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domingo, dezembro 22, 2013

“Estou no mesmo sítio” – Entrevista a Afonso Dhlakama

“Estou no mesmo sítio, muito próximo dali onde estava, em Sadjundjira, a poucos quilómetros. Daqui basta-me levantar a cabeça e vejo os outros a andar. Como sabe, ali onde estive estava sempre a FIR (Força de Intervenção Rápida), mas nunca entrámos em confrontações. Os nossos homens bebiam e tudo, com a Frelimo. O Guebuza é que quis aquilo! No dia 21 de Outubro tentou matar o Dhlakama e agora está embaraçado porque não conseguiu”, começou assim a entrevista exclusiva que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, concedeu ao director do Canal de Moçambique quando eram 23 horas da noite de segunda-feira, 09 de Dezembro de 2013.
Na entrevista que nos concedeu, que temos gravada e durou 31 minutos, Dhlakama disse, em seguida: “Nunca tinha entrado na nossa cabeça que se declarasse um conflito como a guerra dos 16 anos”.
“Admiramo-nos quando (Guebuza) mandou o grupo dele para mandar matar o Dhlakama onde havia jornalistas e os do Observatório Eleitoral enviados dele. Foi uma tentativa de praticar um crime, mas agora está envergonhado por estarmos vivos e agora estarmos a reagir para eles enquanto querem ainda nos matar. Por isso gritam, no Rio Save, e gritam aqui na Gorongosa. Até há gente que diz: mas se a guerra está em Sadjundjira por que é que atacam no Rio Save? Atacamos no Rio Save porque é ali onde passam todos os miúdos treinados em Maputo, com blindados e com tanques para virem aniquilar a Renamo. E qualquer estratega pensa em diminuir a intensidade da logística de quem ataca.
Escreva que falo para si em exclusivo mas dentro em breve convocarei uma conferência de Imprensa.
Dhlakama-gorongoza
Canal – Podemos publicar já ou é sigilosa esta nossa entrevista?
Dhlakama – Não é nenhum sigilo. Já passa um mês e meio que estou caladinho.
Canal – Mas presidente: nós Canal de Moçambique/Canalmoz ouvimos dizer todos os dias que o senhor já não estava vivo.
Dhlakama – Então é melhor publicar já. Publique já! Amanhã mesmo. Diga: falei com o Dhlakama e ele estava com um tom de poder, com um tom de satisfação, com um tom de desprezo pelo Guebuza e pela Frelimo. Escreva que o Dhlakama acha que pode chegar o dia de morrer mas não vai ser a Frelimo que o há-de matar. Porque não vai conseguir!
E escreva ainda que da mesma maneira que não me conseguiram matar, durante 16 anos quando havia cubanos, alemães do leste, russos, tanzanianos e zimbabweanos, não seria hoje com crianças e miúdos com idade dos filhos dele que podem matar o Dhlakama.
Canal – Hoje segunda-feira, 09 de Dezembro de 2013, seria mais um dia de conversações, em Maputo, mas não houve.
Dhlakama – Sim. Não há nada porque tudo ainda não está organizado e porque o Dhlakama se lembra ainda do dia 21 de Outubro em que seria morto. Estas coisas primeiro devem ser bem organizadas! Ainda estou a lembrar-me do Guebuza que ataca o Dhlakama e depois marca reuniões em que a data do encontro é tudo uma confusão.

“Matar o Dhlakama é acelerar a revolução”

Canal – Mas o senhor acha que realmente o que o senhor Guebuza quer é matá-lo?
Dhlakama – Com certeza. Quer matar-me só que não está a conseguir.
Canal – Desculpe levar a conversa para este outro ponto: Acha que a Renamo acaba se o matarem?
Dhlakama – Se eu dissesse que sim estaria a seguir a estratégia do Caso Savimbi. Penso que não! O que posso dizer é que matar o Dhlakama é acelerar a revolução.
O Dhlakama tem generais mais novos. O Dhlakama já tem 60 anos mas tem rapazes que são generais com 35 anos, treinados pelo Dhlakama, que não haveriam de tolerar que me matassem. Se o Dhlakama tem tolerado durante estes últimos vinte anos ser atacado sem responder, de facto a geração nova de generais que o Dhlakama treinou e lutou com eles, esses podem surpreender o mundo e surpreender a Frelimo.

