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quarta-feira, março 20, 2013

A morte de Macie e longa história da brutalidade policial


EDITORIAL do Savana


As circunstâncias em torno da trágica morte do nosso irmão Emídio Macie, nas mãos de oito agentes assassinos pertencentes à polícia sul-africana, trouxeram uma rara expressão de unidade entre os moçambicanos, à medida que estes iam manifestando o seu sentimento de revolta perante o triste acontecimento do último dia de Fevereiro.

Mesmo que o eleitoralismo também tenha mostrado a sua face oculta, foi fácil compreender que é também nestes raros momentos de pesar, que os políticos aproveitam para fazer as suas campanhas não solicitadas.
Os familiares em luto, simplesmente pouco ou nada têm a fazer, ao ver a sua tragédia transformada numa plataforma política para atrair votos.
Na verdade as imagens de um vídeo amador que correram o mundo inteiro, deixaram qualquer ser humano racional a questionar se aquilo não podia ser a cena de um filme retratando algum episódio dos primórdios da colonização em África.
Ao mesmo tempo que clamavam pela retaliação, alguns moçambicanos encontravam naquele acto macabro mais uma evidência do sentimento de xenofobia que os sul-africanos, com um prazer sádico, nutrem pelos moçambicanos.
Mas, é preciso ir mais a fundo e tentar encontrar razões naquilo que pode ser descrito como o sindroma de mudança sem transformação.
Apesar da liberdade ter sorrido para a maioria da população da África do Sul em Abril de 1994, algumas instituições do anterior regime do apartheid mantiveram-se intactas do ponto de vista estrutural e nos seus métodos de actuação, como se nada tivesse mudado.
Uma dessas instituições é, sem dúvida, a polícia, incluindo a entidade governamental a que ela se subordina, o Ministério do Interior, que também tutela os serviços de migração. O modus operandi da polícia sul-africana continua a ser o mesmo daquela polícia que em 1960 massacrou 69 manifestantes negros em Sarpeville, dizimou cerca de 700 jovens estudantes em 1976 no Soweto, aquela mesma polícia que em 1977, nas suas celas, espancou até à morte o fundador e líder do Movimento de Consciência Negra, Steve Biko.
Emídio Macie não foi morto por ser moçambicano. Ele morreu nas mãos de uma força policial que acredita nos velhos métodos de brutalidade como forma de afirmar a sua autoridade. Não reconhecer este facto seria o mesmo que confundir os vários casos isolados de extorsão de turistas sul-africanos pela nossa polícia como o reflexo de uma pré-disposição generalizada dos moçambicanos contra os sul-africanos.
Muitos sul-africanos não confiam na sua própria polícia e a questão da brutalidade da polícia está no topo da agenda das diversas organizações cívicas daquele país. Testemunham isso as diversas manifestações populares de protesto, registadas na sequência da morte de Emídio Macie.
Em 2011, durante uma manifestação contra a fraca prestação de serviços municipais num distrito de Bloemfontein, e numa cena reminiscente da morte de Emídio Macie, um grupo de cerca de dez agentes da polícia foi filmado a agredir um indivíduo de nome Andries Tatane, antes de o matar friamente a tiro.
Num dos episódios mais emblemáticos da inexorável brutalidade da polícia sul-africana, 34 trabalhadores foram mortos em Agosto passado durante uma greve na mina de platina do grupo Lomnin, em Marikana.
Evidências recentes revelam que a maioria das vítimas foram colhidas de balas pelas costas, o que significa que estavam a fugir, não representando, por isso, qualquer perigo.
E muito recentemente, não nos podemos esquecer do oficial da polícia inicialmente encarregue de investigar o caso de homicídio envolvendo o atleta olímpico e para-olímpico Oscar Pistorius e a sua namorada Reeva Steenkamp. O referido oficial, Hilton Botha, esqueceu-se de usar as suas botas protectoras para chegar ao local do crime. O seu acto ofereceu à defesa de Pistorius uma oportunidade espectacular de tentar desacreditar todas as provas apresentadas pela acusação.
O oficial viria subsequentemente a ser afastado do caso, mas não antes de se saber publicamente que ele próprio era arguido num processo-crime por sete acusações de tentativa de homicídio, resultante de um incidente em que em 2011, abriu fogo contra uma viatura transpotando sete pessoas.
Os nove agentes acusados da morte de Macie dificilmente poderão escapar a uma condenação que os manterá durante alguns anos privados de liberdade e obrigará a corporação a pagar milhões de randes em indemnizações, mas enquanto as causas deste e de outros incidentes similares não forem directamente confrontadas pelas autoridades sul-africanas, o caso será apenas um episódio numa triste longa metragem.

Fonte: Savana – 16.03.2013

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