Por Noé Nhantumbo
Quando o ataque vem da esquerda... Quénia, Zimbabwe...
Beira (Canal de Moçambique) – Convenhamos que quando se impede em termos práticos que o veredicto popular expresso através das urnas não se realize estamos em presença da figura de golpe de Estado.
Em África desenvolveu-se de há uns tempos a esta parte a pratica efectiva de golpes nas suas variadas nuances.
Aceites quase sempre porque convenientes a alguém, os golpes que antes tinham uma característica eminentemente militar hoje mudaram de feição e incorporam elementos novos e um refinamento que causa ate admiração e inveja a muitos cientistas políticos.
A sua aceitação e na maioria dos casos fomentada pela chamada esquerda africana apoiada por interesses corporativos internacionais.
As chancelarias fecham em geral os olhos ou era isso que acontecia na maioria dos casos. Era como que dizer que o aceite pela irmandade socialista ou de esquerda africana órfã recente dos patrões de Moscovo devia ser aceite por todos.
Não deve continente que tenha tido mais golpes de Estado que África nas ultimas três décadas.
Tomar o poder pela forca das armas era sintomático em África.
Com o advento dos ventos democratas houve uma tentativa de refinamento e legislação que implicava o não reconhecimento de regimes saídos de golpes de Estado.
Na prática, quase que nunca isso aconteceu.
Os golpistas acabaram sendo aceites no seio da família africana. Até porque muitos dos legisladores haviam chegado pela mesma via ao poder.
O carácter novo que importa colocar em debate é a legitimidade de regimes que usando artifícios eleitorais chegaram ao poder efectivamente pela manipulação e fraude eleitoral. Apoiados na máquina governamental que dominam, temos visto regimes que se negam a abandonar o poder mesmo quando derrotados nos pleitos eleitorais.
Todos os arranjos aparentemente destinados a salvar a estabilidade política de países em que as eleições redundaram em violência pela não aceitação do veredicto popular, não são mais do um golpe de Estado.
Assiste-se na África dos dias democráticos, ao desenvolvimento de técnicas refinadas de manutenção do poder.
Os acontecimentos recentes no Quénia, o golpe esquecido da República do Congo, as acusações de fraude não aceites pelos órgãos eleitorais um pouco por toda a Africa, o regime de Kinshasa, especialmente na Africa Austral, a recente situação eleitoral zimbabweana não passam mais do que manifestações golpistas com outros nomes.
Toda a diplomacia silenciosa praticada pela maioria dos países da SADC em relação ao regime de Harare não é mais do que apoio tácito a um golpe de Estado efectivo que está sendo gerido de modo calculado. O povo já se pronunciou e não são meras diferenças estatísticas na contagem dos votos que estão em causa na maioria dos casos.
São organismos eleitorais concebidos, controlados e geridos pelos regimes no poder que não deixam que o direito a voto exercido pelos cidadãos se torne conhecido na integra e que a vontade popular sobressaia.
Porque as tácticas do passado já não são mais aceitáveis aos olhos da opinião pública, usam-se até os exércitos de governos aliados para se chegar ao poder e mantê-lo.
Toda a legislação africana e internacional não prevê a aceitação de regimes saídos de golpes. Mas o que será que é a situação no Zimbabwe senão um golpe efectivo de Estado. Quando os militares que se deveriam limitar a estar nas casernas e defender a Constituição e soberania nacional se imiscuem nas lides politicas e fazem pronunciamentos públicos contra a possibilidade de a oposição tomar o poder, quando os mesmos militares participam activamente na repressão aos cidadãos nacionais que supostamente tenham votado contra o regime no poder, só poderemos falar de golpe em execução.
Numa situação clara de violação dos mais elementares direitos humanos, políticos de concidadãos vemos governos de países vizinhos calados e aceitando que tal aconteça.
Já vimos antes exércitos de países vizinhos intervindo no Congo Brazzaville, na RDC, em Moçambique, em Angola. Em nome de uma suposta solidariedade, governos amigos foram mantidos ou colocados no poder.
