O Parlamento “chumbou” ontem o projecto de Lei de Apartidarização das Instituições Públicas submetido pelo Grupo Parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) “com o objectivo de estabelecer os limites da actuação dos partidos políticos nas instituições públicas, de modo a prevenir actos visando criar situações de privilégios ou discriminação com base na opção política dos cidadãos”.
O documento foi rejeitado através de uma votação, na qual os 134 deputados da Frelimo mais os 66 da Renamo votaram contra e 16 do MDM a favor.
Na apresentação da declaração de voto da bancada da Frelimo o deputado Gonçalo Maceda disse que o proponente reconhece que todas as matérias que quer ver legisladas já constam de várias leis vigentes no país. Maceda disse ainda que o documento do MDM apresenta lacunas jurídicas insanáveis que não permitem a sua adopção.
A Renamo, na voz de António Muchanga, justificou o seu “não” com o facto de considerar que este projecto visa “esvaziar o conteúdo do diálogo político protagonizado pelo Governo e pela Renamo sobre a despartidarização do Estado.
Segundo ele, este projecto confunde conceitos entre despartidarizar e apartidarizar. “Para nós, o país precisa de despartidarizar as instituições do Estado, uma vez que estas encontram-se partidarizadas pelo partido no poder”, disse, para depois referir que a Renamo “chumba” o documento para “desencorajar o oportunismo político exacerbado do MDM”.
Aliás, antes do debate e votação deste instrumento as comissões dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade e a da Administração Pública e Poder Local apresentaram os respectivos pareceres técnicos, nos quais recomendavam o plenário da AR a não adoptar o documento.
Assim, os dois grupos de especialidade referem que o documento do MDM é inoportuno, pois o seu conteúdo está suficientemente acautelado na Constituição da República e em diversa legislação em vigor, mormente na lei que aprova o Acordo Geral de Paz (AGP), da Defesa Nacional, a lei que estabelece a tutela jurisdicional efectiva para a defesa do direito subjectivo público ou interesse legalmente protegido dos cidadãos, a lei que aprova o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, a Lei de Base da Organização e Funcionamento da Administração Pública, a Lei de Probidade Pública, a lei que aprova o Código Penal, entre outras.
Estas comissões constataram que o projecto apresenta, por outro lado, diversas lacunas e erros jurídicos de base, como por exemplo o facto de não apresentar o seu objecto e o âmbito, que constituem os primeiros artigos de uma lei e que são indispensáveis, pois têm em vista a definição clara da ideia do direito a criar e do escopo da lei.
Por outro lado, com excepção do artigo nove, sobre penalizações, o documento não apresenta epígrafes, que são fundamentais, porque explicitam, sistematicamente, o conteúdo de cada artigo, facilitando a apreensão dos seus conteúdos jurídicos.
Para esta comissão, a apartidarização das instituições públicas é um imperativo constitucional que não carece de uma intervenção legislativa mas sim do cumprimento e aplicação da legislação em vigor para o efeito aplicável e neste prisma os deputados têm uma responsabilidade acrescida de contribuir para garantir a divulgação, o respeito e o cumprimento das leis, e fiscalizar a sua aplicação.
“Outrossim, o Estado moçambicano dispõe de órgãos e instituições com dignidade constitucional, revestidos de poderes administrativos e jurisdicionais competentes para julgar e sancionar situações de violação ou desrespeito ao quadro jurídico atinente à apartidarização das instituições públicas”, sublinha a comissão.
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) submeteu ao Parlamento uma proposta de lei sobre apartidarização das instituições públicas, defendendo que o mesmo visa estabelecer os limites da actuação dos partidos políticos nas instituições públicas de modo a prevenir actos visando criar situações de privilégios ou discriminação com base na opção política dos cidadãos.
O documento, de nove artigos, defende que nenhum cidadão pode ser perseguido ou discriminado em razão da filiação partidária ou das opções políticas.
A proposição pretendia ainda proibir a criação e funcionamento de núcleos de partidos ou outras formas de organização similares em todas as instituições públicas de todos os níveis e nas empresas públicas ou participadas pelo Estado. A ideia, apresentada pelo deputado Silvério Ronguane, proíbe, por outro lado, o uso de símbolos de partidos políticos em cerimónias de Estado, de bandeiras partidárias, de grupos culturais partidários, de canções partidárias e de outras formas visando glória ou benefício a um partido.
“É proibido o uso do património do Estado, edifícios governamentais, meios circulantes do Governo, embaixadas e consulados da República de Moçambique no exterior para fins partidários”, refere o projecto, para depois proibir a colocação de dísticos e material propagandístico de actividade partidária e a realização de reuniões e encontros da mesma índole.
Comissão desnecessária
O PLENÁRIO da Assembleia da República (AR) considerou ontem desnecessária a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) proposta pela bancada da Renamo.
