domingo, julho 05, 2020

Reflectindo sobre a guerra em Cabo Delgado

Apesar de sistema anti-democrático, Samora Machel era Comandante-em-chefe das FPLM e via-se isso. Como Comandante-em-chefe, Machel exigia disciplina do exército. Também sentia-se que havia comando de brigadas aos pelotões.
Não estou a dizer que por isso, tivemos um exército muito organizado. O exército teve problemas e fez atrocidades contra civis. Um dos problemas foi de ter um exército mal alimentado. Vivi em Netia, distrito de Monapo, onde eu era director da então escola secundária e centro internato de Natete, em pleno tempo de guerra. Duma ou doutra forma, eu tinha contactos ao nível dos seus comandos com o sétimo batalhão estacionado na MADEMO, o pelotão em Netia, e os estacionados em Namialo. Sei do que o exército governamental fez de errado e que devia ser uma grande licão no combate contra os insurgentes em Cabo Delgado. A obra de Christian Geffray " La cause des armes au Mozambique" também devia ser bem lida pelos comandos em Mocambique. Mas parece-me que os erros se repetem e da pior maneira, pior quando me parece que não temos comandante-em-chefe das FDS. Os vídeos e áudios que circulam nas redes sociais são quase incríveis. Tivessemos um comandante-em -chefe à altura de Samora Machel, já teria reagido, pelo menos para nos dar a entender que ele repudia aquilo que acontece em Cabo Delgado e mesmo no Centro do país.
Parece-me que estão pensando que se assim aconteceu sempre, na guerra de 16 anos, acontece desde 2012 e o mundo não se preocupa, porquê vai ser agora? Podem ter razão. Mas eu alerto que enquanto nós somos estáticos o mundo é dinâmico. Uma outra questão é que na guerra de 16 anos houve essa competicão de quem mata mais entre o exército governamental e a Renamo e assim nos bombardeam na Assembleia da República. Mas enquanto na altura era difícil provar, por exemplo que o exército governamental executou duas pessoas em Natete, em frente de criancas, alunos das duas escolas, missionários, professores que foram obrigados a assistir, hoje tudo isso é filmado e até pelos executores sem nocão da consequência. Eles mesmos publicam nas redes sociais.
Nota: 1) Em boa hora, em 2017, questionamos sobre aqueles ataques em Mocimboa da Praia e a accão do SISE. Se quem perguntava fosse visto como patrão, e, mais digo, se tivessemos um comandante-em-chefe, ter-se-ia mostrado a dificuldade de penetrar em Mocambique apesar de toda porosidade. Infelizmente não foi isso.
2) Não podemos continuar com exército que que recorre à carne de jiboia para ter proteinas. Tudo o que é gordura é para quem não se sacrifica em Maputo ou capitais provinciais. Só para gozar os gordos falam de subsídio de razões duvidosas.
3) Não estou aqui para dar glória aos exército colonial, mas a verdade tem que ser dita. Pelo que vi, apesar de pequeno, o exército colonial era organizado, regrado, bem alimentado. Acho que se fosse para fazer massacre como em Wirriamu, só era algo bem planificado. Eu como miúdo, para além dos camiões a transportar alcodão, os carros que eu mais ouvia eram de militares saindo do lado de Namapa para a belíssima praia de Simuco. Havia vezes que esses militares desviavam para a escola de Simuria para "fins de assistência de saúde". Ponho entre parenteses porque o interesse podia ser outro. Uma das vezes levaram o meu tio Ângelo que tinha uma doenca que em emackua se chama epupa. Duvidamos se alguma vez o devolveriam, mas meses depois e quando curado,o trouxeram.

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