“A morte de Dhlakama não é o fim da Renamo”

A morte de Dhlakama não é o fim da Renamo, assim como a morte do André Matsangaice, em 1979, não foi o fim da Renamo. Podia ter desaparecido quando o André morreu. Agora com mais pessoas e generais que são mais radicais, em 24 horas podem pôr a Frelimo a desaparecer. Mas, se isso não acontece, é porque o Dhlakama tem outra formação, tem por natureza outro comportamento e é tolerante. A morte do Dhlakama deixou de ser um perigo que possa ditar o fim da Renamo.
Canal – Muitos observadores concordam com essa sua visão (de que a morte de Dhlakama não é o fim da Renamo) mas parece que o assalto a Sadjundjira de facto tinha o objectivo de fazer com que o presidente da Renamo deixasse de existir.
Dhlakama – Não, não, não, não! Não vamos dizer assalto a Sadjundjira. Vamos dizer ataque a Sadjundjira. Porque se eu for atacar o palácio não quero matar os filhos, nem a mulher, nem qualquer trabalhador; quero atingi-lo a ele, porque ele é que vive aí. E atacar Sadjundjira, o sítio onde todos os jornalistas vinham, não era um sítio escondido e até bebíamos cerveja com o administrador e os meus guardas. Éramos família. Num dia em que eu acabava de fazer um discurso sobre o 17 de Outubro em que falava do desenvolvimento de infra-estruturas, de eleições livres e transparentes, na presença de jornalistas de renome, atacam a minha residência. Não restam dúvidas que era uma tentativa de matar o Dhlakama para acabar com a Renamo como aconteceu com o MPLA e com a UNITA. Não acertou. Foi uma estratégia errada.

“Pazes com Daviz? Para quê?”

Canal – O senhor estaria disposto a fazer as pazes com Daviz Simango?
Dhlakama – Não! Para quê?
Canal – Muita gente, na opinião pública, defende que o senhor e o engenheiro Daviz Simango, sem terem que se juntar deviam fazer as pazes como o senhor fez com Raul Domingos.
Dhlakama – Mas eu vou dizer-lhe o seguinte: eu sei que o meu amigo apesar de ser branco é beirense. O Daviz é da Machanga e eu também sou de Chibabava e por natureza eu e o Daviz somos mandaus. Quem é que é mau? – Eu reconheço que o engenheiro Daviz Simango é um engenheiro da construção civil. Quem meteu o Daviz Simango na política fui eu, contra tudo e todos. Contra o meu partido, em 2003. O Daviz Simango andava em Inhambane a construir casas. Eu é que o fui buscar. Não por ser Ndau. Achei naquela altura que podia ser o nosso candidato na Beira, contra todos. Diziam-me que o pai é traidor. Mas o miúdo, com a ganância do poder estragou tudo. Eu é que disse ao povo da Munhava: votem neste!
Mas ele fez o que fez, falcatruas, começou a corromper-se e começou a estragar tudo. Pronto! E em 2008 dissemos que já não podia continuar como candidato. Eu Afonso Dhlakama não fui à Beira desmentir e pedir para que os beirenses não votassem nele. Ele continuou a dizer “Papa Dhlakama” e tudo…
Apesar de ser mandau ninguém votou no Manuel Pereira e eu nem apoiei a candidatura dele. Nem fui à Beira para dizer “abaixo o Simango” ou “agora viva o Manuel Pereira”.
Isto é para as pessoas entenderem bem. Ele tem de entender quem o meteu na política. Ele tem de reconhecer: o pai é o pai.
E veja lá!: os beirenses da Renamo, porque não quiseram que a Frelimo levasse a Beira, votaram nele (Daviz Simango). Não porque é boa pessoa…Mesmo aquele miúdo machuabo, Manuel de Araújo, sabe que o Dhlakama se quisesse pô-lo fora, podia. Os membros da Renamo porque não quiseram que o Município de Quelimane esteja com os comunistas, voltaram a votar nele agora.
Mesmo em Nampula as pessoas não foram votar, mas mesmo assim deram a vitória ao MDM. Era vingança: a Renamo não veio aqui mas nós não podemos deixar esses da Frelimo ganharem aqui. Tal e qual como aconteceu com o Venâncio, em Maputo. Se tudo tivesse corrido bem, havia de ganhar. Não tem nada a ver com o MDM. É tudo contra o Guebuza, porque a Renamo não concorreu.
As pessoas devem ter consciência de que é o fim do MDM no dia em que a Renamo concorrer.
Agora respondendo à sua pergunta: cabe ao Daviz pedir desculpa porque é um miúdo que nós criámos. Mesmo aquele irmão dele mais velho – aquele traidor – fui eu que pus na Assembleia da República em 1999 com a Renamo-União Eleitoral…foi ele que andou a aliciar os membros da Renamo para irem para o MDM. No dia em que o Dhlakama andar a mobilizar as pessoas, todos aqueles vêm e o MDM vai ficar a zero.
Agora se me perguntar: está disposto a fazer com que o MDM viva mais dez (10) ou vinte (20) anos, posso dar cinco (05) anos, posso dar vinte (20) anos, porque veja lá: não há sequer um que não tenha sido Renamo, a partir da Beira até Nampula !
Agora, eu posso dizer que no dia em que o partido e o Daviz, humildemente se “ajoelharem” porque ofenderam muita gente…É que ele tem dezasseis 4×4 e eu não tenho nem uma barraca…isso não é traição?

