quinta-feira, fevereiro 10, 2011

O POVO QUE NÃO É NADA PODE SER TUDO, UMA AUTÓPSIA DAS MANIFESTAÇÕES EM MOÇAMBIQUE E NO RESTO DE ÁFRICA

CRÓNICA

Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas

O ciclo dos ditadores está a chegar ao fim.
Esta é a vantagem irreversível da História, não há ciclos eternos.
Vejam bem, meus sobrinhos, o povo até lhes deu um bocadinho de tolerância para encher a pança e alimentar a vaidade exacerbada que reina no seio daqueles ‘seres ruminantes’, ainda assim, insaciáveis, não querem largar o poder. Basta! Os tempos que correm mostram que, os ditadores que não quiserem largar o trono – de livre e espontânea vontade - e curtir a velhice com as muletas que ainda lhes permitem locomover, terão a mesma «sorte» que teve Nino Vieira (da Guiné-Bissau), Ben Ali (da Tunísia), e, actualmente, Hosni Mubarak (do Egípto). Serão corridos dos respectivos países como se fossem cachorros tinhosos. Extracto da palestra com os meus sobrinhos.A novela das manifestações populares, contra os governos oportunistas, já rola no relvado da história. A cada dia que passa surgem novos capítulos emocionantes. Cada capítulo carrega consigo peripécias históricas que põem a nu a teoria de que os Estados são propriedades ilimitadas dos “auto-proclamados libertadores das pátrias”. Até as forças das marés têm horas próprias que se rendem às vicissitudes do tempo. Em matéria do poder, não há matusaléns, partidos políticos nem adamastores de eleições que não conheçam o sabor amargo da derrota. Os discursos pesarosos, próprios de quem tem culpas no cartório, não servirão de desculpas para amainar a fúria popular. E quando tal acontece, ‘malume’, a melhor coisa a fazer é o que o ditador Ben Ali fez: ‘bazzar’, antes que fosse ‘linchado’ pelo próprio povo.
Como é que um Chefe de Estado de um país pode considerar-se democrata e fiscal da democracia quando na verdade torce para que o seu mandato acabe até não mais a bengala apoiante aguentar-se com o peso da sua velhice? Até a bengala não quebrar-se de cansaço, os ditadores permanecem impunes e ferozes nos seus reinados.
Quando sentem que os seus reinados estão em soluços, criam malabarismos na lei para perpetuarem aquilo que considero ser a nova monarquia familiar, construída com base nos padrões do «Mafia-State». Quão camaleões ideológicos, que quando chegam ao poleiro, esquecem-se dos discursos sociais e filantrópicos de apoio ao povo e estabelecem um novo manifesto que só eles entendem o significado: “cabrito come onde está amarrado”. Duas manifestações populares, em 2008 e 2011, deram cartão vermelho a este governo pela forma como conduz o país.
Diariamente somos acordados com notícias de descoberta de furos de petróleo aqui e acolá, de existência de carvão mineral cuja exploração é concessionada a empresas chinesas e indianas, de obras X ou Y que foram adjudicadas a favor dos compadres, mas, muito raramente ouvimos dizer que o governo revolucionou a Segurança Social que passaria a subsidiar milhares de famílias empobrecidas, incluindo os desempregados. A dita evolução do país é feita em oásis, num tecto que alberga, literalmente, filhos da mesma nação! O povo este continua a carregar a arca da pobreza como Cristo carregou a cruz ao Monte Calvário. E como se não bastasse, impostos pagam os pobres, enquanto os ricos (de discursos nacionalistas) conhecem todas as artimanhas para expatriarem os lucros.
É cedo demais para enterrar os discos reivindicativos, aqueles que o povo ergueu nas manifestações de 2008 e 2011, em protesto ao elevado custo de vida no país. 'Sarna' mal varrida pode muito bem regressar com uma força brutal e colocar o país de novo nos noticiários do mesmo lote que da Somália. Não venham dizer que “as manifestações populares são produtos do exterior”, porque esse tal “exterior”, juntamente com certa casta de “Gente” do partidão, são os verdadeiros “escolhidos da sorte”. Perguntam às populações de Mapinhane, de Mogovolas, de Mariri, de Mussulo, se já é tempo de enterrar as reivindicações, porque para aquela gente a estiagem alimentar só cessa em tempos de campanha eleitoral!
A 'sarna' ainda não regressou ao nosso país (aleluia), mas já faz vítimas na Costa do Marfim. É preciso não esquecer nunca que as abundâncias do passado não saciam as fomes do presente. Diversas instituições e organizações internacionais, em particular a União Europeia e o PNUD, lançaram um SOS ao governo costamarfinense no sentido deste corrigir as assimetrias existentes naquele país.
Porém, Laurent Gbagbo, que conta com o apoio do seu compadre angolano José Eduardo dos Santos, mandou aquelas organizações estrangeiras de solidariedade internacional, «ver se iam pentear macacos».
