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terça-feira, novembro 30, 2010

Levem Também o Chiveve!

Por Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas


“Agora são mais democratas que a democracia” – Heliodoro Baptista in “Moçambique, encontro com escritores”

“Estamos em Moçambique ‘nkulu’ (irmão, amigo ou ‘mais velho’, dependendo do contexto em que se aplica o termo, nas línguas sena, nyandja, ngoni, ndau, chona)”. Foi a resposta dada por um académico e analista da política doméstica quando, em conjunto, tentávamos autopsiar a última “incabável” da Frelimo (o termo entre aspas é usado pelo nosso humorista-mor ‘chaguatica n’zero’, ou simplesmente, “mente definhada”). E qual é, nesse caso, a última “incabável” da Frelimo? É esta: 14 imóveis do Estado até então pertencentes ao Concelho Municipal da Beira (CMB) foram entregues, por decisão do Tribunal Judicial da Província de Sofala (TJPS), ao partido Frelimo.

No dizer do ‘bloguista’ Jonathan McCharty (extraído do site http://comunidademocambicana.blogspot.com/  do meu amigo António Kawira) “a lei é clara em relação ao limite de alienação de um apartamento numa cidade, seja por um indivíduo ou instituição! Temos aqui um partido a querer alienar 14 apartamentos e edifícios que não lhe pertencem! O Concelho Municipal da Beira apresentou o recurso ao Tribunal Supremo, e antes da deliberação deste Organismo, o Tribunal provincial mandou executar a sentença ilegal e prejudicial aos desígnios do Município e seus cidadãos”.

Nos arquivos da memória (posso estar enganado) é caso único de Moçambique, no mundo inteiro, em que a Justiça de um país rende-se à um partido político. À excepção de outros processos mediáticos, este dispensa “dois dedos de testa”. A forma como este processo foi conduzido deixa transparecer que houve uma mão externa do poder político que instigou o TJPS a passar um buldózer na lei. Que não haja qualquer tipo de dúvida, este processo lançou mais lama à Justiça moçambicana.
Às vezes fico com a ideia de que os tribunais em Moçambique são propriedades do partido Frelimo e não da nação Moçambicana. Tanta arrogância e “mataquenha nos olhos” (no lugar das pobres cataratas) impedem os ‘auto-proclamados libertadores da pátria’ a distinguir um património nacional de um suposto espólio partidário. A Frelimo parece ter perdido a noção do perigo e do limite. Quando se encontra em apuros (“tal qual as galinhas têm mais força quando sabem que estão prestes a ser sacrificadas”) é natureza daquele partido arrogar-se de ser o dono de tudo e de todos nós. Moçambique não nasceu do ventre da Frelimo, muito menos é propriedade de ninguém. Moçambique nasce do berço de todas as mães, dos braços de todos nós. Repito, é de todos nós (moçambicanos), independentemente de todo o resto.

No passado foram as empresas públicas e mais tarde nacionalizaram, à revelia, o Museu da Revolução. Como a gula é comparada a sede da água salgada (que dificilmente ‘mata a sede’) à velocidade da luz, com o aval do TJPS, expropriaram-se muito rapidamente do património do CMB. Isto é efectivamente um facto que não pode ser tolerado pelo “maravilhoso povo” nem pela Justiça moçambicana, muito menos por qualquer Estado que se respeite a si próprio, sob pena de ser um Estado falhado. Lembro aos leitores que a Guiné-Bissau e o Haiti (só para citar) tiveram igual percurso. Infelizmente, como dizia o outro, os maus exemplos copiam-se. E é assim que o governo quer vencer à pobreza!

De facto seria interessante ver o CMB a funcionar debaixo do cajueiro como anunciou, muito recentemente, o seu presidente Eng° Daviz Simango, porquanto teríamos a oportunidade de assistir, ao vivo e a cores, o enfadonho quanto maquiavélico discurso da Frelimo sobre o combate à pobreza absoluta. Que condição de trabalho se pode esperar do CMB a funcionar debaixo de arbustros? Os que pensavam (como a Frelimo e o juiz da causa do TJPS) que o CMB iria amputar as suas responsabilidades e o seu compromisso para com os munícipes, retirando-lhe os imóveis, enganaram-se por completo. O CMB não se deixou acagaçar por esta intempérie, prova disso é que já foi lançado o-ficialmente a primeira pedra para a construção de novas sedes de bairro em substituição dos 14 imóveis trespassados ao partido Frelimo. Mais uma vez o povo mostrou que está com CMB e com o seu timoneiro.

Creio que não será nenhum suicídio para o CMB nem para o seu presidente Eng° Simango ver uma parte da Administração municipal a lavourar debaixo de cajueiros, porque, como disse Che Guevera “enquanto os fortes e os experientes se acagaçam, estes miúdos agigantam-se.” De resto, verdade seja dita no esplendor da razão, o CMB não seria a única instituição no país a funcionar debaixo dos cajueiros. Ou será que alguém já se esqueceu de que neste país ainda há centenas de escolas públicas a funcionar debaixo das árvores e das pedras (grutas)! Nem por isso as nossas crianças deixam de ir aprender o abc. Louvados seja o CMB, as escolas visadas…

A saga contra o Eng° Simango não vem de hoje. É bom lembrar isso. E porquê de tanto ódio a este ‘cara’ (como dizem os nossos irmãos brasileiros) que é fenómeno de popularidade invulgar, em Moçambique e extra-muros? Perguntei ao meu ‘chamuale’ (amigo), o académico e ana-ista, numa das mais seculares ruas de Bruxelas, ao que me respondeu: “Chaleca meu ‘n-kulu’, o grande laboratório da vida é o trabalho, nisso, o Eng° Simango não deixa os créditos em mãos alhe-ias, ele é um excelente trabalhador. O trabalho árduo e responsável sempre foi inimigo figadal da Frelimo. Deves, por isso, compreender, meu caro amigo, que o sucesso de um homem cria detractores.”

Mas o meu ‘chamuale’ não parou por aqui, quis deixar um conselho ao Eng° Simango (esta vergôntea dos Simangos) e, de novo, ripostou citando parte do verso de uma canção zimbaweana, de Leonardo Dembo, de que ambos gostamos “maningue”: “De agora em diante o Eng° Simango tem que ser como uma papaia, que esconde o seu estado de amadurecimento, para não ser comida. Uma papaia “esperta” amadurece por dentro, repito, para não ser comida. Ouviu bem, ‘Nkulo? Sabes o que é que isto quer dizer? Quer dizer que o Eng° Simango deve esconder o seu potencial, a sua agilidade humana e intelectual, se não quiser ser comido pela Frelimo. Há-de chegar o tempo certo de ele triunfar. Não te esqueças, ‘Nkulu’, o sucesso é ciumento.” Espero que o visado aprenda algo com este conselho!

Ainda quis ouvir por muito tempo o meu ‘nkulu’ falar, mas os nervos que lhe iam a flor da pele (parecia ter sido mordido pela raiva) batia na mesa, muito raivoso, enquanto rematava soluçando: “Levem também o Chiveve”.

De facto, só lhes resta mesmo levar o Chiveve.

O AUTARCA – 30.11.2010

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