Por Domingos do Rosário
INTRODUÇÃO
O dia 19 de
Novembro de 2008, data da realização das terceiras eleições municipais, marca
o regresso do status quo na governação local em Moçambique. Esta data
constitui um revés político para a Renamo que, em 2003, tinha marcado a história
política do país ao infligir uma primeira derrota eleitoral à Frelimo nos municípios da
Beira (em Sofala, no centro do país)[1]
e de Angoche, Ilha de Moçambique e Nacala Porto (municípios situados na região
costeira de Nampula, habitat de duas velhas
elites islâmico-crioulas e portuguesas, onde se desenvolveu um sentimento
identitário diferente do das elites sulistas da Frelimo, inteiramente modeladas
segundo características do colonialismo português urbano do século XX)[2]
Este artigo tem como objectivo principal mostrar que, num sistema de
partido dominante e de municípios de penúria, sem base económica e tributária,
o sucesso da governação local depende altamente da vontade do poder central. Numa
primeira parte analisaremos o processo político que conduziu à adopção da Lei 2/97
e à realização das primeiras eleições autárquicas de 1998. Mostraremos que os
resultados eleitorais obtidos pela Renamo nas eleições de 1994 jogaram um papel
determinante para a não implementação da Lei 3/94 e na adopção de uma nova lei
sobre as autarquias locais, a Lei 2/97. No município de Nacala Porto, objecto
do nosso estudo, a ausência da Renamo do processo eleitoral de 1998 culminou com
o surgimento de uma organização da sociedade civil local (OCINA) que, embora
tenha sido utilizada pela população para mostrar o seu descontentamento em
relação ao Estado-Frelimo, não conseguiu capitalizar este potencial, tendo sido
capturada pela rede clientelista instalada no município, o que não lhe permitiu
jogar um papel democratizador.
Numa segunda parte analisaremos a gestão municipal da Frelimo durante o primeiro
mandato (1998-2003), os factores que, numa eleição competitiva, explicam a
vitória da Renamo nas segundas eleições locais e as estratégias que foram depois
adoptadas pelo Estado-Frelimo para recuperar, segundo Manuel Tomé, então
Secretário-Geral do partido Frelimo, o município “que estava sob gestão ruinosa
e danosa por parte de pessoas que não têm instrumentos para fazer política” (Notícias,
13 de Fevereiro de 2009).
[1] Em Marromeu, as eleições locais de 2003 produziram uma
coabitação: a Renamo elegeu o Presidente do Conselho Municipal, João Germano,
com 50,01 % dos votos, e a Frelimo ganhou uma maioria na Assembleia Municipal,
com 50,22% dos votos.
[2] Para um estudo aprofundado da vitória da Renamo nos
municípios da região costeira da Província de Nampula, vide: D. M. do Rosário,
Les mairies des “autres”: Une analyse politique, sócio--historique et
culturelle des trajectoires locales. Les cas d’Angoche, de l’Île de Moçambique
et de Nacala Porto, Tese de Doutoramento em Ciência Política, Instituto de
Estudos Políticos de Bordeaux, Bordeaux, Abril 2009.
Ler aqui: DESCENTRALIZAÇÃO EM CONTEXTO DE PARTIDO “DOMINANTE”
1 comentário:
É pena que não estejamos a debater sobre este assunto.
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