domingo, outubro 14, 2007

Na Beira, o bastião da RENAMO

Recenseamento às avessas
• “É uma manipulação que atinge somente zonas de influência da RENAMO para não permitir que o nosso potencial eleitor vote”, Elias Gilberto Impuire, RENAMO
• “Os problemas são de natureza técnica. Garanto que serão resolvidos”, director do STAE, Vali Ossumane”


Por Eurico Dança e Anselmo Sengo

Está ao rubro o processo de recenseamento eleitoral na cidade da Beira, bastião da RENAMO, com a “perdiz” a denunciar aquilo que considera de tentativa de “desorganização técnica” do processo, para prejudicar o recenseamento de membros e simpatizantes do movimento de Afonso Dhlakama.

Recorde-se que, há três semanas, a RENAMO, em Maputo, tornou público um documento com o título “Visão Política”, alegadamente da autoria da FRELIMO que “orienta” o STAE para reduzir, ao máximo, nas zonas de influência da perdiz, os trabalhos de educação cívica e inscrição dos eleitores “supostamente apoiantes do adversário”, leia-se a RENAMO.
Esta semana, a RENAMO, na Beira, submeteu duas reclamações que versam sobre esta matéria, mas nenhuma delas teve ainda resposta. Como pressão, aquele partido está a preparar um recurso para exigir uma resposta célere das suas preocupações.
A mais recente carta da RENAMO, submetida à Comissão de Eleições na Beira com a data de 5 de Outubro, apresenta três pontos que aquele partido considera de “preocupantes”.
O primeiro ponto tem a ver com a emissão de cartões de eleitores que não ostentam carimbo, assinatura do eleitor, nem do supervisor, o que, segundo eles, tira a sua autenticidade.
O segundo ponto refere que, apesar dos fiscais da RENAMO estarem devidamente credenciados, estes são proibidos pelos supervisores das brigadas de recenseamento de consultar os cadernos eleitorais, o que viola as alíneas a), b) e f) do número um da deliberação 14/CNE/2007 de 23 de Agosto do regulamento da fiscalização eleitoral.
A emissão de cartões de eleitores com código diferente de “07” que é da província de Sofala é a outra preocupação apresentada.
No que se refere à primeira carta datada de 26 de Setembro com a referência 01/DPCB/GE/A/17/07, a Renamo na Beira reclama a fraca capacidade do STAE da cidade, na educação cívica dos potenciais eleitores, situação que resvala para a fraca aderência nos postos de recenseamento.
No mesmo documento, a Renamo protesta também pela falta de computadores em alguns postos de recenseamento sobretudo nas zonas de Nhaconjo e Nhangau.
De acordo com o mandatário da lista de candidatos da Renamo na cidade da Beira, Elias Gilberto Impuire, o problema da falta de computadores ainda persiste naqueles pontos numa altura em que o processo de registo eleitoral vai na sua terceira semana.
A denúncia da Renamo sobre a falta de computadores em alguns postos foi desmentida pelo director do STAE da cidade da Beira, Vali Ossumane, que referiu que todos 55 postos de recenseamento instalados nesta urbe possuem as máquinas informáticas a funcionar em pleno.

Cartões

A Reportagem do SAVANA teve acesso a alguns cartões que apresentam irregularidades como a falta de carimbos, de assinaturas do eleitor e supervisor da brigada de recenseamento e outras ainda com código que não é da província de Sofala.
A título de exemplo, os cidadãos António João e Julieta Maramuche Prianga, que se recensearam nas escolas primária 3 de Fevereiro e Completa de Chingussura, respectivamente, na cidade da Beira, apesar dos seus cartões estarem devidamente assinados e carimbados, possuem código “04” que não é desta província.
O cartão de António João ostenta o número 0408A60 2850006/0014 e ao de Julieta Maramuche Prianga foi atribuído o número 0417A12844008/0001.
Já os cartões dos cidadãos Ana Paula Uraissone e Domingos Bengala Davunga, ambos recenseados na Escola Completa de Chingussura nesta urbe, apesar de ostentarem o código da província de Sofala (07), não estão carimbados, nem possuem assinaturas do eleitor e supervisor da brigada, o que retira a sua autencidade.
Estas situações, segundo referiu o mandatário da lista de candidatos da Renamo na Cidade da Beira, Elias Impuire, foram orquestradas pelo STAE na Beira para tirar direito a alguns cidadãos de votarem sobretudo nas zonas que considerou da influência do seu partido.
“Veremos que quando chegar a hora de votar alguns nossos compatriotas não vão ter direito por causa da manobra inventada pelo STAE”, acusou.