Porque a estratégia do golpe nos antigos moldes se tornou demasiado grosseira e indigesta hoje, prefere-se contratar a custa do erário publico especialistas de Lisboa, Rio de Janeiro ou Londres para delinearem como de deve proceder para a manutenção do poder. Quando as alternativas oferecidas pelos consultores são vencidas recorre-se ao congelamento dos resultados, enquanto se cozinham resultados favoráveis pela via da informática, intimidação, eliminação dos opositores. Qualquer meio serve desde que o poder continue em determinadas mãos.
Já vimos casos como no Sudão, que após a aceitação de uma convivência pacífica entre beligerantes, já em gozo de paz, o antigo opositor desapareceu em desastre aeronáutico. Naquela região parece que a eliminado no ar dos opositores é o recurso preferido. No Zimbabwe prende-se em terra, a luz do dia, bate-se, tortura-se e se possível se elimina biologicamente.
Esta situação concreta e indesmentível não pode nem é propícia para que qualquer desenvolvimento económico aconteça.
Esta instabilidade e violação grosseira da vontade dos cidadãos constituem os factores que inviabilizam tanto a SADC como os seus objectivos.
A irmandade de esquerda da região não está interessada que a democracia seja o modelo político em vigor na região. Quem o prova é o que ela faz. Ainda raciocina como nos tempos da Linha da Frente. Compreendemos que os camaradas se revelam nos momentos de aflição. São estes factos reais que não permitem que alguns líderes da região se manifestem. Estão presos a favores prestados no passado e que continuam por saldar.
Mas sejamos honestos e práticos, a produção de regimes ilegais, reconhecidos a posteriori por conveniência de uma pretensa estabilidade e de interesses reais de determinados países não resolve os problemas da região. Agora já está claro que na SADC estão abertas brechas no entendimento entre alguns governos. O que eram os sonhos de integração está condenado a ir para o dreno. O que resultará é a continuação da fraqueza enquanto interlocutores a altura de apresentarem uma posicao forte no fórum internacional. Cada um continuará a puxar pela brasa para a sua sardinha como diz o ditado.
Estamos perante toda uma mascarada de democracia em que os partidos políticos normalmente residentes dos palácios presidenciais não estão interessados que as coisas mudem.
Enquanto que o resto do mundo, nomeadamente as potências doadoras, estão preocupadas em assuntos de ordem ecológica, energética, visto terem garantido através da Organização Mundial do Comércio, do Banco Mundial e FMI a manutenção do status económico-financeiro no mundo, os africanos estão perdendo precioso tempo digladiando-se por um poder efémero de consumo doméstico que não mais significa do que contas bancárias chorudas, mansões e viaturas de luxo. Isso sempre que não demasiado escandaloso se lhe é permitido. Quando já não dá declaram-se sanções ineficazes.
A perspectiva de empoderamento real, de dignificação dos seus cidadãos, do fim do sistema de pedintes e de caridade internacional como meio de subsistência não conta para os políticos medíocres que infelizmente temos como governantes.
Texto retirado na íntegra do Canal de Mocambique onde foi publicado em 2008-06-16 06:11:00
Nota do Reflectindo: Lembrem-se da série que estou ainda escrevendo aqui com o título: Quatro ou cinco homens, a mesma história e trato de golpes pós-eleicões.
Quando o ataque vem da esquerda... Quénia, Zimbabwe...
Beira (Canal de Moçambique) – Convenhamos que quando se impede em termos práticos que o veredicto popular expresso através das urnas não se realize estamos em presença da figura de golpe de Estado.
Em África desenvolveu-se de há uns tempos a esta parte a pratica efectiva de golpes nas suas variadas nuances.
Aceites quase sempre porque convenientes a alguém, os golpes que antes tinham uma característica eminentemente militar hoje mudaram de feição e incorporam elementos novos e um refinamento que causa ate admiração e inveja a muitos cientistas políticos.
