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sábado, julho 17, 2010

Inventariar depois do assalto

EDITORIAL do SAVANA

Deveria ter sido bem vinda a notícia posta a circular na semana passada, dando conta de que iria em breve arrancar mais um processo de inventariação do património do Estado. Vindos de uma sociedade onde o partido era o Estado, não era fácil determinar com exactidão quais eram os bens pertencentes ao Estado e os que eram do partido.
Com as mudanças operadas na ordem constitucional em 1990, seria de esperar que o cenário fosse alterado, tornando-se claro que todo o património herdado depois da independência, sobretudo edifícios, passasse automaticamente a pertencer ao Estado.
Mas os acontecimentos desta semana na cidade da Beira demonstram de forma inequívoca que tal não foi o caso. A Frelimo reivindica a propriedade de 17 edifícios que sempre foram considerados como pertencentes ao Conselho Municipal da Cidade da Beira.
Sendo a Cidade da Beira a “Catedral” da oposição à Frelimo em Moçambique, este assunto assumiu os contornos controversos que teve, tendo chegado ao conhecimento do público. Situações idênticas de usurpação do património público pelo partido Frelimo devem ter ocorrido, sem levantar nenhuma controvérsia, em todo o país.
De modo que a anunciada inventariação do património do Estado é um exercício que visa apenas legitimar um facto que foi se consumando de forma discreta, ao longo dos últimos 20 anos. Na verdade o que deveria ser prioritário agora não é a inventariação do património do Estado, mas sim o arrolamento de tudo quanto era património do Estado e que foi alienado, de forma não transparente, a favor do partido Frelimo. Consta que alguns dos 17 edifícios em disputa na Cidade da Beira foram construídos por entidades do Estado, e não pode fazer sentido que tais edifícios sejam agora entregues a um partido político.
É muito embaraçoso que um partido com a dimensão e experiência que a Frelimo tem, e que está envolvido em quase tudo quanto é negocio neste país, tenha que disputar a posse de umas casas com um pobre município que mais precisa dessas casas para a realização das suas actividades de interesse público. É mais embaraçoso ainda por se tratar do partido que exerce o poder do Estado ao nível central, e como consequência aquele que deveria estar mais interessado no sucesso da governação municipal, pois tal sucesso só serve para reforçar a ideia de um governo competente e comprometido com o bem estar dos cidadãos, estejam estes em municípios controlados pela oposição ou não.
O conflito da Beira voltou ao domínio do público precisamente um dia depois do fim de uma reunião dos secretários das células da Frelimo em todo o país, o que vem reforçar a posição daqueles que defendem o ponto de vista de que a Frelimo dos últimos cinco anos tem se esforçado em controlar o país como se se tratasse de sua propriedade privada. É simplesmente vergonhoso!

Fonte: Savana edicão de 16.07.2010 in Diário de um sociólogo

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