A talhe de foice
Por
Machado da Graça
Durante
muitos anos o nosso país foi considerado, pela comunidade doadora, como
exemplar em todos os aspectos.
Os
elogios eram tantos que nós olhávamos para o espelho a ver se os merecíamos. E,
se fôssemos honestos connosco próprios, víamos que não.
Os
elogios que a anterior embaixadora americana fez à democracia moçambicana, no
dia em que se despediu, fizeram-me ficar muito incomodado, por saber que aquilo
não era verdade e, pior ainda, saber que ela também sabia isso.
Mas agora
as coisas parecem estar a mudar.
Os
primeiros sintomas chegaram-me em princípios de Maio, como reflexo da revisão
conjunta, entre Moçambique e os principais doadores, em finais de Abril.
Uma
pessoa que está, normalmente, presente nestes encontros disse-me que nunca
tinha visto os doadores tão aborrecidos, tão críticos e tão impacientes.
Os
comentários à actuação do Governo em áreas como o combate à corrupção, à
legalidade, à agricultura, etc., foram contundentes e os doadores mostraram-se
“preocupados” com isso, forma diplomática de dizer que estão a perder a
paciência.
Os
resultados dessa “preocupação” começamos agora a senti-los. Em vez de haver um
aumento, que estava previsto, no apoio desses doadores aos programas do
Governo, as verbas prometidas ficaram-se pelos níveis de 2006.
E os
doadores foram claros sobre as razões para isso. Sem mais e melhores resultados
naquelas áreas chave para o nosso desenvolvimento não abrem mais os cordões às
respectivas bolsas.
A
proliferação de organizações, leis, regulamentos e estratégias de luta contra a
corrupção, de que a última invenção é o caricato Fórum Anti-corrupção, não
chegam para esconder a verdade nua e crua que é a total falta de vontade
política para combater os corruptos que estão a todos os níveis do nosso
Aparelho de Estado.
Ao dizer
que não vai praticar a caça às bruxas o Presidente Guebuza está a dizer aos
corruptos que podem continuar a praticar livremente as suas malfeitorias porque
ninguém os irá punir.
Se uma
das exigências dos doadores era mais e melhores resultados na área da
agricultura, o recente incêndio que devastou o respectivo ministério foi uma
péssima resposta.
Em termos
de legalidade e combate ao crime, basta ler os jornais todos os dias para se
ficar a saber até que ponto as coisas andam mal, com esquadrões da morte e
linchamentos a substituírem a Justiça que se não pratica.
Recentemente
realizou-se em Maputo um encontro de parlamentares especializados no controlo
das contas públicas nos países da SADC. E ouvimos discursos eloquentes sobre as
virtudes dessa actividade.
Só que
alguns desses discursos foram feitos por pessoas que, anualmente, aprovam as
contas do Estado, apesar de todos os pareceres críticos do Tribunal
Administrativo, que não se cansa de apontar erros, falhas, e outras
incorrecções, muitas vezes ilegalidades. E, no entanto, esses e esses distintos
oradores propõem a aprovação pelo plenário e, depois, votam a favor dessa
aprovação.
É, mais
uma vez, a aplicação do velho ditado: Bem prega Frei Tomás. Todos
façam o que ele diz, ninguém faça o que ele faz!
Ora tudo
isto, que os moçambicanos já conhecem por experiência própria, parece começar a
entrar pelos olhos dos doadores dentro. Nos últimos anos começámos a assistir a
exigências de devolução de dinheiros doados e mal utilizados, ao congelamento
de doações e empréstimos até que se façam determinadas investigações e
auditorias, enfim a pressões mais claras e incisivas para que se passe do
paleio para inglês ver a coisas mais concretas.
E seria
bom que o executivo percebesse bem esta mudança na direcção em que sopra o
vento, para evitar que um dia destes passemos da fila onde se sentam os
melhores da turma para uma carteira lá mais para o fundo da sala, onde chegam
menos os sorrisos dos professores e chovem mais os carolos sobre as nossas
cabeças.
Porque
quem vive de cinto apertado, a contar as moedinhas que tem no bolso, não se
pode dar ao luxo de contrariar aqueles senhores que nos fazem a esmola de nos
permitir comer todos os dias.
Por muito
que isso seja desagradável ao nosso sentido de soberania.
PS
– Toda a gente tem direito a umas férias e eu resolvi conceder um mês de
descanso a todos os que ficam aborrecidos ao ler as minhas crónicas. Espero que
recuperem bem porque em Julho cá estarei de novo.
SAVANA – 01.06.2007
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