A talhe de foice
Por Machado da Graça
A data em que esta crónica é publicada se torna quase obrigatória a temática da remodelação governamental.
Por muito que a tarefa se torne difícil, devido à falta de informação sobre o que se terá passado, nos bastidores, para levar a estas exonerações e nomeações.
Comecemos, portanto, pelo mais fácil: a exoneração de José Pacheco de Ministro do Interior.
Eu diria que as razões desta saída têm as suas raízes no dia em que ele aceitou ocupar o cargo, totalmente fora da sua formação profissional e, diz-me quem o conhece, da sua maneira de ser.
E o facto de ter iniciado a sua governação com uma auditoria às contas do Ministério, que acabou por levar à cadeia o seu antecessor, se lhe caiu muito bem na opinião pública, criou-lhe, sem a menor dúvida, amargos de boca fortíssimos nos anos que se seguiram. Os cancros no seio da Polícia são muitos, muito desenvolvidos e José Pacheco não pareceu ter a força e a determinação necessárias para cortar por onde devia cortar até ficar apenas tecido são. Os constantes assassinatos de polícias, ou entre polícias, a impunidade total do tráfico de drogas e dos assassinatos e outros crimes com ele relacionados, o aluguer de fardas e armas aos criminosos e a máquina de pura extorsão em que se transformou a Polícia de Trânsito são provas cabais do que estou a dizer.
A revolta popular de 1 e 2 de Setembro, com o seu cortejo de mortes a tiro, por uma polícia mal formada e mal equipada, terão sido apenas as gotas de água que fizeram transbordar o copo.
Mas José Pacheco é membro da Comissão Política da Frelimo e não podia ser posto, pura e simplesmente, na rua.
Como é de formação na área da agricultura, a solução foi sacrificar Soares Nhaca para lhe dar o lugar a ele. Esperemos que lhe sejam dados, também, os meios de que Nhaca nunca dispôs para exercer cabalmente o seu cargo.
De António Fernando pouco ou nada sei. De feitio reservado, a sua passagem pelo Ministério do Comércio e Indústria não se salientou por nada de particularmente positivo ou negativo. Num país em que a maioria do Comércio é informal e a Indústria quase foi completamente aniquilada pela abertura do nosso mercado à competição internacional, pouco terá feito, mas não sei se teria possibilidades de fazer mais. Os problemas estão, ao que creio, bem mais fundo, na estrutura da nossa economia, e ele geria apenas aspectos relativamente superficiais.
E chegamos àquilo que me parece um erro grave do Chefe do Estado: a exoneração de Ivo Garrido do Ministério da Saúde.
Ivo Garrido era, muito provavelmente, e merecidamente, o ministro mais popular deste governo.
Com vassouradas fortes e água a ferver limpou o deixa andar que era dono e senhor dos nossos hospitais. Um hospital pós-Garrido e um hospital pré-Garrido são duas coisas que não têm nada a ver uma com a outra. A higiene, o respeito pelos doentes e o profissionalismo substituiram a porcaria, a grosseria e a incompetência que reinavam por todo o lado.
Mas, é claro, para fazer esta transformação teve que pôr em causa e, muitas vezes, desmantelar, interesses instalados e corruptos. E se isso lhe fez ganhar o carinho do Povo, virou contra ele muitos dos seus colegas e subordinados. Que, como dizia o Emílio Manhique, lhe terão “feito a cama”.
No mesmo programa de rádio fiquei a saber que Ivo Garrido recusou a casa protocolar que lhe destinavam, bem como as viaturas oficiais. Continuou a viver na sua casa de sempre e a deslocar-se no seu carro particular. E gente desta é incómoda pelo “mau exemplo” que dá.
Outro aspecto de Ivo Garrido, a que já me referi outras vezes, é o facto de, no dia da explosão do paiol, ter sido o único dirigente deste país que vi a cumprir a sua obrigação, percorrendo os hospitais a saber a situação e a dar orientações, enquanto os obuses continuavam a cair ali bem perto, como por exemplo, no Hospital do Infulene.
Dizem-me que também durante a revolta popular do mês passado aconteceu o mesmo. E é nesses momentos que se percebe a diferença entre um Dirigente e um senhor qualquer que está ali mais para ganhar o seu do que por qualquer outra razão.
No momento da sua exoneração, Ivo Garrido disse considerar que cumpriu a sua missão, mas não a acabou.
Esperemos que o seu sucessor “os” tenha no sítio para não deixar o sector da Saúde descambar, de novo, para o que era e para terminar o que Garrido deixou incompleto.
Fonte: SAVANA - 15.10.2010 in Diário de um sociólogo
Talvez o problema está com o maquinista.
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