terça-feira, novembro 16, 2010

O Paradoxo Da Lei Versus Golpes De Kung Fu

Por Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas

Em política internacional não há princípios humanísticos. O mesmo acontece nas relações entre os Estados, não há almoços grátis. Não há caridade nenhuma. A caridade não faz sequer as relações internacionais. O que não puder pagar com a moeda de troca paga com a vida das infelizes almas. E quem disser o contrário mente.
Sinto quanto é desagradável ouvir que em Moçambique há patrões que ainda batem nos seus trabalhadores.
Isto acontece com frequência nas empresas onde os patrões são chineses. Alguns desses patrões, de origem chinesa, praticam cenas de artes marciais (semelhantes golpes acrobáticos podem ser vistos e revistos com assombro nos filmes de Jackie Chan e de Jet Lee, mestres incontestáveis de kung fu, depois do lendário Bruce Lee) contra os trabalhadores Moçambicanos.

Qualquer acção injusta que vise invocar o cumprimento rigoroso dos Direitos Humanos em geral e dos Trabalhadores (segundo a Lei vigente em Moçambique) em particular, os patrões chineses, coléricos, respondem com ‘karaté’ e, nalguns casos, com expulsão “das infelizes almas reivindicadoras.”

A lei que os homens fazem quanto muito serve para os mais fortes espezinharem até à exaustão os pobres coitados.

“Que se lixe a lei”, não há igualdade nenhuma de direitos entre os ricos e os pobres nem sequer habitam, teoricamente, no mesmo mundo, para serem iguais perante a lei.

A lei do rico é o poder financeiro sobre os pobres. A lei dos pobres, mais do que a subserviência, é a servidão eterna. No fundo trata-se da mesma lei, mas com interpretações e efeitos diferentes.

Parafraseando a jurista Sónia Ramos Ferro, “tal sucede porque deixámos de reconhecer no Outro a essência da verdadeira pessoa humana, para o rotularmos de acordo com um número, uma profissão, ou uma família. Deixámos de nos sentir religados, perdemos o sentimento de pertença ao mundo e isso tornou-nos terrivelmente cruéis e blindados à desgraça humana.”
O que acontece, jurídica e judicialmente, quando um patrão chinês carregado de preconceitos, impõe a sua superioridade, a sua particularidade, de forma agressiva e estúpida, sobre os seus trabalhadores? Nada, absolutamente nada. Há quem diga que a Lei Moçambicana é segregacionista: pune os pobres e livra os ricos, prende os ‘sobreviventes de rua’ e deixa os ‘tubarões’ impunes.

De facto, começa a ficar claro que a Lei Moçambicana privilegia demasiadamente os patrões chineses em detrimento de todos os cidadãos, independentemente da origem, cor, religião, partido político, género, profissão, etc. E aos patrões, diz a letra musical de um distraído ‘músico pimba do partidão’, “é-lhes reservado o tapete vermelho para que possam passar livremente e com distinção porque, afinal de contas, patrão é patrão”!

Não basta que o Ministério do Trabalho ou que a ministra Maria Helena Taípo venha a público anunciar que o seu pelouro vai retirar vistos de trabalhos aos patrões chineses agressivos, é necessário também que estes agressores sejam responsabilizados e punidos criminalmente pelos seus actos.

O papel da Justiça Moçambicana não é de dar sonecas e só acordar nas vésperas ou depois das eleições para, o que têm sido hábito, prender indivíduos eufóricos. A Justiça Moçambicana deve ser o olho de Deus cá na terra e agir de acordo com a lei vigente no País. Uma boa justiça não aplaca em momento algum perante ilegalidade nenhuma. É das poucas coisas que não dorme porque, como costumava dizer aos alunos, a Justiça é o limite dos homens.

Às vezes fico a pensar se o respeito pelos nossos trabalhadores, enfim, pelos Moçambicanos, não terá sido sepultado ao mesmo tempo com Samora Machel. De lá para cá, com alguma intermitência na época da dinastia Chissano, o povo é tratado como se fosse um camelo de carga no Deserto do Sahara pelos tuaregues. Numa época em que se fala tanto da auto-estima, poucas vezes é acompanhado de discursos em defesa dos nossos trabalhadores.

Ministros sinecuras que pouco de maior fazem senão arrotarem pelos ares a arrogância e a petulância de dizer que os trabalhadores Moçambicanos são campeões mundiais do bom trato quando o que se vê é o contrário.

São enxovalhados na sua própria pátria, atitude que nenhum empregador moçambicano faria na China sob pena de ir parar à guilhotina.

No meu entender o que está em causa não é o combate à pobreza absoluta ou os vulgos 7 milhões de meticais. Estas são, na verdade, duas das principais liturgias que fazem o escopo dos discursos do governo de Armando Guebuza. O que mais me preocupa, ao contrário disso, é o preço que o País paga em troca das ajudas que recebe. A troco de milhares de yuan (moeda chinesa) convertidas em divisa estrangeira (em dólares americanos) compatriotas nossos, em Moçambique, são postos à prova das artes marciais pelos seus patrões chineses.

Bela diplomacia a nossa que não é capaz de defender a honra da fronteira da nossa dignidade humana. É pela mesma razão que tenho dito nas palestras com os meus sobrinhos: em política internacional não há princípios humanísticos.

O mesmo acontece nas relações entre os Estados, não há almoços grátis. Não há caridade nenhuma. A caridade não faz sequer as relações internacionais. O que não puder pagar com a moeda de troca paga com a vida das infelizes almas. E quem disser o contrário mente. É como dizia o outro, "o potro é selvagem" mas "até um dia".

Para findar esta crónica que é feita em homenagem a todos os trabalhadores Moçambicanos vítimas de agressão dos patrões chineses, do Rovuma a Maputo e do Zumbo ao Índico, nada melhor que levarmos o dedo à testa e reflectirmos sobre as sábias palavras da jurista Sónia Ferro: “

(…) a intolerância generalizada dos nossos dias tem origem também na forma como encaramos o Outro. O Outro, para a maioria das pessoas, deixou de ser “o próximo” na acepção que lhe é dada pela doutrina cristã, para assumir-se como um rival, alguém que importa aniquilar por razões de competitividade doentia. É assim que – infelizmente muitos de nós – encaramos os colegas de trabalho, os vizinhos e a comunidade em geral.”

O AUTARCA – 16.11.2010

3 comentários:

Heyden disse...

Assunto interessante para uma pesquisa cientifica. Valeria a pena tentar descobrir as causas desta atitude continua dos chineses para com os assalariados mocambicanos em terra alheia. Por um lado a china desenvolve-se por levar os seus cidadaos a trabalhar ate ao exaustao. Creio que ninguem leva porrada na china mas o trabalhador maximiza esforco ate exaustao. Para o chines o trabalho nao acaba com a hora, mas com a actividade. Nos tambem temos um pouco daquela cultura herdada do portugues, um pouco de trabalho, um pequeno intervalo para repouso, umas ferias, etc, e mais a nossa cultura de correr a trabalhar porque vimos o patrao a aproximar-se e relaxar quando ele se afasta. Pode haver aqui muito conflito de valores entre chineses e trabalhadores nacionais.

V. Dias disse...

Exactamente.

Zicomo

Anónimo disse...

Lamantável.
Culpa do Senhor Procurador Geral da República e dos senhores deputados, que não chamam atenção as autoridades próprias-Governo, sobre estes "excessos".

Fungulamasso