Na quarta-feira da semana passada, dia 21 de Março, a África do Sul comemorou aquilo que, depois da sua libertação, em 1994, passou a ser chamado de Dia Nacional dos Direitos Humanos, com honras de feriado nacional.
Trata-se do dia em que, no ano de 1960, em Sharpeville, um subúrbio de Joanesburgo, 69 negros sul africanos foram brutalmente mortos pela Polícia do apartheid, quando manifestavam-se contra as leis do passe, uma relíquia do antigo sistema, que determinava os locais onde os negros podiam ou não podiam frequentar. Muitos dos que foram mortos foram apanhados pelas balas assassinas pelas costas, o que sugere que estavam em fuga, e, como tal, a Polícia não podia recorrer ao pretexto de que eles tenham representado qualquer tipo de ameaça.
O regime do apartheid na África do Sul nunca acreditou que as reivindicações dos negros sul-africanos por direitos iguais, incluindo o do sufrágio universal para todas as raças, partissem dos anseios do povo sul- africano pela implantação de um sistema de democracia multiracial no seu próprio país, como acontecia em países civilizados do Ocidente, onde os negros até constituíam a minoria.
Sistematicamente atribuiu essas convulsões populares a uma imaginária conspiração comunista inspirada a partir de Moscovo, na sua luta para subjugar a civilização ocidental, da qual a África do Sul do apartheid se considerava única retaguarda na região austral do continente africano, se não em toda a África a sul do Equador.
Para o regime do apartheid, os negros eram seres humanos de baixo intelecto, e que não poderiam por isso ter ideias próprias e capacidade de exigir que o Estado respeitasse os seus direitos mais elementares. E muito menos ainda, a capacidade de governar um país tão moderno e sofisticado como a África do Sul. Verwoerd, o arquitecto do apartheid, e os seus seguidores, tais como Vorster e Botha, devem estar a virar nos seus túmulos, ao saberem que há 13 anos que a África do Sul é governada por negros, e para sempre.
O massacre de Sharpeville captou a atenção da imprensa mundial, alertando o mundo para as barbaridades que estavam a ser cometidas contra civis indefesos. Quatro dias depois, o Governo baniu todas as organizações políticas negras, e muitos dos seus líderes foram presos ou partiram para o exílio.
A violação dos direitos humanos é isso mesmo. Não importa se praticada por brancos ou negros, castanhos ou amarelos. Há uma característica comum dos regimes que recorrem aos instrumentos de repressão ao seu dispor, financiados por fundos públicos, para reprimir vozes discordantes. Todos eles fazem-no em nome da necessidade de manutenção da segurança e tranquilidade públicas, mesmo quando a sua má governação está na origem da contestação de que são objecto.
Felizmente, durante a era colonial, o inimigo estava bem identificado, e não faltavam consensos quanto à natureza justa da luta dos povos pela liberdade.
Porém, hoje, aqueles que no passado estavam unidos na luta contra a repressão colonial, estão divididos porque de entre os combatentes da liberdade do passado, alguns passaram a assumir o papel de repressores, com uma claque de apoiantes que intelectualmente vão encontrando argumentos supostamente plausíveis para justificar (no interesse nacional) a brutalidade com que tratam elementos que lhes apresentam ideias alternativas de governação.
Geralmente, o “interesse nacional” é definido tratando-se de uma cruzada para impedir a “recolonização do país”.
Para que não haja dúvidas, estes opositores são tratados na imprensa de cortejo como detractores do “interesse nacional” e lacaios dos imaginários recolonizadores.
Só que para a infelicidade destas claques de oportunistas, bajuladores e engraxadores do poder, não há nada de neo-colonial nas reivindicações de um povo cuja única exigência é que tenha o direito de se pronunciar livremente sobre o destino do seu próprio país, e ser governado com o merecido respeito.
O Zimbabwe representa hoje esta triste ironia de revolucionários e libertadores da pátria que se revoltaram contra o seu próprio povo, arrastando--o para uma miséria sem precedentes. Por causa da repressão e do descalabro económico estima-se que, desde 2002, cerca de 4 milhões de zimbabweanos terão abandonado o seu país. Muitos destes são técnicos superiores especializados em várias áreas, cuja formação foi suportada pelo dinheiro do povo, nos primeiros anos da independência. Esse sacrifício todo tornou-se num subsídio para países que são até tão ricos que não precisam dessa generosidade.
A repressão, o espancamento das vozes discordantes, as prisões arbitrárias, e todo o tipo de sevícias contra civis inocentes, são feitos em nome da luta contra o imperialismo ocidental. Do mesmo modo que os agentes da Polícia do apartheid torturavam as suas vítimas negras em nome da preservação da civilização ocidental.
Só que das dezenas de líderes políticos, cívicos e religiosos que no dia 11 de Março foram presos no Zimbabwe e brutalmente torturados nas mãos da Polícia, não havia nem sequer um único branco. Eram todos pretos, incluindo Sekai Holland, uma avó de 64 anos de idade, antigamente membro da ZANU-PF, o partido no poder. A imagem dela deitada numa cama do hospital, com a coxa totalmente exposta e um dos braços engessado, provoca a estranha memória de que os seus agressores podem bem ter sido da idade dos seus próprios netos. Em defesa de quê? Eis a questão!
