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sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Da desgraça de Paúnde

Editorial do Diário Independente

A nossa praça política necessita de se apetrechar de políticos verdadeiros, políticos que, ao falar, também eduquem as pessoas que os escutam, pois essa é, também, a responsabilidade distintiva de um bom político.
Porém, não é isso que assistimos da intervenção anti-constitucional e anti democrática proferida, semana passada, em conferência de Imprensa, na cidade de Nampula, pelo secretário-geral do Partido Frelimo, Filipe Chimoio Paúnde, quando, desgraçadamente, disse que as células do Partido Frelimo, no Aparelho de Estado, visavam “monitorar” a implementação do Programa Quinquenal do Governo, nas instituições públicas.
Tentando atribuir uma “base legal” àquela violação da Constituição da República, Paúnde disse que apenas o décimo congresso do seu partido é que pode revogar a decisão, ilegal, do nono congresso do Partido Frelimo de instalar e reforçar as células do Partido no Aparelho de Estado.
Só que as decisões e deliberações de um congresso partidário, numa sociedade democrática, devem ser tomadas à luz da autorização constitucional e legal, em pé de igualdade, com as demais forças políticas existentes no País.
Por outras palavras, nem na Constituição nem na restante legislação ordinária ou avulsa se vislumbra qualquer inferência a uma provável autorização legal para que partidos políticos constituídos se instalem, com carácter oficial, nas repartições públicas do País, pois, na prática, não seria exequível a disponibilização de tantas salas quantos os partidos políticos registados e com simpatizantes em cada repartição pública, para além de que isso, transformaria a repartição pública numa verdadeira arena de luta política e não num serviço de utilidade pública.
Aliás, a situação actual, embora apenas dominada por um partido, transforma a administração pública em espaço mono partidário, intolerante à diversidade de opinião política e, onde, descaradamente, alguns funcionários atendem ao público, envergando camisetes de propaganda política do Partido Frelimo, como se todos os cidadãos que acorrem àqueles services fossem militantes ou simpatizantes do partido governamental.
O Partido Frelimo devia ser exemplar na aplicação da legislação nacional aprovada em sede do Parlamento, onde ela é maioria absoluta, não permitindo actuações incoerentes e inconsequentes com a sua acção legislativa.
Assim, o Partido Frelimo deve mandar eliminar as suas células nas repartições públicas, cessando, consequentemente, a filiação obrigatória, na Frelimo, dos funcionários públicos que desejem progredir na carreira técnico- administrativa, pois isso é ilegal e inconstitucional, para além de ser enganoso, para a própria Frelimo, que fica com extensas listas de “militantes” forçados mas que, na hora da verdade, nem votam em si.
Paúnde diz que as células da Frelimo nas instituições públicas servem para “monitorar” a implementação do Programa do Governo. E para que servem os ministros, os vice-ministros, os secretários permanentes e toda a legião de directores nacionais pagos pelo erário público? Será que o secretário da célula, num Ministério, tem melhor visão sobre o plano quinquenal do que os funcionários acima citados?
Se calhar, Paúnde queria dizer que as células servem para “monitorar” quem ainda não é membro da Frelimo dentro do Aparelho de Estado ou, sendo membro, quem costuma relacionar-se com “pessoas estranhas”ao Partido, desencadeando, daí, falsos relatórios sobre a existência de “bolsas da oposição” na instituição, relatórios que, normalmente, culminam com a perseguição e exclusão de funcionários com opinião diferente.
Filipe Paúnde deve melhorar o seu vocabulário político, pois tem vindo a proferir, ultimamente, um considerável número de discursos esfarrapados, os quais embaraçam, politicamente, a postura da Frelimo.
Em entrevista recente a um semanário de Maputo, disse que o facto de o procurador geral da República, bem como os presidentes dos Tribunais Supremo e Administrativo, do Conselho Constitucional e da Assembleia da República serem oriundos da região Sul do País deve-se ao facto de o Sul ter, historicamente, mais gente formada, e com larga experiência, do que as regiões Centro e Norte do País.
Se essa explicação tinha alguma razão de ser entre 1975 e 1985, hoje, em 2010, trata-se de um discurso esfarrapado, próprio de quem só pesquisa quadros com experiência não no País real, mas dentre os militantes ferrenhos do seu partido.
É que no País, há várias dezenas de juristas de alto gabarito, com larga experiência, oriundos de todas as províncias de Moçambique, capazes de assumir, exemplarmente, aquelas funções. Aliás, muitos dos tais juristas foram colegas de carteira e de trabalho dos ora nomeados.
A nomeação dos actuais incumbentes daqueles cargos não tem, em absoluto, nada a ver com o que o Sr. Paúnde explicou à Comunicação Social, isto é, não foi por falta de quadros doutras províncias, foi por critérios políticos que, se calhar, ultrapassam a visão e a compreensão do secretário-geral do maior partido político moçambicano!
Aconselhamos ao Senhor SG da Frelimo para que, perante questões sensíveis da Unidade Nacional e da construção tem melhor visão sobre o plano quinquenal democrática, evite dar respostas públicas como se estivesse a dirigir-se a um grupo de militantes do seu partido, os quais nunca o questionam por disciplina partidária.
Nós, que não estamos vinculados à disciplina partidária nenhuma, achamos que o SG da Frelimo tem muito TPC por fazer antes de se dirigir ao público, pois o que diz, muitas vezes, contradiz o discurso oficial do seu partido e do Governo suportado por esse partido, criando a impressão de estarmos perante duas ou três Frelimos a coabitar no mesmo edifício na Rua Pereira do Lago.
Ser SG de um partido com a responsabilidade da Frelimo exige um empenho acrescido na auto-superação individual, por forma a poupar o público e o seu próprio partido dos arrepios provocados por um discurso esfarrapado, ilegal e incongruente, como o que tem vindo a ser proferido, ultimamente, por Filipe Chimoio Paúnde, o qual merece uma pronta reparação pública por órgãos competentes daquela formação política, sob pena de se induzir o povo moçambicano em erro de acreditar na sua veracidade.

smoyana@magazinemultimedia.co.mz

Fonte: Diário Independente - 10/02/10 - n°462

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