“Eu sei que a Frelimo já perdeu agora!”

Canal – Mas a questão que as pessoas põem vai para além de tudo o que se passou. As pessoas o que dizem é que, se a Frelimo, a Renamo e o MDM entrarem, se os três entrarem a Frelimo perde as eleições…
Dhlakama – Eu sei que a Frelimo já perdeu agora! Veja lá meu irmão: 80% não foi votar do Rovuma ao Maputo, nos Municípios. Não foi porque a Renamo andou a disparar e as pessoas pensaram que “se for votar vão-me matar”. 80% não foram votar e isso significa que as pessoas não estavam satisfeitas. Concordaram com os argumentos da Renamo. Se a Renamo tivesse ido a eleições limparia tudo isto! Você como jornalista e todos podem ver que a Renamo conseguiu que as suas políticas fossem concordadas pela maioria.
Canal – O senhor acha que a abstenção é uma resposta ao seu apelo, ao apelo da Renamo?
Dhlakama – Sim, senhor!!! Afinal de contas você viu alguém atacar a Beira ou atacar aonde para as pessoas não irem votar? Foi uma questão política! E votando como não o regime não vai mudar. Por isso a maioria não foi votar. Meia dúzia foi votar. Os que não foram votar foram organizados por um partido organizado. Não foi preciso dizer a quem vai votar que vamos matar. E se andássemos a disparar em redor ninguém mesmo teria ido votar.
A Renamo demonstrou que se votarem o regime mesmo assim vai continuar.  Se a Renamo tivesse concorrido, seria o fim do MDM.
Agora quando me pergunta se o Dhlakama e o Daviz Simango podem fazer as pazes, dependerá dele como miúdo que tentou trair o próprio pai.

Guebuza vai sair se não vão matá-lo

“A Frelimo já o mandou passear”
Canal – Acha que o senhor Guebuza vai mesmo deixar a Presidência ou vai tentar se impor?
Dhlakama – Eu sei que vai deixar, porque se tentar impor-se vão lhe matar. Ele vai deixar. A partir do dia 22 vai deixar.
O que (Guebuza) pode fazer é tentar impor a sua influência, tentar pôr uma Teresa ou uma Maria qualquer que vai obedecer a ele e quando for eleito não venha a levar Guebuza para a prisão, por causa dos roubos. De certeza que Guebuza não vai concordar com figuras importantes que lhe possam complicar se for presidente da República. Mas ele vai deixar (o cargo de Presidente). Vai ter de deixar porque se não vão-lhe fazer como fizeram noutros países.
Canal – Falou no dia 22. O que quer dizer esse dia 22?
Dhlakama – Eu sei que dia 22 (deste mês) vai começar a reunião do Comité Central (da Frelimo) que tem dois pontos de agenda. PONTO UM: analisar por que é que a Frelimo teve derrota e por que é que as pessoas não foram votar no dia 20 de Novembro. PONTO DOIS: a indicação do substituto como presidente do partido Frelimo.
Canal – Já ouviu alguma coisa sobre o possível substituto do senhor Guebuza?
Dhlakama – Não!! Eu sei que há muitos candidatos. Sei que há candidatos do Partido Frelimo e depois há os candidatos da preferência dele como pessoa. Em África às vezes os comunistas fazem isso; não dão liberdade ao partido. Pensam em continuar a mandar. Mas a Frelimo já o mandou passear. Ele tentou fazer essas brincadeiras mas acho que já não consegue. Tentou ter as Forças Armadas, o SISE, os funcionários. Ele estava apostado em pessoas sujas, como ele, corruptas e analfabetas. Mas eu não sou membro da Frelimo para fazer juízos. Apenas estamos a acompanhar isso.
Paz ainda este ano?

