamar importante para cargos mais altos da nação. Quantos presidentes de câmara, pelo mundo fora, não chegaram a presidentes da República?
PS: Ouvi há dias o meu amigo Manuel Tomé apelando à RENAMO para assumir uma postura de Estado. É realmente incompreensível e de uma tremenda irresponsabilidade o que Dhlakama anda a fazer e a dizer.
Quero de igual forma apelar à FRELIMO para uma postura de Estado na cidade da Beira, abandonando as alianças sem sentido e irresponsáveis com a RENAMO na sabotagem à governação autárquica do Eng. Daviz Simango. Este foi eleito pelo povo da Beira e este não tem que ser punido pela sede de vingança que persegue algumas formações políticas, em alguns casos desde a luta de libertação. A vingança é um sentimento baixo e não é digno de pessoas civilizadas, como suponho que são os nossos responsáveis políticos.
CORREIO DA MANHÃ – 28.01.2009
Retirado daqui
Por Luís Loforte
Vão começar as tomadas de posse dos anunciados vencedores das autárquicas – 2008. Espero bem que se não lembrem de promover festanças por isso, uma vez que parece ter pegado moda comer, comer em tudo que é oportunidade. Mas não é das posses que pretendo falar. Sirvo-me delas apenas para enquadrar algo que me atravessou a garganta por aqueles fervilhantes dias de campanha eleitoral, quando 43 candidatos a presidente se desdobravam em comícios para convencerem as populações a confiarem-lhes os seus destinos.
Uma louvável iniciativa teve a rádio pública ao convidar (todos) os candidatos a exporem as suas principais ideias sobre aquilo a que se propunham desenvolver.
Nota dominante naquelas janelas de antena é que raros foram os candidatos que nos faziam acreditar que falavam algo que fosse do seu perfeito domínio, percebendo-se, com facilidade, que não estavam por dentro dos aspectos referenciados nos programas partidários, que estavam a ler, muitas vezes mal, ou simplesmente memorizavam passagens de programas para cuja elaboração não foram sequer tidos ou achados.
Exactamente no mesmo figurino daqueles deputados-papagaio na Assembleia da República que se levantam para soletrarem textos feitos por um qualquer gabinete coordenador partidário, fazendo-nos concluir que os nossos representantes são-no apenas no papel, e não resultado de uma selecção entre os mais capazes.
Não sendo possível debruçar-me sobre todos aqueles a que tive oportunidade de escutar, vou apenas socorrer-me do programa radiofónico que mais me feriu a sensibilidade, justamente aquele em que foi convidado o candidato (que acabou vencendo o pleito) a edil da cidade da minha vida, para os curiosos, capital de uma província nortenha, ribeirinha do Índico e exibindo uma baía de nos cortar a respiração.
Depois de o jovem nos repetir a ladainha do costume, designadamente o combate à pobreza absoluta, a luta para resgatar a auto-estima, veio o pivot do programa interactivo da rádio pública perguntar ao jovem candidato qual fora o último livro a ler. Resposta pronta e sem rebuços do agora presidente do município: “último boletim da AWEPA”; último filme: “videoclip de um músico de Nampula”; a figura mundial que mais admira: “o meu professor de...”.
Numa qualquer passagem da entrevista, o jovem edil teve a oportunidade de nos dizer, num português deficiente, como aliás em toda a entrevista, que interrompera os estudos no terceiro ano do curso de Direito da Universidade Católica.
As questões que coloco a seguir, e muitas ficam por formular, são a expressão da dor que sinto, que qualquer moçambicano orgulhoso de o ser sente, por um partido nos propor um dirigente com um défice tão primário de cultura geral, mais de trinta anos depois da Independência: como é que alguém, que diz que atingiu o terceiro ano universitário, não é capaz de se expressar com lucidez, com lógica, com desenvoltura? Como é que alguém, que frequentou a universidade, que se candidata a dirigir um município de uma capital provincial, e como o demonstram as respostas que deu ao jornalista, nunca viu um filme, ou leu um livro, ou não conhece uma figura importante do nosso mundo?
Certo, certo é que estava ali um jovem a demonstrar-nos que não se candidatava para fazer coisa alguma, mas simplesmente para servir interesses mesquinhos deste ou daquele político de nível superior do seu partido, para os quais só o inepto serve, e nunca alguém com cultura, alguém a quem se possa tomar como referência cultural e intelectual para o povo.
Pergunto-me ainda: faz parte da estratégia da FRELIMO nivelar por baixo a sociedade moçambicana?
E a preocupação, traduzida nesta pergunta, tem sentido porque, como todos sabemos, a direcção dos municípios costuma, em todo o mundo, ser um patamar importante para cargos mais altos da nação. Quantos presidentes de câmara, pelo mundo fora, não chegaram a presidentes da República?
PS: Ouvi há dias o meu amigo Manuel Tomé apelando à RENAMO para assumir uma postura de Estado. É realmente incompreensível e de uma tremenda irresponsabilidade o que Dhlakama anda a fazer e a dizer.
Quero de igual forma apelar à FRELIMO para uma postura de Estado na cidade da Beira, abandonando as alianças sem sentido e irresponsáveis com a RENAMO na sabotagem à governação autárquica do Eng. Daviz Simango. Este foi eleito pelo povo da Beira e este não tem que ser punido pela sede de vingança que persegue algumas formações políticas, em alguns casos desde a luta de libertação. A vingança é um sentimento baixo e não é digno de pessoas civilizadas, como suponho que são os nossos responsáveis políticos.
CORREIO DA MANHÃ – 28.01.2009
Retirado daqui
Sem comentários:
Enviar um comentário