STAE reconhece

Contactado pelo SAVANA, o director do STAE na cidade da Beira, Vali Ossumane, reconheceu estar a ocorrer a emissão de cartões sem carimbo, nem assinatura. Precisou que portadores com cartões assim não têm direito de voto.
Justificou este “estranho episódio” com a alegada desatenção dos brigadistas que, segundo Ossumane, pode não ser considerado propositado. “É um erro humano”, enfatizou.
Sobre a emissão de cartões com código que não pertence à província de Sofala, a fonte disse que são pormenores técnicos que ultrapassam as suas capacidades.
“Este facto não se regista somente na Beira, também em outros pontos do país”, disse, sem precisar quais.
A fonte garantiu que os erros técnicos que na sua óptica são imprevisíveis serão sanados. Referiu que o STAE na cidade da Beira vai solicitar aos eleitores com cartões com estes erros a pedirem a reemissão, por forma a salvaguardar o direito do cidadão.
Entretanto, informações facultadas por Ossumane indicam que 115 eleitores em média são registados por dia nos postos de recenseamento da cidade da Beira.
A continuar com esta média de inscrições, acrescenta, a terceira semana de registo eleitoral poderá fechar com um universo de 11 mil eleitores ao nível da cidade da Beira.

Presidente da República

Num claro sinal de que o processo nasceu com profundas deficiências e que tem tudo para resvalar para um fiasco, 27 partidos políticos na oposição, com a excepção da Renamo, entregaram esta terça-feira à Presidência da República uma declaração conjunta exigindo o adiamento das eleições provinciais para 2009. Os 27 partidos têm à cabeça o presidente do Partido para a Paz e Desenvolvimento (PDD), Raul Domingos.
O dossier sobre a matéria a que o SAVANA teve acesso acompanhado pela lista nominal dos partidos subscritores enviada ao Presidente da República sublinha que o mesmo é do conhecimento da Assembleia da República e do Conselho Constitucional.
Os 27 partidos subscritores dizem que a data proposta para a realização das eleições provinciais tem o inconveniente de coincidir com o período de chuvas que, regra geral, começa a um de Outubro e termina a 31 de Março de cada ano.
Para acautelar os inconvenientes impostos pelas adversidades da natureza, o número 2 do artigo 6 da lei 7/2007 de 26 de Fevereiro estabelece que as eleições gerais têm lugar no período seco.
“É paradoxal que o número 2 da lei 7/2007 faça menção às chuvas como factor impeditivo, e o número 2 do artigo 10/2007 não se refira às chuvas como obstáculo para o desenrolar ordeiro e participativo das eleições das assembleias provinciais”, diz a declaração.
Na perspectiva daqueles 27 partidos na oposição, o adiamento das eleições provinciais para 2009 tem em vista fortalecer e consolidar a democracia em Moçambique, com vantagem de permitir a realização de um censo eleitoral de raiz, sério, seguro e abrangente e fiável. Permitir maior orçamentação e mais tempo para a angariação de fundos; reduzir o número de eleições e não sobrepor as eleições autárquicas com as provinciais; poupar recursos para a luta contra a fome, a nudez, a ignorância e o subdesenvolvimento; não fatigar os eleitores com três eleições em anos consecutivos e evitar a realização em tempos de chuva, são outros dos objectivos que o grupo dos 27 pretente alcançar com o adiamento.

