Linha d'água:
Por Luís Loforte
Pemba comemorou cinquenta anos de existência como cidade, e mais uma vez me recordei de quanto ela me tornou homem e me ensinou a amar coisas boas. Valeu um irmão, o Edmundo Galiza Matos, que me fez percorrer o tempo (que ambos, aliás, percorremos) através de reportagens que ele, e só ele, as sabe urdir.
Por Luís Loforte
Pemba comemorou cinquenta anos de existência como cidade, e mais uma vez me recordei de quanto ela me tornou homem e me ensinou a amar coisas boas. Valeu um irmão, o Edmundo Galiza Matos, que me fez percorrer o tempo (que ambos, aliás, percorremos) através de reportagens que ele, e só ele, as sabe urdir.
Há alguns anos, e aproveito aqui para enaltecer o papel preponderante da falecida deputada pela Frelimo Judite Macôo no manter viva a memória das coisas boas de Pemba, as pessoas comemoravam a cidade sem amarras políticas.
Juntávamo-nos para dançar, rememorar tardes dançantes marcantes da nossa juventude, entoar cantigas que nos marcaram o tempo, contar as histórias de professores apanhados nas tramas normais de estudantes, recordar amores desencontrados e encontros idílicos imemoráveis. Reuníamos gerações diversas para ligar o tempo e as memórias, ouvíamos mensagens de pembenses na diáspora (forçada ou não), mas sempre unidos pelo amor eterno à cidade.
Os verdadeiros pembenses despiam as fardas e as divisas militares, desembaraçavam-se dos cargos ministeriais e dispensavam os sempre incómodos protocolos e seguranças, despiam-se das saturantes mordomias e salamaleques, e percorriam o tempo em sentido inverso para rememorarem o seu percurso de vida.
Tínhamos começado a sublimar as diferenças políticas, e sobretudo as feridas que a política impôs a muitos que, muito timidamente, vêm regressando à terra que os viu nascer. O mesmo não posso seguramente dizer em relação ao que todos assistimos nos dias que correm.
Num país onde há eleições sempre à espreita, os políticos querem controlar tudo, até as emoções, fazendo-se naturais e amigos por terras e gentes que pouco conhecem, que nada lhes dizem, mas apenas porque têm interesses políticos eleitorais no horizonte. São chefes nas estruturas máximas dos seus partidos, no parlamento, nos quartéis, nos ministérios, em todo o lado, e, agora, nos “amigos e simpatizantes”. E não digam que apenas me refiro “amigos e simpatizantes” de Pemba.
Os de Mandlakazi, há dias, no matutino “notícias”, chegaram ao descaramento de convidar os associados para um encontro com “a nossa candidata”, ou seja, a candidata pela Frelimo à direcção do município daquela vila. Mas há coisas ainda mais engraçadas nesta coisa de “amigos e simpatizantes”.
Contaram-me que há semanas houve um jantar de “amigos e simpatizantes” de qualquer coisa, repasto que contou com a presença de um alto responsável político nacional. Claro que a festança se destinava, como agora sói dizer-se, e apenas por uma questão de eufemismo de linguagem, a angariar fundos para apoio a um qualquer candidato de uma qualquer edilidade.
Os preços do ingresso variavam consoante a maior ou menor proximidade da mesa de honra. As mesas mais afastadas, que não permitem enxergar o chefe, ou por ele ser enxergado, custavam mil meticais. A mais próxima, paredes meias com a do máximo presente, custava a módica quantia de... dez mil!
Portanto, não é a identidade com a terra que leva as pessoas a conviverem, a recordarem o passado, a mobilizarem vontades para o seu torrão. É o dinheiro, é a necessidade de estar próximo de quem decide, de quem pode, eventualmente, viabilizar um negócio, um privilégio.
E assim os políticos moçambicanos vão afastando e matando os “amigos e simpatizantes” das nossas terras! E assim trazendo-me à memória algo que me parece similar: a revolta de Martinho Lutero contra a Igreja Católica, da qual era fiel seguidor. Aliás, monge.
Com efeito, no século XVI, a Igreja Católica resolveu prometer o paraíso e a eternidade mediante o pagamento da chamada indulgência. Portanto, os pecadores recebiam na terra uma penitência antecipada, desde que abrissem os cordões à bolsa.
Em Moçambique, podemos estar a assistir a uma situação em todo idêntica àquela que conduziu ao mais importante cisma da Igreja Católica Apostólica Romana de todos os tempos. E não custa muito estabelecer esse paralelismo, bastando para isso estar-se atento às imagens das televisões.
A sensação que me assalta, quando assisto àquelas pungentes imagens, é de que muitos daqueles que logram a proximidade aos chefes se assemelham aos pagadores de indulgências pelos pecados que todos conhecemos.
Pergunto-me se ninguém aparece para reformar a nossa política, repondo a ética e a moralidade?
CORREIO DA MANHÃ - 03.11.2008
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