domingo, maio 26, 2013

Uma luta justíssima a favor da injustiça!

Por Pedro Nacuo

Vamos falar sem vírgulas! Os médicos constam do grupo que mais beneficiou do recente aumento salarial na Função Pública! Foi dito 15 por cento! São a única classe que está em greve.

Dizem que é pouco o muito que muitos não recebem. Lutam para serem muito mais diferentes de todos! Querem que a diferença aumente mais! Ganhar muito é justo. Lutar pelo justo é justificável. Lutar para ser muito diferente da maioria é justo? Em que medida?

Agora podemos falar, também, com vírgulas! Se for injustiça, criar condições para que pessoas com qualificações iguais (do ponto de vista académico) e competências iguais (do ponto de vista profissional) sejam diferentes, aliás, muito diferentes, conforme ganham pelo que fazem, não poderemos concluir que o que está em causa é a importância do que cada um faz?

Se não nos serve a conclusão da complementaridade interprofissional, não seremos forçados a chegar a um ponto em que, com isso, diremos que o trabalho menos importante na sociedade é ser professor, em função de como as sociedades (em particular a moçambicana), em conluio com a classe médica, faz os degraus da importância das profissões? E afinal porque é que somos absolutamente (?) pobres, por isso morremos para corporizarmos estatísticas animalescas que nos põem últimos de todos os países da África Austral, por isso, de quase todo o mundo?

Mas, falando seriamente, ainda teremos que nos deter na classificação de profissões, conforme a sua importância? Será com base em quê, a dispensabilidade ou a indispensabilidade de determinada profissão? Onde é que nos queremos meter, sinceramente?

Agora com calma! Não faz mal os médicos lutarem por melhores condições, mas não é muito bom que a luta seja por sacrificar as restantes classes profissionais que devem comer do mesmo prato, se é verdade que, quanto maior for o abismo salarial entre os grupos profissionais, pior injustiça estará a ser feita.
Ao que parece, depois de todos os passos dados, nas concertações inconclusivas que vão tendo lugar com o Executivo, os médicos não estão a lutar por uma sociedade de justiça, mas sim, lutam por fortalecer a injustiça que há de uns ganharem muito, mas muito mais, que os outros!

Se a inteligência e sindicalismo da classe médica, se somasse à sabedoria de como, com os outros segmentos, lutarmos contra os que ganham salários chorudos, escandalosos até, para que a justiça se aproxime, estaríamos juntos. Claro, sem aquela alegria dos actuais grevistas que as imagens documentam. Dançar em frente ao hospital não pode ser reivindicação contra a tristeza que é receber salário irrisório, deve ter outro significado, com o qual o meu colega, André Jonas, no primeiro dia da greve, frente ao Hospital Central de Maputo, reuniu coragem para se insurgir contra os médicos e enfermeiros, recordando-os que ali era casa de doentes e exclamou: estão satisfeitos porque as pessoas vão morrer!

Quer dizer, se lutássemos contra a corrupção que distribui de forma quase criminalmente desigual o dinheiro do erário público, fazendo com que os deputados, os funcionários da Autoridade Tributária, os presidentes executivos ou não executivos dos Conselhos da Administração das empresas detidas maioritariamente pelo Estado moçambicano e poucos outros mais, recebam salário, cada um, que dá para fazer funcionar duas escolas profissionalizantes do nível médio, pagar três médicos, oito polícias, estaríamos juntos. Aqueles cujas mordomias não têm balizas…

Se lutássemos todos contra os esquemas que fortificam a corrupção, a cada dia que passa e geram este descontentamento quase generalizado, estaríamos juntos, porque para além de ser justa a nossa luta, ela seria pela justiça, que não é o caso. Aí lutaríamos por uma aplicação justa do que temos.

Mas a ter que se ultrapassar o diferendo médicos-Governo, da forma como aqueles pretendem, será recorrendo vergonhosamente a fundos de fora de Moçambique, segundo gritam os técnicos de contas afectos ao Executivo. Mas se chegássemos ao ponto da redistribuição do que há, sem diferenças abismais, como é corrente e os médicos pretendem prevalecer, provavelmente não fosse necessário o recurso aestranja. É aí onde reside o meu convite, de redistribuição do muito dinheiro que entra em pouquíssimos bolsos, para ser abrangente.

Estaríamos a procurar soluções duradoiras, menos “convulsionistas” e menos desestabilizadoras, porque para desestabilizar basta que um grupo mostre a sua real ou aparente importância; basta que os jornalistas, por exemplo, se lembrem que a sua proposta de Lei do Direito à Informação, entrou na Assembleia da República em Dezembro de 2005 e ainda não foi aprovada e que há uma classe que decide em que sessão devem ser aprovados os seus estatutos! Aqui, o Governo e os médicos estiveram unidos: usurparam os poderes do legislador e escolheram a sessão deliberativa. E parece que falharam!

Basta que os professores questionem isto que estamos aqui a questionar, basta que os engraxadores não vão às esquinas, basta um “muxunguinho” (já que o método autoritário: prazos, ordens até para o Parlamento, deixam escapar uma roupagem propositadamente politicada), basta, como dizíamos, que cada classe avalie a sua (não) importância. Desestabilizar não custa!

Enfim, imagine-se o seguinte cenário: uma greve dos que em Moçambique curam a maioria dos moçambicanos (cerca de 75 por cento), os curandeiros! Também pode desestabilizar, e de que maneira! Até crianças podem desestabilizar, basta que no dia 1 de Junho não vão à praça para a deposição de flores e não levem o lanche para dividir com o professor que não tem como se alimentar diferente. O respeito que temos pelos médicos não nos autoriza a dizermos por dizer, dá para pôr as coisas desta maneira, porque, de facto “não basta que seja justa a nossa luta/causa…”!

Fonte: Jornal Notícias – 26.05.2013

1 comentário:

Reflectindo disse...

Caro Pedro Nacuo, desta vez não concordo absolutamente contigo. Mas não me espantas com este este artigo porque mesmo na primeira greve dos médicos posicionaste-te claramente no lado contra. É direito, mas também o que de direito é discutível.
A questão desta vez é que os médicos não tem no seu caderno de reivindicacão algo que diz que querem ganhar mais do que os professores, os jornalistas, os engenheiros. Disso eu nunca ouvi. O problema dos outros profissionais é apenas organizacional, mas se calhar se beneficiam algo das greves dos médicos. Talvez, sem a greve dos médicos o aumento chegasse a 9%. Mas repito, que enquanto os outros profissionais continuarem desorganizados e com sindicatos capturados pelo governo, continuarão na cauda em termos salariais e condicões sociais e a recorrerem à corrupcão, burla por exemplo aos alunos, pais e encarregados de educacão, automobilistas, aos concidadãos nas ruas, etc.