SAVANA - 31.03.2007
Trata-se do dia em que, no ano de 1960, em Sharpeville, um subúrbio de Joanesburgo, 69 negros sul africanos foram brutalmente mortos pela Polícia do apartheid, quando manifestavam-se contra as leis do passe, uma relíquia do antigo sistema, que determinava os locais onde os negros podiam ou não podiam frequentar. Muitos dos que foram mortos foram apanhados pelas balas assassinas pelas costas, o que sugere que estavam em fuga, e, como tal, a Polícia não podia recorrer ao pretexto de que eles tenham representado qualquer tipo de ameaça.
O regime do apartheid na África do Sul nunca acreditou que as reivindicações dos negros sul-africanos por direitos iguais, incluindo o do sufrágio universal para todas as raças, partissem dos anseios do povo sul- africano pela implantação de um sistema de democracia multiracial no seu próprio país, como acontecia em países civilizados do Ocidente, onde os negros até constituíam a minoria.
Sistematicamente atribuiu essas convulsões populares a uma imaginária conspiração comunista inspirada a partir de Moscovo, na sua luta para subjugar a civilização ocidental, da qual a África do Sul do apartheid se considerava única retaguarda na região austral do continente africano, se não em toda a África a sul do Equador.
Para o regime do apartheid, os negros eram seres humanos de baixo intelecto, e que não poderiam por isso ter ideias próprias e capacidade de exigir que o Estado respeitasse os seus direitos mais elementares. E muito menos ainda, a capacidade de governar um país tão moderno e sofisticado como a África do Sul. Verwoerd, o arquitecto do apartheid, e os seus seguidores, tais como Vorster e Botha, devem estar a virar nos seus túmulos, ao saberem que há 13 anos que a África do Sul é governada por negros, e para sempre.
O massacre de Sharpeville captou a atenção da imprensa mundial, alertando o mundo para as barbaridades que estavam a ser cometidas contra civis indefesos. Quatro dias depois, o Governo baniu todas as organizações políticas negras, e muitos dos seus líderes foram presos ou partiram para o exílio.
A violação dos direitos humanos é isso mesmo. Não importa se praticada por brancos ou negros, castanhos ou amarelos. Há uma característica comum dos regimes que recorrem aos instrumentos de repressão ao seu dispor, financiados por fundos públicos, para reprimir vozes discordantes. Todos eles fazem-no em nome da necessidade de manutenção da segurança e tranquilidade públicas, mesmo quando a sua má governação está na origem da contestação de que são objecto.
Felizmente, durante a era colonial, o inimigo estava bem identificado, e não faltavam consensos quanto à natureza justa da luta dos povos pela liberdade.
Porém, hoje, aqueles que no passado estavam unidos na luta contra a repressão colonial, estão divididos porque de entre os combatentes da liberdade do passado, alguns passaram a assumir o papel de repressores, com uma claque de apoiantes que intelectualmente vão encontrando argumentos supostamente plausíveis para justificar (no interesse nacional) a brutalidade com que tratam elementos que lhes apresentam ideias alternativas de governação.
Geralmente, o “interesse nacional” é definido tratando-se de uma cruzada para impedir a “recolonização do país”.
Para que não haja dúvidas, estes opositores são tratados na imprensa de cortejo como detractores do “interesse nacional” e lacaios dos imaginários recolonizadores.
Só que para a infelicidade destas claques de oportunistas, bajuladores e engraxadores do poder, não há nada de neo-colonial nas reivindicações de um povo cuja única exigência é que tenha o direito de se pronunciar livremente sobre o destino do seu próprio país, e ser governado com o merecido respeito.
O Zimbabwe representa hoje esta triste ironia de revolucionários e libertadores da pátria que se revoltaram contra o seu próprio povo, arrastando--o para uma miséria sem precedentes. Por causa da repressão e do descalabro económico estima-se que, desde 2002, cerca de 4 milhões de zimbabweanos terão abandonado o seu país. Muitos destes são técnicos superiores especializados em várias áreas, cuja formação foi suportada pelo dinheiro do povo, nos primeiros anos da independência. Esse sacrifício todo tornou-se num subsídio para países que são até tão ricos que não precisam dessa generosidade.
A repressão, o espancamento das vozes discordantes, as prisões arbitrárias, e todo o tipo de sevícias contra civis inocentes, são feitos em nome da luta contra o imperialismo ocidental. Do mesmo modo que os agentes da Polícia do apartheid torturavam as suas vítimas negras em nome da preservação da civilização ocidental.
Só que das dezenas de líderes políticos, cívicos e religiosos que no dia 11 de Março foram presos no Zimbabwe e brutalmente torturados nas mãos da Polícia, não havia nem sequer um único branco. Eram todos pretos, incluindo Sekai Holland, uma avó de 64 anos de idade, antigamente membro da ZANU-PF, o partido no poder. A imagem dela deitada numa cama do hospital, com a coxa totalmente exposta e um dos braços engessado, provoca a estranha memória de que os seus agressores podem bem ter sido da idade dos seus próprios netos. Em defesa de quê? Eis a questão!
SAVANA - 31.03.2007
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