domingo, setembro 23, 2007

A Procuradoria-Geral da República e a Constituicão

Muitas vezes registo neste blogue artigos de opinião de João Baptista André Castande, porque costumo vê-los como uma licão básica do Direito. Desta vez registo aqui o seu artigo que retirei do Jornal notícias

A PGR e as mazelas constitucionais

SR. DIRECTOR!

“(...) Num prisma de feitura de leis, é importante sublinhar que a sistematização da lei não surge apenas como uma questão de redacção, de bom gosto e de racionalidade na arrumação das matérias, tendo em vista a facilidade da sua localização. A sistematização tem sobretudo a ver com questões científicas que estão hoje na ordem do dia. Conhecendo-as, o legislador dispõe de mais um instrumento para dar corpo à elaboração jurídica que lhe compete, dignificando e enriquecendo a cultura juscientífica “ – Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, in «A sistematização da lei e problemas a considerar», pp. 149 do Livro “A Feitura das Leis, volume II”.

A decisão recentemente tomada pelo Chefe do Estado moçambicano, Armando Emílio Guebuza, em relação a sete Procuradores-Gerais Adjuntos que vinham exercendo tais funções à luz do nº 4 do artigo 176 da Constituição de Novembro de 1990, mais uma vez veio pôr a nu não só as rasteiras e/ou mazelas contidas no texto constitucional em vigor e às quais me referi frequentemente no decurso das discussões sobre as alterações da bandeira nacional e do emblema da República de Moçambique, mas também o facto de que nós, os moçambicanos, não dominamos as nossas próprias leis.

Maputo, Sábado, 22 de Setembro de 2007:: Notícias
No mesmo contexto, sinto a felicidade de notar a existência de muitos compatriotas meus, jovens e adultos, que desenvolvem um combate tenaz à apatia, ao medo e sobretudo à ignorância da lei.

Que assim seja agora e para sempre... Ámen!

Também me sinto feliz por ter a impressão de que desta vez ninguém fez uso do vocábulo “demissão” para interpretar o acto do Chefe do Estado.

Todavia, lamento que, quiçá devido à delicadeza da questão em análise, do Comunicado de Imprensa da Presidência da República conste que “o Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, ao abrigo do disposto no artigo 1, nºs. 1 e 2 da Lei nº 4/90, de 26 de Setembro, conjugado com os artigos 82, nº 2 e 84, nº 1 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado, determinou a cessação de funções que vinham sendo exercidas, em comissão de serviço, dos seguintes Procuradores-Gerais Adjuntos...”, quando a meu ver tais disposições legais nada têm que ver com a decisão tomada pelo Chefe do Estado.

Só que parece que a confusão em torno do assunto em apreço ainda vai no adro, sendo ela deveras notória, senão vejamos:

a) Enquanto alguns concidadãos acham que a decisão do Chefe do Estado foi precipitada, sugerindo que a mesma só deveria ter lugar após a entrada em funcionamento do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público;

b) Outros afirmam que a decisão é acertada, uma vez que ela insere-se na letra e no espírito da Lei n.º 22/2007, de 1 de Agosto;

c) Outros, ainda, discordam em absoluto das duas posições acima expressas, conjecturando que o que o Chefe do Estado vai fazer é tão-somente nomear, na base de confiança política, os novos Procuradores-Gerais Adjuntos.

Então, em que é que ficamos, caríssimos compatriotas?!

Salva a inconsistência das disposições legais invocadas no Comunicado de Imprensa da Presidência da República, julgo que de nada nos vale crucificar o Chefe do Estado em razão da medida tomada, pois ela, na minha modesta opinião, é a mais correcta para uma questão tão intrincada como a vertente, cuja melindre não é totalmente alcançada pela percepção de muitos de nós.

Na verdade, quer parecer-me que a partir de 20-01-2005 – data da validação das Eleições Gerais de 2004 e também da entrada em vigor do actual texto constitucional -, passamos a contar com uma Procuradoria-Geral da República sem legitimidade constitucional, isto é, legitimada apenas pela Lei n.º 6/89, de 19 de Setembro, ela também já de si caduca há bastante tempo.

