Páginas

terça-feira, junho 28, 2011

A cesta básica e o discurso de capitulação

Por exemplo, Alberto Chipande disse que durante a guerra, os combatentes da Frelimo não pediam comida, produziam-na. Mas alguém se esqueceu de lembrar ao veterano da Luta de Libertação Nacional que, no caso da cesta básica, ninguém a pediu ao Governo. Foi o próprio Governo que a inventou e a anunciou às populações, mas que, depois, lhe faltou coragem para vir dizer às mesmas populações que já não a ia dar

Depois da exclusiva revelação por parte deste jornal de que o Governo tinha, secretamente, deixado cair a cesta básica, assistimos, esta semana, a um coro de vozes argumentando a favor desta decisão. Desde o Niassa, onde está o Presidente da República, em presidência aberta, até à Escola do Partido, onde o veterano Alberto Chipande deu palestra para falar de... Samora, passando pela perturbadora investida do ministro da Indústria e Comércio ao Telejornal da TVM, na sexta-feira antepassada, todos insistiram na tese de que o país está estável, não há necessidade da cesta básica. Como se alguém tivesse saído à rua a exigi-la.

Por exemplo, Alberto Chipande disse que durante a guerra, os combatentes da Frelimo não pediam comida, produziam-na. Mas alguém se esqueceu de lembrar ao veterano da Luta de Libertação Nacional que, no caso da cesta básica, ninguém a pediu ao Governo. Foi o próprio Governo que a inventou e a anunciou às populações, mas que, depois, lhe faltou coragem para vir dizer às mesmas populações que já não a ia dar. Não fosse este jornal, e até hoje, as populações estavam na expectativa. Isto é que não é aceitável em quem governa. Reagir no lugar de agir.

Por outro lado, no dia 29 de Março, o ministro Aiuba Cuereneia anunciou a criação da cesta básica como uma decisão do Conselho de Ministros, posteriormente sufragada em comunicado oficial daquele órgão. Até hoje, no entanto, não consta que esta decisão tenha sido revogada por outra decisão do mesmo Conselho de Ministros. Pelo que, para todos os efeitos, continua válida a de 29 de Março.

Outrossim, a cesta básica era um mecanismo direccionado às populações carenciadas. Ela vinha substituir um outro mecanismo de subsídio que já estava em vigor, desde Setembro do ano passado, mas que era generalizado – subsidiava a todos (os que precisavam e os que não precisavam) no pão, por via da farinha de trigo, e na batata, tomate, cebola e ovos, pela manutenção dos preços de referência abaixo dos reais para cobrança de direitos aduaneiros e IVA.

Nessa altura – Setembro de 2010 - quando tomou esta decisão de subsidiar os alimentos, o Governo não se tinha, pelos vistos, apercebido que a solução era produzir e não subsidiar. Tal como não se tinha apercebido disso quando subsidiou os “chapas” ou quando deu 180 milhões de dólares às gasolineiras, em apenas um ano, em subsídios. Como a nossa memória é curta!

De igual modo, a fundamentação que norteou a decisão de não ir avante com a cesta básica, conforme os documentos que, oportunamente, divulgámos através deste jornal, não é coerente com os argumentos, publicamente, defendidos pelos nossos governantes para não avançarem com a cesta básica. Os documentos falam em adiar a implementação da medida para ““permitir uma reflexão mais aprofundada sobre os seus custos, abrangência e impacto”, estas últimas duas palavras (abrangência e impacto) convergindo, integralmente, nas muitas críticas que se fizeram à proposta e a primeira (custos) esbarrando na inesperada crueldade dos números para executá-la.

Uma coisa deve ficar clara: um Governo é soberano de tomar decisões e depois recuar. Não é propriamente isso que está em causa. O que está em causa é o não saber assumir o recuo, esconder-se em justificações desajustadas, pondo em causa a inteligência das pessoas.

Voltando ao jargão do “produzir mais”, é interessante como nos estamos a especializar na enunciação retórica. Todos, governantes e governados, falamos da necessidade de produzir mais, mas poucos são os que, de facto, apontam a forma como isso deve suceder. Todos nós dizemos que temos um país rico em terra arável, com gás, carvão, ouro, quiçá petróleo, localização estratégica, e sabe-se lá o quê mais. No entanto, a realidade nua e crua é que somos pobres, não conseguimos satisfazer as nossas necessidades. E isto é que conta, no dia-a-dia de cada moçambicano... se os outros produzem mais, não é, certamente, por terem mais sorte.

Ainda esta semana, o procurador-geral da República fez um perturbador discurso sobre o crime organizado, no país. Diz Augusto Paulino que Moçambique é rota do tráfico de drogas e pessoas; que a economia nacional não tem capacidade para sustentar a face que ostenta – condomínios, casas e edifícios de escritórios verdadeiramente cintilantes, muito disso, segundo o PGR, fruto de lavagem de dinheiro; que o crime organizado controla os poderes judicial, legislativo e executivo. Dito de outro modo: são os bandidos que controlam o Estado moçambicano (cumpre-se, assim, a profecia de Teodato Hunguana)!

Tudo isto, no entanto, não é novo para o comum dos cidadãos. Muitos comentam à socapa, nas conversas de café, praticamente todos os dias.

Mas, sem dúvidas, é assustador, assombroso mesmo, quando vem do guardião da legalidade. Porque, de repente, nos damos conta de que muita da estabilidade de que nos orgulhamos pode, muito bem, estar a ser alimentada por estas fontes ilícitas.

Diagnosticado o problema, segue-se a questão central: que margem tem um Estado tomado para se desenvencilhar do colete de forças e impor-se a inimigo tão poderoso? O PGR acrescenta que as nossas instituições de Justiça não têm o mesmo privilégio no acesso aos meios, relativamente a outras instituições do Estado; que são o David perante o Golias; que a principal arma de repressão do Estado – a polícia – não está sequer tecnicamente preparada e equipada para a hercúlea tarefa que tem à sua frente.

A um ano do final de um mandato que criou enormes expectativas, será este um discurso de capitulação do Estado, senhor PGR?

PS:

A FMF vai, próximo mês, a eleições. Pouco, no entanto, até agora, debate-se sobre o que verdadeiramente se ganhou, nos últimos quatro anos do mandato de Feizal Sidat. À data das eleições, faltarão apenas três meses para o final do mandato. Por que não reina sensatez, adiam-se as eleições por alguns meses e, no entretanto, convoca-se uma espécie de Conferência Nacional para debater o futebol moçambicano, seus caminhos e perspectivas? Uma espécie de uma Agenda Nacional para o Futebol, cuja implementação seria independente de elencos que vierem a ser escolhidos? O Estado bem que pode dar uma ajudazinha nesta ideia. Durante muitos anos, o nosso Estado não se deu ao tempo, infelizmente, de perceber a verdadeira dimensão social deste jogo mágico e deixou-o resvalar para a situação em que, hoje, está. Quanto mais se demorar, pode ser tarde, muito tarde....

Fonte: O País online - 25.06.2011

Sem comentários:

Enviar um comentário