sexta-feira, junho 01, 2007

O aluno exemplar


A talhe de foice

Por Machado da Graça

Durante muitos anos o nosso país foi  considerado, pela comunidade doadora, como exemplar em todos os aspectos.
Os elogios eram tantos que nós olhávamos para o espelho a ver se os merecíamos. E, se fôssemos honestos connosco próprios, víamos que não.
Os elogios que a anterior embaixadora americana fez à democracia moçambicana, no dia em que se despediu, fizeram-me ficar muito incomodado, por saber que aquilo não era verdade e, pior ainda, saber que ela também sabia isso.
Mas agora as coisas parecem estar a mudar.
Os primeiros sintomas chegaram-me em princípios de Maio, como reflexo da revisão conjunta, entre Moçambique e os principais doadores, em finais de Abril.
Uma pessoa que está, normalmente, presente nestes encontros disse-me que nunca tinha visto os doadores tão aborrecidos, tão críticos e tão impacientes.
Os comentários à actuação do Governo em áreas como o combate à corrupção, à legalidade, à agricultura, etc., foram contundentes e os doadores mostraram-se “preocupados” com isso, forma diplomática de dizer que estão a perder a paciência.
Os resultados dessa “preocupação” começamos agora a senti-los. Em vez de haver um aumento, que estava previsto, no apoio desses doadores aos programas do Governo, as verbas prometidas ficaram-se pelos níveis de 2006.
E os doadores foram claros sobre as razões para isso. Sem mais e melhores resultados naquelas áreas chave para o nosso desenvolvimento não abrem mais os cordões às respectivas bolsas.
A proliferação de organizações, leis, regulamentos e estratégias de luta contra a corrupção, de que a última invenção é o caricato Fórum Anti-corrupção, não chegam para esconder a verdade nua e crua que é a total falta de vontade política para combater os corruptos que estão a todos os níveis do nosso Aparelho de Estado.
Ao dizer que não vai praticar a caça às bruxas o Presidente Guebuza está a dizer aos corruptos que podem continuar a praticar livremente as suas malfeitorias porque ninguém os irá punir.
Se uma das exigências dos doadores era mais e melhores resultados na área da agricultura, o recente incêndio que devastou o respectivo ministério foi uma péssima resposta.
Em termos de legalidade e combate ao crime, basta ler os jornais todos os dias para se ficar a saber até que ponto as coisas andam mal, com esquadrões da morte e linchamentos a substituírem a Justiça que se não pratica.
Recentemente realizou-se em Maputo um encontro de parlamentares especializados no controlo das contas públicas nos países da SADC. E ouvimos discursos eloquentes sobre as virtudes dessa actividade.
Só que alguns desses discursos foram feitos por pessoas que, anualmente, aprovam as contas do Estado, apesar de todos os pareceres críticos do Tribunal Administrativo, que não se cansa de apontar erros, falhas, e outras incorrecções, muitas vezes ilegalidades. E, no entanto, esses e esses distintos oradores propõem a aprovação pelo plenário e, depois, votam a favor dessa aprovação.
É, mais uma vez, a aplicação do velho ditado: Bem prega Frei Tomás. Todos façam o que ele diz, ninguém faça o que ele faz!
Ora tudo isto, que os moçambicanos já conhecem por experiência própria, parece começar a entrar pelos olhos dos doadores dentro. Nos últimos anos começámos a assistir a exigências de devolução de dinheiros doados e mal utilizados, ao congelamento de doações e empréstimos até que se façam determinadas investigações e auditorias, enfim a pressões mais claras e incisivas para que se passe do paleio para inglês ver a coisas mais concretas.
E seria bom que o executivo percebesse bem esta mudança na direcção em que sopra o vento, para evitar que um dia destes passemos da fila onde se sentam os melhores da turma para uma carteira lá mais para o fundo da sala, onde chegam menos os sorrisos dos professores e chovem mais os carolos sobre as nossas cabeças.
Porque quem vive de cinto apertado, a contar as moedinhas que tem no bolso, não se pode dar ao luxo de contrariar aqueles senhores que nos fazem a esmola de nos permitir comer todos os dias.
Por muito que isso seja desagradável ao nosso sentido de soberania.

PS – Toda a gente tem direito a umas férias e eu resolvi conceder um mês de descanso a todos os que ficam aborrecidos ao ler as minhas crónicas. Espero que recuperem bem porque em Julho cá estarei de novo.
SAVANA – 01.06.2007

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