E permitam-me recordar-vos aqui, caríssimos compatriotas, que igual sorte teria tido o Conselho Constitucional, não fosse a providência cautelar tomada nos termos do artigo 303 da Constituição.

Ora, uma vez que a Lei n.º 22/2007, de 1 de Agosto, revogou a supracitada Lei n.º 6/89 que, ainda que de forma deficiente, legitimava a PGR concebida pelos artigos 176 a 179 todos da também revogada Constituição de Novembro de 1990, o que é que mais restaria ao Chefe do Estado se não “escangalhá-la” para a sua posterior reorganização de modo a que a mesma, em todos os seus aspectos, obedeça aos ditames do actual figurino constitucional e da predita Lei nº 22/2007?

Na minha modesta opinião, não havia outro caminho a trilhar perante uma situação em que, ainda que por motivos óbvios, atempadamente não foram tomadas medidas legais que permitissem à extinta PGR assumir as competências estabelecidas no título décimo da Constituição da República, legitimando assim a sua existência.

Nas condições acima descritas e perante a opinião segundo a qual o Chefe do Estado deveria aguardar pela entrada em funcionamento do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, para tomar a medida que tomou, eu questiono:

- Porventura seria possível ou lógico abrir concurso para lugares ainda não vagos?

A resposta é um bem redondinho NÃO, muito embora eu julgue que a referida Lei nº 22/2007 deveria ter criado, a par do seu artigo 194, uma comissão Ad-Hoc encarregue de organizar as primeiras eleições para o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público.

E no que diz respeito à conjectura que o Chefe do Estado há-de nomear novos Procuradores-Gerais Adjuntos na base de confiança política, urge indagar:

- Sendo o Chefe do Estado o garante da Constituição, que dispositivo legal é que ele invocaria para justificar tamanha aberração?

Por conseguinte, nós, cá fora e pese embora o facto de estarmos longe do teatro das operações, estaremos muito vigilantes e sempre prontos para denunciar a mínima atitude tendo em vista levar o Chefe de todos nós a cometer barbaridades inadmissíveis em pleno terceiro milénio!!!

Repito que o caso em análise é por demais embaraçoso e só tem consciência disso quem se apercebeu que, para «livrar-se» dos então Procuradores-Gerais Adjuntos, o Chefe do Estado até teve que socorrer-se do artigo 228 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado quando, em condições normais, devia pura e simplesmente exonerá-los, no âmbito das competências constitucionalmente conferidos.

Disse, e aqui fica o meu muito obrigado pela atenção dispensada!


P.S.

1. A-propósito da capacitação dos assessores jurídicos de todos os ministérios pelo Instituto Superior da Administração Pública (ISAP) – vd. página 3 do jornal NOTÍCIAS de 18-09-07 -, os meus sinceros parabéns vão para ti, Drª. Victória Dias Diogo, digna Presidente da Autoridade Nacional da Função Pública, por teres sabido insuflar naqueles o princípio de que os seus actos devem “contribuir para a harmonização das técnicas legislativas através duma análise crítica sobre as práticas e procedimentos aplicados na elaboração de normas e pareceres”.

Bem-haja, compatriota Victória Diogo!

2. Em plena sessão da Assembleia da República, o ex-PGR, Dr. Joaquim Luís Madeira, disse ao Dr. António Frangolis que, cito de memória: “Não basta que alguém seja licenciado em Direito para ser Procurador-Geral da República (...)”.

Mais do que nunca, hoje acredito no dito do Dr. Joaquim Madeira e acrescento que, na verdade, não será apenas com licenciaturas (forçadas), nem com 10 anos de prestação disto e daquilo e muito menos com concursos de vencedores antecipados, que resolveremos os graves problemas de que enferma a administração da justiça nesta nossa Pátria Amada.

3. Nós precisamos de muita seriedade nas nossas acções diárias. Menos politiquice!!!

João Baptista André Castande

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