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quinta-feira, novembro 29, 2012

Mursi 'matou' a Primavera Árabe no Egipto, dizem analistas


A decisão do presidente do Egipto, Mohammed Mursi, de aprovar um decreto que ampliou os seus poderes levou muitos analistas a criticarem o mandatário egípcio e o acusarem de "matar" a revolução no país. Segundo a imprensa e especialistas, ao aprovar a medida que impede que qualquer pessoa desafie os seus decretos, leis e decisões, o presidente Mursi "traiu os ideais da Primavera Árabe" e pode transformar-se num novo ditador, como o seu antecessor, Hosni Mubarak.


A medida de Mursi gerou um conflito entre os poderes Executivo e Judiciário no país. Juízes do Conselho Superior de Magistratura do Egipto acusaram o presidente de praticar um "ataque sem precedentes" contra o poder judiciário.
Manifestações tomaram conta das ruas das principais cidades do país, incluindo a capital, Cairo. No último domingo, confrontos entre opositores e simpatizantes de Mursi provocaram a morte de uma pessoa e causaram 60 feridas.
"Foi difícil para alguém imaginar o presidente Mursi fazer o que ele fez. Mas a realidade é que agora o presidente está acima de todas as autoridades. E todas as leis, decretos e declarações não podem ser canceladas por qualquer corpo governamental ou político", disse o analista Hassan Nihan, cientista político da Universidade do Cairo.
Mursi encontrou-se com juízes do seu país na última segunda-feira, dia 26, na tentativa de pôr fim à crise que tomou conta do Egipto. Ele assegurou que os seus poderes presidenciais seriam limitados a "assuntos soberanos" e de protecção das instituições egípcias, segundo informou o seu porta-voz. Ainda de acordo com o porta-voz, Yasser Ali, Mursi disse aos membros da Suprema Corte que a independência judiciária seria respeitada.
Ele disse também que o decreto seria mantido para "proteger a revolução", apesar de várias lideranças da oposição, entre eles o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, organizações de activistas de direitos humanos e democracia terem protestado para que o decreto fosse cancelado.
"As declaraçõers de Mursi terminam de vez com a Revolução de 25 de Janeiro (levantamento popular em 2011 que derrubou Hosni Mubarak) e inaugura de vez o regime da Irmandade Muçulmana (ao qual pertence Mursi), tornando o presidente acima da lei e um novo ditador", salientou. Apoiantes de Mursi alegam que o decreto foi necessário para proteger a revolução contra um Judiciário que teria ainda fortes ligações com o ex-presidente Hosni Mubarak.
Golpe suave
Para o analista independente egípcio Mohamed Maher, os últimos dias estão a ser marcados pelo nascimento de um "novo tipo regime" no Egipto, com poderes quase absolutos para o presidente Mursi. "Mursi não completou nem cinco meses no cargo e, sem qualquer evento provocativo, enterrou a revolução egípcia e deu um tiro certeiro no coração da Primavera Árabe", enfatizou Maher. "A impressão que fica é que tudo vinha sendo planeado, desde quando o presidente dispensou o conselho militar que governava o país até então e, aos poucos, manipulou os eventos para um golpe de Estado, um golpe suave, que pegou todos de surpresa", completou o analista.
Manifestações anti-Mursi aconteceram no Cairo, Alexandria, Suez, Minya e outras cidades ao longo do delta do Nilo na terça-feira, dia 27. Na praça Tahrir, berço da revolução e protestos contra Mubarak, comícios contra o presidente continuaram no dia seguinte. A Irmandade Muçulmana também organizou manifestações em apoio ao presidente.
"Se Mursi não reverter a sua decisão nos próximos dias, o Egipto poderá entrar num período de tensões e a sua jovem democracia poderá chegar ao fim", disse Maher. Ele também explicou que se a tensão prosseguir por um longo período, os egípcios poderão testemunhar decretos do governo para intimidar e controlar a mídia, a remoção de juízes e administradores e o controle mais intenso de empresas estatais. "Teríamos, então, um novo regime ditatorial".
Polarização
Colunistas políticos do Egipto falam numa forte polarização na política do país, tornando-o mais dividido que nunca - de um lado, um presidente com agora poderes absolutos, apoiado num movimento religioso (Irmandade Muçulmana) que acredita representar a imensa maioria dos egípcios. Do outro, a oposição, agora mais unida do que nunca, mas sem força para obrigar o presidente Mursi a mudar de curso.
"Sem um parlamento em actividade (foi dissolvido pelo conselho militar), o presidente Mursi é o Executivo, Legislativo e também o Judiciário. A polarização só vinha aumentando e agora está mais clara e evidente", escreveu na sua coluna o editor de opinião do diário Egipto Independente, Tamer Wagih.
"Na ausência de um parlamento, a única instituição que vinha desafiando o presidente era o Judiciário. E por conta disso, alguns ex-integrantes do antigo regime conseguiram manter-se nos seus postos por ordens judiciais, o que contrariou Mursi e a Irmandade", completou Wagih na sua coluna.
Para o analista Hassan Haslan, do Centro Al-Ahram para Estudos Estratégicos e Políticos no Cairo, o cenário é ainda muito difícil para qualquer parte agir contra o outro. "Não é de interesse da Irmandade que Mursi acabe com a oposição e consolide o seu poder, sob pena de ambos serem vistos como fracos e que recorreram à ditadura para mostrar força. E a oposição não tem poder suficiente para mobilizar as massas contra o presidente, pois está fraccionada entre liberais, esquerdistas revolucionários e simpatizantes do antigo regime de Mubarak".
Segundo Haslan, as alas estudantis e revolucionárias da oposição temem que se Mursi for enfraquecido demais por conta de levantamentos populares, a classe dominante e membros do antigo regime possam usar o momento para lançar um golpe. "É praticamente impossível, portanto, que a Irmandade e Mursi consolidem total poder no Egipto, assim como será inviável para a oposição apostar em tentativas de tirar o presidente do poder sob pena de uma ditadura ainda pior". "As acções de Mursi são claramente uma aposta política, e ainda não sabemos como os militares e a polícia reagirão a longo prazo", disse o analista. "Mas, por hora, previsões no Egito são muito incertas".
Por Tariq Saleh

Fonte: Rádio Mocambique - 29.11.2012

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