A sua aceitação e na maioria dos casos fomentada pela chamada esquerda africana apoiada por interesses corporativos internacionais.
As chancelarias fecham em geral os olhos ou era isso que acontecia na maioria dos casos. Era como que dizer que o aceite pela irmandade socialista ou de esquerda africana órfã recente dos patrões de Moscovo devia ser aceite por todos.
Não deve continente que tenha tido mais golpes de Estado que África nas ultimas três décadas.
Tomar o poder pela forca das armas era sintomático em África.
Com o advento dos ventos democratas houve uma tentativa de refinamento e legislação que implicava o não reconhecimento de regimes saídos de golpes de Estado.
Na prática, quase que nunca isso aconteceu.
Os golpistas acabaram sendo aceites no seio da família africana. Até porque muitos dos legisladores haviam chegado pela mesma via ao poder.
O carácter novo que importa colocar em debate é a legitimidade de regimes que usando artifícios eleitorais chegaram ao poder efectivamente pela manipulação e fraude eleitoral. Apoiados na máquina governamental que dominam, temos visto regimes que se negam a abandonar o poder mesmo quando derrotados nos pleitos eleitorais.
Todos os arranjos aparentemente destinados a salvar a estabilidade política de países em que as eleições redundaram em violência pela não aceitação do veredicto popular, não são mais do um golpe de Estado.
Assiste-se na África dos dias democráticos, ao desenvolvimento de técnicas refinadas de manutenção do poder.
Os acontecimentos recentes no Quénia, o golpe esquecido da República do Congo, as acusações de fraude não aceites pelos órgãos eleitorais um pouco por toda a Africa, o regime de Kinshasa, especialmente na Africa Austral, a recente situação eleitoral zimbabweana não passam mais do que manifestações golpistas com outros nomes.
Toda a diplomacia silenciosa praticada pela maioria dos países da SADC em relação ao regime de Harare não é mais do que apoio tácito a um golpe de Estado efectivo que está sendo gerido de modo calculado. O povo já se pronunciou e não são meras diferenças estatísticas na contagem dos votos que estão em causa na maioria dos casos.
São organismos eleitorais concebidos, controlados e geridos pelos regimes no poder que não deixam que o direito a voto exercido pelos cidadãos se torne conhecido na integra e que a vontade popular sobressaia.
Porque as tácticas do passado já não são mais aceitáveis aos olhos da opinião pública, usam-se até os exércitos de governos aliados para se chegar ao poder e mantê-lo.
Toda a legislação africana e internacional não prevê a aceitação de regimes saídos de golpes. Mas o que será que é a situação no Zimbabwe senão um golpe efectivo de Estado. Quando os militares que se deveriam limitar a estar nas casernas e defender a Constituição e soberania nacional se imiscuem nas lides politicas e fazem pronunciamentos públicos contra a possibilidade de a oposição tomar o poder, quando os mesmos militares participam activamente na repressão aos cidadãos nacionais que supostamente tenham votado contra o regime no poder, só poderemos falar de golpe em execução.
Numa situação clara de violação dos mais elementares direitos humanos, políticos de concidadãos vemos governos de países vizinhos calados e aceitando que tal aconteça.
Já vimos antes exércitos de países vizinhos intervindo no Congo Brazzaville, na RDC, em Moçambique, em Angola. Em nome de uma suposta solidariedade, governos amigos foram mantidos ou colocados no poder.
Porque a estratégia do golpe nos antigos moldes se tornou demasiado grosseira e indigesta hoje, prefere-se contratar a custa do erário publico especialistas de Lisboa, Rio de Janeiro ou Londres para delinearem como de deve proceder para a manutenção do poder. Quando as alternativas oferecidas pelos consultores são vencidas recorre-se ao congelamento dos resultados, enquanto se cozinham resultados favoráveis pela via da informática, intimidação, eliminação dos opositores. Qualquer meio serve desde que o poder continue em determinadas mãos.