Para o mais alto órgão do poder legislativo do país, não faz sentido criar esta comissão para investigar uma matéria que já está a ser investigada pela Procuradoria-Geral da República e que já se encontra na fase de instrução preparatória, o que consubstancia uma ilegalidade orgânica, material e formal.
A tomada desta decisão foi feita através de uma votação, na qual a Frelimo votou contra o projecto com 133 votos e a Renamo e o MDM posicionaram-se a favor com um total de 73 votos.
Falando no espaço para a declaração de voto, o deputado Agostinho Lobato, da Frelimo, disse que a criação desta comissão é inoportuna, inviável e improcedente porque o assunto está a ser investigado pela PGR desde 1 de Outubro deste ano.
“A pretensão da Renamo não pode ser acolhida porque o assunto está a ser alvo de inquérito, numa fase avançada, por queixa do MDM”, frisou.
Por sua vez, a Renamo, na sua declaração de voto, disse que votou a favor porque não tem dúvidas que se trata de um negócio para saquear os cofres do Estado.
O deputado José Samo Gudo, que apresentou a declaração de voto, disse saber que o Governo do dia não quer que se saiba a verdade.
“A minha bancada não tem dúvidas de que se a PGR quisesse saber a verdade já teria notificado o antigo ministro das Finanças para dele apurar toda verdade”, referiu, para depois considerar o caso EMATUM como o maior escândalo financeiro do país.
Para o MDM, não faz sentido que o Parlamento não crie esta comissão, uma vez que a investigação que está a ser levada a cabo na PGR não fica afectada, daí que se posicionou a favor da sua criação.
Aliás, este posicionamento do plenário da AR vem corroborar com o parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade da AR, no qual refere que do ponto de vista orgânico deve-se respeitar o princípio da separação de poderes, pois o processo já está na fase de instrução preparatória e esta matéria é materialmente judicial, pelo que a AR não pode interferir na investigação judicial já em curso.
Segundo esta comissão de especialidade, cujo parecer foi inteiramente assumido pelos deputados da Frelimo nas suas diferentes intervenções em plenário, neste caso deve imperar o princípio de suficiência de acção penal, pelo que nele não pode ser objecto de uma outra investigação, ou seja, o mesmo caso não pode ser objecto de investigação por dois órgãos.
Do ponto de vista material não se pode realizar duas investigações paralelas para a mesma matéria, pois seria uma dispersão, duplicação e sobreposição de esforços, para além do facto de ao se desencadear uma investigação política paralela por parte da AR se podia perturbar e prejudicar a investigação jurisdicional da PGR, a qual já se encontra numa fase adiantada.
No que concerne ao ponto de vista formal, a comissão dirigida pelo deputado Edson Macuácua considera ser improcedente que o Parlamento crie uma comissão do género depois de ter conhecimento, através de um ofício da PGR, que a investigação em torno da matéria requerida está já em curso.
A bancada parlamentar da Renamo submeteu ao Parlamento uma proposta de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a EMATUM, tendo como base o facto de esta entidade empresarial ter sido criada debaixo de muitas dúvidas, particularmente no que concerne à dívida contraída no estrangeiro para a sua constituição, orçada em cerca de 850 milhões de dólares norte-americanos.
Esta dívida, segundo a proposta da Renamo, foi feita com o aval do Estado moçambicano, o que significa que esta deverá ser paga pelos impostos dos moçambicanos.
“Esta dívida diminui a possibilidade de recursos para o desenvolvimento da economia, das áreas sociais e das infra-estruturas do país”, justifica a Renamo.
Por outro lado, a “perdiz” afirma não haver clareza das respostas do Governo sempre que é confrontado com a matéria sobre criação desta empresa pesqueira.
“Numa das declarações, o Governo afirmou que aquele valor do empréstimo seria usado apenas para a concretização do objecto social da empresa, nomeadamente a pesca de atum; noutras afirmava que parte do valor seria também usado para a compra de material bélico para a defesa da costa”, diz o documento da “perdiz” na AR.
Neste contexto, a comissão deveria investigar a estrutura accionista da empresa; ver se a empresa é pública ou privada, uma vez que se constata que o valor da sua constituição do seu capital social é público mas a gestão da empresa é de natureza privada; apurar o valor real do empréstimo, taxa de juros, valor a reembolsar anualmente pela EMATUM e o valor a reembolsar pelo Estado.
A comissão teria de investigar ainda sobre o plano de pagamento da dívida pela EMATUM, plano de pagamento da dívida pelo Estado; resultados actualizados da pesca e venda; custos operacionais; viabilidade técnica e económica da empresa; lucros e sua contribuição para o Orçamento do Estado; e apurar as razões que levaram o Governo a criar a EMATUM para a compra de material bélico.
Ainda ontem o Parlamento adoptou, numa sessão que se prolongou pela noite dentro, o Informe da Comissão de Petições, Queixas e Reclamações; e reprovou a Moção de Reprovação às Respostas do Governo na Sessão de Perguntas ao Governo.
Fonte: Jornal Notícias – 15.12.2015
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