Editorial
[3/19/2006]
Por Salomão Moyana
O recente assassinato do deputado José Mascarenhas, na cidade da Beira, candidata-se, seguramente, a engrossar a já gorda lista de crimes macabros ocorridos neste País, nos últimos anos, sem que, no entanto, sejam conhecidos e punidos os seus autores.
A seriedade de um país é também avaliada pela qualidade das suas Forças de Lei e Ordem, isto é, pela qualidade e eficiência com que a Polícia desse país esclarece casos complicados, por exemplo, um assassinato, aparentemente, sem razão de ser.
Circulam, na praça, várias teorias sobre as razões da morte do deputado José Mascarenhas, sendo que a mais consistente é a que aponta que, nos últimos tempos, aquele deputado andava inquieto, andava a ser perseguido por pessoas estranhas, inclusivamente, já tinha comunicado esse facto a seus amigos e à liderança do seu partido, a Renamo.
Na véspera da sua partida para a zona Centro do País, para além de um “bilhetinho” de alguns recados deixado à família, José Mascarenhas mandou um envelope para um amigo seu, também da Renamo, contendo um bilhetinho que dizia o seguinte:“Amigo, sigo para a Zambézia para tratar assuntos pessoais. Como ando “acompanhado” temo que algo me aconteça. Deixo-te alguns cheques para....”. Já na Beira, Mascarenhas manda a sua última mensagem, via telemóvel, a um seu colega de Parlamento nos seguintes termos:“Estou a caminho da Zambézia. Tive que parar na Beira para resolver alguns problemas. Caso demore, irei pedir a suspensão do mandato. Como isto está quent,e com alguns patifes do poder....Caso não regresse...vá sempre em frente e não recue. Sucessos!”.
Segundo amigos e colegas do finado deputado, as expressões “isto está quente”, “ando acompanhado”, “estou a seguir seguido”, tinham-se tornado bastante frequentes no seu vocabulário dos últimos tempos, indicando que o deputado tinha consciência de que os seus dias de vida estavam numa contagem decrescente.
Mas, qual era o problema que o deputado Mascarenhas poderia ter para ser perseguido? Segundo seus amigos, houve momentos em que ele se referiu ao facto de não estar a ser perdoado pelo poder, em virtude de ter desertado do Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), cujos efectivos, desmobilizados após o Acordo Geral de Paz, estão, estranha e novamente, a ser chamados para voltar ao SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado).
Não temos elementos suficientes para formular juízos de valor definitivos em relação a possíveis motivações deste crime. Temos, apenas, a evidência de que, afinal, o próprio deputado já se tinha apercebido de que alguém lhe movia perseguição, alguém lhe controlava os passos, alguém estava descontente com a continuação da sua vida.
Isso, quanto a nós, é que é feio e perigoso numa sociedade democrática. É feio e perigoso que algumas pessoas continuem a privilegiar o crime como meio de solução dos seus problemas; que algumas pessoas continuem a decidir quando e como alguém deve morrer.
Pior ainda, quando as mortes são planificadas e executadas por instruções de alguém com algum poder sobre as forças que deveriam investigar o crime, fica, absolutamente, garantida a não-investigação desse crime, fica garantida a impunidade dos autores do crime.
Isso cria instabilidade social e jurídica aos cidadãos, isso desencoraja a participação cívica na vida política, isso envia a mensagem de que esta sociedade ainda está sob controlo de crime organizado, que escolhe e decide sobre as vítimas a abater em cada momento.
Revolta-nos constatar que a realidade sócio-política deste País esteja a regredir velozmente. Parece que estamos a voltar aos tempos do SNASP, aos tempos de grave limitação das liberdades fundamentais dos cidadãos, incluindo a liberdade de viver tranquila e livremente. Os cidadãos deste País não devem permitir essa regressão, devem fazer tudo ao seu alcance para que o País não volte ao passado negro. Temos que fazer muito esforço para que as actuais definições de prioridades de desenvolvimento não esmaguem as liberdades básicas dos cidadãos.
Por exemplo, quando se diz que o distrito passa a ser a alavanca do desenvolvimento, devemos ver, dentre várias coisas, a estrutura e a capacidade da sociedade civil distrital para dialogar e pressionar as autoridades a controlar eventuais excessos anti-democráticos locais. Já aconteceu isso noutros países, onde, em nome de aceleração do desenvolvimento económico, acabaram-se instalando autênticas ditaduras, eliminado-se, por completo, as liberdades dos cidadãos.
A Polícia de Moçambique deveria ser capacitada de forma a ter a competência e meios para esclarecer, em tempo útil, quaisquer que sejam as circunstâncias, em que crimes hediondos e encomendados, como o que vitimou o deputado Mascarenhas, ocorram. Isso é bom para a estabilidade social e democrática do País e para a segurança social e jurídica dos cidadãos. Ninguém gosta de viver num país em que os crimes se sucedem, mas os criminosos nunca são identificados e punidos.Exigimos justiça e um rápido esclarecimento do assassinato do deputado José Mascarenhas!
Salomão Moyana
http://www.zambeze.co.mz/zambeze/artigo.asp?cod_artigo=170115
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