Depois dos apertos de mão e sorrisos entre Nyusi e Dhlakama há duas
questões fundamentais a reter.
O país desanuviou, baixou a tensão. Aconteceu o que, provavelmente, já
deveria ter acontecido há vários meses.
Mas, por outro lado, há o choque do país que pensa, que foi tomado de
surpresa pelo aparente consenso sobre as “regiões autónomas”, quando psicologicamente e em surdina, o mesmo país dos pensadores estava preparado
para receber apenas a notícia da inclusão de alguns vice-ministros, PCAs de
empresas públicas, até reitores de universidade, como concessões à oposição.
Dhlakama, o animal político, foi à jugular e o país nevrálgico reagiu como
se tivesse recebido um soco no estômago. O assunto foi transferido para o
legislativo mas já vai com recomendações prévias. A descentralização é para
avançar, se possível sem mexidas na Constituição e nem recurso a referendo.
Apesar do choque, a ideia de descentralização das províncias não é
peregrina. Sobretudo depois de ter vingado no país o multipartidarismo, regado
pelo Acordo de Roma de 1992 e afirmado pelas primeiras eleições abertas aos
partidos em 1994.
Quando se avançou com o debate sobre as autarquias, houve propostas - e
elas foram escritas - para se alargar o conceito até ao nível de um distrito
integral, uma forma de “autarquia superior” de que agora fala o professor
Gilles Cistac que, por analogia, pretende alargar o conceito à própria
província.
No calor das disputas no pós-eleitoral de 1999, as tais eleições em que se
pensa que Dhlakama foi grosseiramente espoliado, pensou- -se numa solução de
compromisso com alguns governadores da Renamo, como em 1994 houve assessores
dos governadores provinciais indicados pela Renamo.
Não é sequer um tabu na Frelimo o debate sobre o governador e os governos
provinciais, que sem deixarem de pertencer a uma cadeia hierárquica do Estado
que termina no Presidente da República, deveriam estar em consonância com
resultados eleitorais, a ponto de se considerar a possibilidade de os mesmos
governadores serem eleitos. Como acontece em muitos países onde não há sequer
modelos federais. O mesmo se aplicaria ao distrito, onde o actual administrador
é um mero joguete da Frelimo, sempre pronto para fazer a vida difícil (senão
impossível) aos demais actores locais que ensaiem fugir à voz de comando
dominante e dominadora. Por essa altura, e também por influência de debates
externos sobre regiões, também esteve em cima da mesa o modelo regional – Sul,
Centro, Norte – que, sem abolir as províncias, possibilitaria outro nível de
intervenção das populações e de lideranças locais.
Nas discussões constitucionais de 90/92, pensou-se num sistema eleitoral
maioritário, tendo como base os círculos eleitorais provinciais.
Por pressão da Renamo, o sistema foi alterado para a representação proporcional,
que se mantém até hoje, mas, se tivesse vingado a primeira proposta, a Renamo
teria ganho as eleições gerais de 1994, exactamente com base nos resultados das
províncias onde foi maioritária.
O revisitar de todos estes elementos históricos mostra que o debate sobre
inclusão, descentralização e autonomia, não é estranho à nossa nomenklatura
política, nomeadamente à Frelimo e à Renamo.
A descentralização, tal como o demonstra o modelo sul- -africano, nem
sequer pressupõe modelos federais como o são o Brasil, os Estados Unidos e a
Alemanha.
Há pois que encontrar soluções que respondam ao nosso nível de democracia,
às exigências de uma maior participação local, com os devidos instrumentos de
poder, sem tabus, sem preconceitos ou dogmas. A palavra parece estar
formalmente no parlamento. Mas são precisas muitas mais iniciativas, boa-fé,
boa-vontade e espírito aberto para levar por diante um marco de viragem
estruturante na vida do país.
Mesmo que os novos apóstolos da desgraça nos tentem convencer da
impossibilidade de tal missão.
Fonte: Savana – 13.02.2015
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