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quinta-feira, dezembro 23, 2010

O grito de Graça Machel: estão a isolar o Presidente

Por Lázaro Mabunda

Podemos chegar à conclusão de que o isolamento a que o Chefe do Estado está, eventualmente, sujeito, reflecte a opção e o desejo do próprio Presidente. Para mim, não faz sentido manter, no poder, as pessoas que o isolam, sem que tal isolamento seja uma opção própria.

Graça Machel, esposa do primeiro Presidente de Moçambique, fez revelações interessantes no programa “Grande Entrevista” da STV, reproduzido no Jornal O País, na última quarta-feira. O Presidente da República encontra-se isolado pelos seus ministros, o mesmo que aconteceu com Samora Machel. Eis o que disse: “Eu não gosto da ideia de isolarem o Presidente e fazerem dele o único responsável pelos problemas deste país. Eu tenho autoridade para falar disto porque já tive um marido presidente, fizeram isto com Samora, isolaram-no. Não se pode concentrar as responsabilidades e os desafios do nosso país numa só pessoa, isso não é positivo. E como disse, já vi isso acontecer directamente”. Mais, adianta o seguinte: “Eu vejo o Presidente a fazer as presidências abertas, a discutir, a ouvir o povo. Mas gostava de ver aquilo dos ministros e no mesmo grau de debate, de discussão e de resolução dos problemas dos agricultores, dos trabalhadores das indústrias, das pesca, etc... Quando o Presidente fala numa certa comunidade, toda a nação escuta. Os ministros devem falar nos vários sectores para o país ouvir e compreender melhor as suas estratégias. Nesta batalha contra a fome, não os vemos. Para os entender é preciso ir à internet, mas quantos milhões de cidadãos não vão à internet? Estamos numa sociedade onde é preciso falar alto e muitas vezes, por parte dos ministros e dos deputados”.

As declarações de Graça Machel, uma figura de peso e uma autoridade no país, são tão importantes quanto fundamentais para se perceber o que há muito era imperceptível. Há muito que se questionava por que este Governo, contrariamente ao de Joaquim Chissano, se revela incongruente, incoerente e oscilatório nos momentos de decisão. Afinal, o Chefe do Estado foi isolado pelos ministros que ele mesmo escolheu e os nomeou para aqueles cargos. No entanto, não ficou claro por que as pessoas que ele indicou para juntos trabalharem, no sentido de encontrarem soluções para os males que enfermam o nosso país, isolaram-no. Recorrendo à teoria das versões, podemos chegar à conclusão de que o isolamento a que o Chefe do Estado está, eventualmente, sujeito, reflecte a opção e o desejo do próprio Presidente. Para mim, não faz sentido manter, no poder, as pessoas que o isolam, sem que tal isolamento seja uma opção própria.

Na verdade, as revelações de Graça são ilustrativas das contradições existentes nos discursos políticos dos nossos governantes. Trata-se de contradições só a nível de um governo em que cada ministro se confina nas acções do seu ministério, ignorando, por completo, a multissectoriedade das acções governamentais, um factor vital para a solidariedade entre sectores.

A prova disso é o pronunciamento do ministro da Agricultura, José Pacheco, após o informe do Chefe do Estado sobre o Estado da Nação, esta semana. Em “flash interview”, Pacheco disse que o seu sector ainda iria “estudar o informe de Sua Excelência”. Isto demonstra que os próprios ministros não sabiam do que o Chefe do Estado iria falar à Nação, o que é grave, se se partir do pressuposto de que os ministros são, por excelência, os assessores do magistrado número 1 desta nação. Quer dizer, o Estado da Nação foi uma surpresa para os próprios ministros, não tendo havido, antes, uma análise, em conjunto, do documento. Pensava, erradamente, que o Informe do Chefe do Estado era, também, resumo dos informes dos ministros sobre o que aconteceu nas suas áreas durante o ano e os seus desafios.

Fazendo leitura das declarações de Graça, pode concluir-se que os lapsos que o Presidente da República cometia não passavam de simples armadilhas que os próprios ministros montavam para ele. Ele recebia maus conselhos. Isto faz lembrar-me o duplo papel que os Serviços Secretos russos desempenhavam ao serviço dos americanos. Sob assessoria americana, preparavam países que faziam parte da União Soviética para iniciarem uma guerra e, em seguida, iam ter com os presidentes russos, nomeadamente, Mikail Gorbachev e Boris Yaltsin, para os aconselhar a enveredarem pela atribuição da independência a esses países, com o argumento de que a Rússia não tinha condições para entrar numa guerra. E assim foi-se destruindo a Rússia.

Este truque foi travado por Vladimir Putin, quando a Rússia já tinha entregue a Tchetchénia. Putin, que já sabia da estratégia, quando foi aconselhado por Alexander Letvinenko (espião russo que viria a exila-se na Inglaterra e morto por envenenamento pelos serviços secretos do seu país) a dar independência a Tchetchénia, respondeu que nunca faria isso e que “sei a quem vocês estão a servir”, referindo-se a americanos e “aviso: quem não está comigo, está contra mim”. E “quem não está comigo vai partir para o exilo”. Porque não era opção de Putin ser isolado pelos seus inferiores hierárquicos, iniciou o desmantelamento do sistema montado pelos americanos dentro dos Serviços Secretos russos.

Creio que seja o que está a acontecer neste Governo, a ser verdade o que Graça disse. Cabe a Guebuza manter isolamento caso seja sua opção.

Fonte: O País online - 23.12.2010

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