Já vimos casos como no Sudão, que após a aceitação de uma convivência pacífica entre beligerantes, já em gozo de paz, o antigo opositor desapareceu em desastre aeronáutico. Naquela região parece que a eliminado no ar dos opositores é o recurso preferido. No Zimbabwe prende-se em terra, a luz do dia, bate-se, tortura-se e se possível se elimina biologicamente.
Esta situação concreta e indesmentível não pode nem é propícia para que qualquer desenvolvimento económico aconteça.
Esta instabilidade e violação grosseira da vontade dos cidadãos constituem os factores que inviabilizam tanto a SADC como os seus objectivos.
A irmandade de esquerda da região não está interessada que a democracia seja o modelo político em vigor na região. Quem o prova é o que ela faz. Ainda raciocina como nos tempos da Linha da Frente. Compreendemos que os camaradas se revelam nos momentos de aflição. São estes factos reais que não permitem que alguns líderes da região se manifestem. Estão presos a favores prestados no passado e que continuam por saldar.
Mas sejamos honestos e práticos, a produção de regimes ilegais, reconhecidos a posteriori por conveniência de uma pretensa estabilidade e de interesses reais de determinados países não resolve os problemas da região. Agora já está claro que na SADC estão abertas brechas no entendimento entre alguns governos. O que eram os sonhos de integração está condenado a ir para o dreno. O que resultará é a continuação da fraqueza enquanto interlocutores a altura de apresentarem uma posicao forte no fórum internacional. Cada um continuará a puxar pela brasa para a sua sardinha como diz o ditado.
Estamos perante toda uma mascarada de democracia em que os partidos políticos normalmente residentes dos palácios presidenciais não estão interessados que as coisas mudem.
Enquanto que o resto do mundo, nomeadamente as potências doadoras, estão preocupadas em assuntos de ordem ecológica, energética, visto terem garantido através da Organização Mundial do Comércio, do Banco Mundial e FMI a manutenção do status económico-financeiro no mundo, os africanos estão perdendo precioso tempo digladiando-se por um poder efémero de consumo doméstico que não mais significa do que contas bancárias chorudas, mansões e viaturas de luxo. Isso sempre que não demasiado escandaloso se lhe é permitido. Quando já não dá declaram-se sanções ineficazes.
A perspectiva de empoderamento real, de dignificação dos seus cidadãos, do fim do sistema de pedintes e de caridade internacional como meio de subsistência não conta para os políticos medíocres que infelizmente temos como governantes.
Texto retirado na íntegra do Canal de Mocambique onde foi publicado em 2008-06-16 06:11:00
Nota do Reflectindo: Lembrem-se da série que estou ainda escrevendo aqui com o título: Quatro ou cinco homens, a mesma história e trato de golpes pós-eleicões.
4 comentários:
Este assunto é de extrema importancia,o que se passou no Quénia e se vai passando no Zimbabwe pode ser descrito como golpes de Estado. Os líderes africanos estão dispostos a inquinar os processos eleitorais para se perpetuarem no poder. Por quanto tempo o mundo vai ficar calado? Isto é uma verdadeira afronta à democracia!
Sem dúvidas, é bom que agora temos pessoas que analisam as coisas com uma severidade como Noé Nhantumbo. Gosto das suas análises. Elas são muito concretas.
Pois pois, a diplomacia não só é silenciosa e conivente como também começa a preparar a sua própria cama.
Isto é um circulo vicioso que não acaba tão já enquanto os desejos de estar no poder não tiver cabelos e barba branca.
Claro, Ximbitane. Hoje mesmo foi reportado que uma delegacão do alto nível da Zanu-PF esteve em Maputo com Armando Guebuza e a informar que realizar a segunda volta de eleicões no Zimbabwe é uma perca de tempo, porque Mugabe será coroado a rei da Mugabelândia.
Os diplomatas silenciosos sabem o que estão a fazer.
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