“Para os malandros Deus reserva sempre um dia especial”, foi então que em Novembro de 2010 a 'sarna' rebentou pelas costuras na Costa do Marfim e deixou Gbagbo numa situação ambígua entre tensão alta e baixa. “O circo pegou fogo”, Gbagbo está em tensão. De um lado está o povo com o candidato vencedor das eleições de Novembro, Alassane Ouatarra, do outro lado do ringue, encontra-se o exército leal a Gbagbo que também conta com o apoio dos seus “compadres de carteira”, o galo Robert Mugabe, José Eduardo dos Santos, Muamar el Gaddafi, entre outros. É evidente que o reinado de Gbagbo há-de acabar por cair, tal como caiu o regime de Ben Ali, na Tunísia.
Três meses antes da sua queda, vimos um Ben Ali garboso e vaidoso, feito todo-o-terreno da Tunísia. Assinou os últimos acordos de cooperação com  José Sócrates, um amigo que na hora «H» não se lembrou de o receber da gandaia. Durante 24 anos, Ben Ali criou uma autêntica monarquia familiar na Tunísia. Eliminou os seus opositores políticos, mandou para exílio outros tantos (espero que se encontre com alguns deles nas ruas da Arábia Saudita, onde também foi acolhido o carniceiro do Uganda, Idi Amine Dada), confiscou o Aparelho do Estado e com um remotecontrolo controlava tudo e a todos.
Cálculos errados em História podem custar uma vida, um império construído.
De facto, num piscar de olhos, de caçador virou presa.
Inspirado nos tunisinos, o povo egípcio já ganhou a primeira batalha - fazer com que Hosni Mubarak arrumasse as botas mais cedo. A segunda batalha, ainda em despique com as suas forças leais, é fazer com que Mubarak largue o poder antes mesmo de Setembro. Ainda que fique de pedra e cal até Setembro no pelouro, o seu reinado não será mais o mesmo.
Está a governar contra a vontade popular. Um milhão de egípcios já lhe disseram basta. Resta saber para onde irá Mubarak depois de Setembro, porquanto os aposentos dos ditadores (Arábia Saudita) ainda reservam espaço para acomodar outros líderes déspotas.
Mubarak esperava encontrar o apoio do 'nosso irmão Barack Obama', infelizmente o governo dos EUA não apoia, em última instância, os corruptos.
Para os americanos, o ferro molda-se quente. Não resta dúvida que Mubarak está linchado, para SEMPRE! “Quem com ferro mata, com ferro morre”.
É tempo de África fazer descansar os governos de intervenção militar, os chamados “libertadores das pátrias”. Já dizia o historiador português (dos meus preferidos), António Telo: os governos de intervenção militar não duram muito. Eles garantem a base mínima para o arranque do processo de transição, mas, se o apoio não se consolidar e alargar por uma acção política na sociedade, a sua legitimidade perante a opinião pública é desgastada e o bloco inicial, sem fortes alicerces, divide-se irremediavelmente. Estes governos terminam inevitavelmente de uma de duas formas: ou caem nas mãos de “homens providenciais” e envolvem para situações estáveis; ou não conseguem gerar uma base mínima de apoio social e degeneram num ciclo de golpes e contra-golpes onde “as espadas são o triunfo.
A Jordânia, a Síria, a Líbia, já estão em tensão alta. Tenho dito, em palestras com os meus sobrinhos, que a única forma de travar a 'sarna' é varrer a sujeira. Neste caso, é preciso varrer os políticos corruptos, os ditadores, porque estes criam contágios e escolas.
É tempo de mudar de ferramentas e apostar em cavalos mais jovens, em políticos que coloquem os interesses dos seus países em primeiro lugar. É tempo de tirar a África da ravina, porque os filhos desta Nobre Senhora que se chama ÁFRICA RAINHA não merecem ser governados por tiranetes.
'Kochikuro' (Obrigado)
PS: Esta semana ouvimos o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano dizer que a guerra dos 16 anos foi para reintroduzir o colonialismo em Moçambique e não, ao que se sabe, acabar com o Comunismo. Chissano deve saber «reformar» a sua mente. Fica mal a um antigo Chefe do Estado de um país como o nosso, com aspirações democráticas, recusar algo de tão evidente que ele próprio, em Roma, ajudou a combater o comunismo. Quando uma pessoa não pode dizer aquilo que sabe, o melhor a fazer é saber aquilo que diz. Já que não pode calar, o pior é meter a boca na 'vuvuzela' para dizer asneiras. Calar também é uma virtude dos diplomatas.

Fonte: WAMPHULA FAX – 10.02.2011

1 comentário:

Anónimo disse...

Puxa é de tirar o chapéu.
Vê-se logo que bebe chá em Bruxelas.Até na palavra-autópsia!
Xi, com HIV moçambicano, pega!
Está no século XXII, esse irmão moçambicano-Bento Roque jr (JI AR).
Até no nome-à americana!
Parabéns pelo artigo e também " pelo aviso à navegação"!
Já escrevi anteriormente, África Negra não está em condições.
Sómente Angola!

Fungulamasso