Por Adelino Timóteo
No meu país, os ladrões nunca explicam os seus actos. No meu país, uma vez apanhados, os ladrões arranjam alguém que explica os seus actos e omissões, que passa por ocultar como procederam ao roubo. No meu país, aos ladrões está garantido o anonimato. O silêncio é um instrumento de culto, um manual que lhes explica como devem ficar calados até que a memória colectiva se esqueça da defraudação de que foi vítimas. No meu país, os ladrões instituíram a cultura, não de negarem o roubo, mas de se mostrarem serenos e tranquilos, depois de praticarem as suas ilicitudes, como se nada de anormal se esteja a passar, e, vai daí, que se entretêm à espera das notícias da Televisão e Rádio, que explicam que eles nada têm a ver com aquilo de que vêm sendo acusados.
No meu país, enquanto o ladrão se fecha em copas, lá surge uma pessoa supostamente idónea, formada, competente o suficiente para arrumar o assunto, aligeirando o roubo, numa linguagem que afaste exponencialmente a culpa, e logo torne uma ilicitude subjectivamente em algo desculpável.
Não é que o comum e o pacato cidadão não saiba da ilusão, da alucinação em que os explicadores do roubo os levam a embarcar. Por exemplo, o tipo comum do crime público praticado por ladrões reincide sobre o roubo de votos e de urnas. Desde 1994 até esta parte, quem é cidadão atento neste país sabe que eles se habituaram, viciaram-se, se não for no roubo, é no enchimento de urnas.
No nosso país, enquanto a vítima pede explicações do roubo, o ladrão fica na sua surdez clássica, atrás do presidente da Comissão Nacional das Eleições, atrás da toga do Presidente do Conselho Constitucional, que são remetidos a disfarçar o acontecimento, a aligeirar as acusações, a transformar o ladrão em pobre coitado e a vítima do roubo em bombo da festa. O que é replicado por uma comunicação social viciada neste tipo de procedimentos com vista a tornar os ladrões impunes e as vítimas autênticas bestas.
No meu país, passámos à fase de inversão de papéis, pois, depois de os órgãos competentes justificarem o roubo e garantirem a limpeza e a justeza eleitoral, lá estão os ladrões a largarem-se para o campo, para mostrarem a sua face sacrossanta, o seu nacionalismo imaculado, a sua hipocrisia doentia, embrulhados nos seus fatos de topo de gama. Lá vão eles a passear em seus carros sumptuosos, com roupa cheirosa e rigorosamente engomada pelos mainatos, que os aprontaram recorrendo às suas mãos escravas e, ainda assim, mais limpas do que as desses ladrões protegidos pela imunidade; lá vão, e atabalhoadamente, com todo o tipo de merenda na bagageira, água mineral importada ou devidamente trazida da capital. Lá vão disfarçar a sua inocência.
No meu país, os ladrões de votos, que têm a manchete garantida nas primeiras páginas dos jornais oficiais, conhecem, e bem, o chão, as leis e os cidadãos que eles pisoteiam com os seus discursos inflamados de ódio, pisoteiam-nos com os seus calçados de ditadura envernizados com toda a perfeição, e, quanto às mulheres que participam na mesma empreitada farsante, calçam chinelas e sapatos com tacão alto que disfarçam e escondem os discursos que lhes foram impostos desde a Nação, onde o Chefe máximo controla a actuação de cada um deles. Já vão às bases com um discurso apurado e estudado no laboratório da Nação, onde se liquefaz o roubo, transformado num bem colectivo, em favor do povo, insuflando na vítima, sempre alérgica, a “reconciliação nacional”. Os ataques não poupam alguma franja do mesmo povo hipoteticamente servil, ataques numa verborreia cínica que os transforma em melhores filhos da terra e obreiros da Pátria, qual deuses, geniais filhos da Virgem Maria.
No meu país, os coitados são sempre as vítimas, e o povo sofredor, que é instigado a cantar e a bater palmas sob o olhar cínico e ríspido das estruturas locais, sempre preparadas para denunciarem aquele que não colabora, sob a capa de infiltrado ou agente dos seus mandatários defraudados, logo vítimas e tão iguais no sofrimento. No meu país, são estas mesmas vítimas, silenciadas no seio do povo, que são o escudo e o albergue da ditadura, as mesmas que eram instrumentalizadas para responderem em uníssono, no que era posição das chefias na Nação, a sua lealdade religiosa ao “partido que une e dinamiza o povo”, repelindo hipoteticamente quaisquer intenções de “conversações com os Bandidos Armados”, enquanto morríamos directamente das suas balas assassinas.
No meu país, os ladrões violam todo o tipo de leis, acordos, para se proclamarem vencedores, e, quando descobertos, refugiam-se no dispositivo superior da Constituição, para garantirem colheitas do furto.
Como sempre, o árbitro que é a CNE não viu nada. O fiscal de linha que seria o Conselho Constitucional actua como escudo, afina pela surdez clássica para não defraudar os patrões, que gozam de todo o aparato do Estado. Aquele que deveria garantir o respeito pela lei escandalosamente violada dá guarida aos ladrões que não só roubam os votos, mas roubam do erário público, dos recursos naturais e das doações internacionais. (Adelino Timóteo)
Fonte: Canalmoz - 20.02.2015
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