“A guerra dos 16 anos durou muito porque não havia investimento estrangeiro”

Canal – Presidente Dhlakama, acha que vamos ter paz este ano?
Dhlakama – Vamos ter!
Canal – Este ano?
Dhlakama – Este ano pode não ser, mas em Janeiro ou Fevereiro vamos ter. Sabe? Eu estou convencido! Sabe por que é que eu estou motivado?
Canal – Diga, diga!…
Dhlakama – Os americanos estão a fazer a prospecção de gás e petróleo na Bacia do Rovuma. Os navios norte-americanos por dia estão a gastar 01 milhão de dólares. Já andam nisto há muitos meses. Num mês gastam trinta milhões de dólares ou mais. Mesmo os brasileiros, da Vale, e os australianos, da Rio Tinto, em Moatize/Tete estão a gastar muito a investir. Nas areias pesadas, em Moma, estão a gastar muito. Várias prospecções estão a ser feitas por franceses, britânicos, portugueses…eu não quero por isso aceitar que esses países permitam que a Frelimo continue a fazer desmandos para obrigar a que a Renamo destrua tudo.
A guerra dos 16 anos durou muito porque não havia investimento estrangeiro. Era tudo estatal ou para-estatal. Por isso os zimbabweanos entraram para destruir tudo ao proteger o Corredor da Beira. Por isso tanzanianos e cubanos entraram. Hoje a comunidade internacional não vai permitir que alguém entre para destruir um, cinco, dez biliões de dólares investidos, antes de haver retorno. Quer na Renamo, quer mesmo os grandes quadros da Frelimo já têm carpintarias, moageiras, muitas coisas e não querem que essas coisas sejam afectadas pela guerra.

Mensagem aos soldados governamentais

“Estão a morrer para manterem Guebuza no poder, a roubar tudo em Moçambique”
Canal – Tem alguma mensagem para os soldados governamentais?
Dhlakama – Abandonem a luta contra a Renamo porque é uma luta sem justificação!
Canal – Acha que já estamos em guerra civil?
Dhlakama – Não estamos em guerra civil porque os jovens nem sabem, nem estão a entender por que é que estão a lutar. Estão a lutar só para defenderem os interesses do Guebuza e das suas filhas(os).
Todos os militares sabem que aqui em Sadjundjira fogem 30 a 40 por dia; em Casa Banana, em Marínguè, mesmo na Ponte do Rio Save 20 a 30 fogem por dia, outros vão presos, outros largam as armas e vão para o Zimbabwe e para a África do Sul porque não entendem por que é que estão a morrer.
Sabem que estão a morrer para manterem Guebuza no poder, a roubar tudo em Moçambique. É totalmente diferente de guerra civil.
Canal – O que é que os civis devem fazer entre Muxúnguè e o Rio Save? Devem deixar de passar ou podem continuar a passar desde que não tenham nas suas viaturas soldados ou polícias?
Dhlakama – Meu amigo. No dia 17 de Outubro fiz uma declaração a desafiar o Governo da Frelimo para deixar de haver colunas. Com uma BTR à frente a 150 kms, depois deixam os carros sozinhos. É atacada e depois pegam numa criança e dizem que a Renamo atacou civis…
Eu gostaria que declarássemos cessar-fogo entre Muxúnguè, Chibabava, minha terra, até ao Rio Save porque aquilo não significa nada; é só um negócio sujo… Não serve para nada. Os camiões são obrigados a pagar aos militares para correrem e deixarem os carros sozinhos. A Renamo não ataca civis, ataca militares.
E ataca militares porque a maioria que escraviza o Centro e o Norte provém da Região Sul. Vêm para paralisar ou matar os “chingondos”. Qualquer general sabe que se deve fechar o caminho por onde passa a logística de quem ataca.
Os civis devem saber que é por ali que passa a logística de quem vem atacar Sadjundjira e Dhlakama.
A Frelimo faz campanha e diz que a Renamo não é nada. Depois um civil morre. Devem saber que essa propaganda é conhecida!
Todos os generais sabem, generais americanos, franceses…sabem que um exército quando está a perder leva crianças e mulheres grávidas para dar a entender que “aqueles do mato é que estão a matar”. Mas não é isso: o que se passa em Muxúnguè é um negócio que a Frelimo está a fazer. No dia em que deixar de passar a logística da Frelimo para virem atacar em Sadjundjira, a Renamo e Dhlakama, os civis vão poder passar à vontade. Aliás, a guerra acabou em 94. Em 22 anos de guerra nunca fechámos o Save. Agora fazemos isso porque a Frelimo nos ataca e veio atacar Sadjundjira.



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