CNE avança

Apesar de protestos de vários partidos da oposição, excluindo a Renamo, a CNE avançou esta semana com o calendário eleitoral e aprovou 804 mandatos provisórios para as dez províncias abrangidas pelo sufrágio.
Contudo, Raul Domingos considera o calendário para a apresentação das candidaturas não exequível, aliado ao facto de também os mandatos provisórios avançados pela CNE serem ilegais.
“Que moral tem a CNE de exigir o cumprimento da lei se ela própria é a primeira a viola--la. A CNE deve anunciar publicamente que não está em condições de organizar as eleições no dia 16 de Janeiro. Assim, solicitaria à Assembleia da República para que, dentro das prerrogativas legais, emendasse a Constituição de modo que permita ao Presidente da República alterar a data de 16 de Janeiro de 2008 para 2009 em simultâneo com as legislativas e presidenciais”.
A Lei Eleitoral prevê que a apresentação de candidaturas tem lugar 90 dias antes da data da votação, prazo esse que expira no decurso do recenseamento eleitoral de raiz, ou seja, antes da publicação dos dados definitivos deste.
É tendo em conta esta situação que a CNE se decidiu pela divulgação de mapas provisórios sobre os mandatos por cada círculo eleitoral, mandatos esses que são projectados com base no número previsto de eleitores em cada um desses lugares.
Contudo, a CNE ressalva que o número de mandatos projectados para cada província e círculo eleitoral será ajustado em conformidade com o número total de eleitores recenseados.
Mas os 27 partidos políticos contestam a decisão tomada pela CNE, argumentando que é ilegal, tendo em conta que a lei não prevê mandatos provisórios.
Nampula e Zambézia, ambas com 91 deputados, são as províncias com maior número de assentos, seguidas de Cabo Delgado e Sofala, 81 deputados.

Obstáculos do processo

Já sobre os prazos para a apresentação das candidaturas, o líder do PDD volta a estar contra. A Frelimo e a Renamo estão juntos. Domingos argumenta que a exigência do registo criminal, do atestado de residência e do cartão do eleitor pela CNE criam barreiras para que o calendário eleitoral seja cumprido.
“Como é que vamos apresentar o cartão de eleitor se o recenseamento eleitoral ainda está a decorrer, e como será nos locais onde o processo ainda não arrancou. Isso significa que essa população foi defraudada pelo Estado”, questiona Domingos.
Prossegue, estranhando o facto de, apesar de provada a incapacidade da empresa contratada para fornecer o equipamento informático, o Governo e principalmente a CNE estão apáticos.
“Se houve um concurso público, o que diziam os termos de referência? Porquê a CNE não toma medidas punitivas contra esta empresa que está a colectar milhões de dólares, fruto dos nossos imposto”, disse.

USD15 milhões

Ao que apurámos, o recenseamento de raiz custa ao país cerca de 15 milhões de dólares. Este processo foi lançado em Junho e adjudicado a um consórcio constituído pela moçambicana ELETC e pela firma sul-africana First Tecnology. A ELETC é participada por Celso Correia, líder do Grupo INSITEC, que recentemente adquiriu 19 porcento das acções do BCI-Fomento à SCI-Holding de Magid Osman.
Após um concurso público, onde o segundo classificado terá apresentado uma proposta equivalente a USD 50milhões, foi rubricado, a 25 de Julho passado, um contrato de adjudicação entre o vencedor e o STAE. Ao vencedor foi dado um prazo de 60 dias para fornecimento de material, nomeadamente 3 900 computadores, impressoras, câmaras, recolhedoras de impressões digitais e 11 centros de dados.
Só que, segundo soubemos junto de fonte do STAE, este órgão eleitoral levou cerca de 30 dias para disponibilizar a primeira tranche acordada com o vencedor para o arranque do processo.
“Houve uma guerra para a disponibilização de fundos que consumiu quase metade do tempo. Este facto fez atrasar todo processo que está a culminar com demoras na entrega do material nos distritos e formação dos brigadistas”, frisou.
Frisou que o material informático que está a ser usado neste processo é feito na base de encomendas, o que implica que se dê tempo ao fabricante para que produza quantidades suficientes.
A mesma fonte acrescentou que para evitar danos mais expressivos foram mobilizados 15 camiões cavalos e foram feitos cerca de 20 voos para a distribuição de material eleitoral pelos distritos.
“Houve uma série de erros relacionados com o tempo, situação que está a minar o processo”, repisou.

SAVANA – 12.10.2007

Retirado daqui

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