TRIBUNA DO EDITOR
Por Fernando Gonçalves
Cada vez que oiço o slogan “Três Gerações, Uma só Nação”, pergunto-me se não haverá assuntos mais importantes e que mereçam um debate mais profundo neste país. Não sei quem terá sido o autor de tal conceito, que até pode ter resultado das reflexões pessoais de alguém, mas a verdade é que está se a espalhar muita confusão à volta desta questão.
Não acredito que haja alguém que esteja convencido que os moçambicanos tenham que ser regimentados em três grupos distintos.
A meu ver, o debate das três gerações não é mais que o reflexo de uma contestação pelo poder que parecer ter se iniciado dentro da Frelimo, em preparação do décimo congresso do partido, que deverá ter lugar em 2012.
O significado particular deste congresso é que será dele que deverá emergir a nova liderança do partido, com claras indicações sobre quem será o candidato da Frelimo nas eleições presidenciais de 2014. Por outras palavras, o futuro Presidente da República.
É por isso que este debate geracional não deve ser visto como sendo um assunto de interesse nacional, devendo ser entendido a partir da perspectiva de três gerações dentro da Frelimo que se posicionam para tomar de assalto o poder através de um processo de exclusão mútua, alicerçado em argumentos aparentemente lógicos, mas que no subtexto encobrem interesses de sectores distintos.
Será lógico, por exemplo, que a chamada “geração do 8 de Março” apregoe o argumento de que a sua predecessora já fez o seu papel e que é a ela que cabe agora tomar conta dos destinos do país, enquanto vai treinando a “geração da viragem”, esta que por sua vez deverá se posicionar para tomar o poder a partir de 2022.
Por esta via estarão automaticamente eliminadas as outras duas gerações, abrindo espaço para que os 8 Marcistas tenham o caminho aberto.
Mas haverá uma outra possibilidade, que irá dar no mesmo, com apenas uma diferença. Será a instigação, a partir de dentro da própria “geração do 25 de Setembro”, para que se auto-exclua do processo. Assim evitar-se-á a possibilidade de alguém desta geração tomar conta do poder e transformar-se num elemento autónomo, sem dívidas de lealdade a seja quem for.
O nosso erro de juízo é que devemos estar a ver a “geração do 25 de Setembro” como um bloco monolítico, o que não é. As clivagens havidas no processo de transição da era Chissano para a actual liderança são o testemunho mais eloquente disso. Haverá dentro deste grupo aqueles para quem o importante não é estar dentro do processo, mas ser capaz de controlá-lo.
A natureza desta luta pelo poder não abre espaço para que se fale das outras gerações, que também deram o seu suor e sangue por este país.
Onde é que se encaixam os Madgermanes, por exemplo? Os Madgermanes constituem um grupo de jovens recrutados em massa e enviados como mão-de-obra barata para vários tipos de indústrias na antiga República Democrática Alemã, com base num acordo em que parte dos seus salários eram pagos directamente ao governo moçambicano.
Numa altura em que Moçambique enfrentava imensas dificuldades impostas pela guerra, os recursos gerados por esses jovens para o Estado moçambicano devem ter constituído uma importante fonte de alívio.
Mas com a queda do Muro de Berlim em 1989, e o subsequente fim da Guerra Fria, com a reunificação da Alemanha no ano seguinte, os contratos de trabalho destes jovens foram brusca e unilateralmente rescindidos, e eles obrigados inesperadamente a regressarem ao país. Regressados a uma pátria mal preparada para os receber, nos números em que regressavam, eles viram-se abandonados à sua sorte. Não sendo provavelmente a vasta maioria deles parte da elite do partido, eles fazem parte da geração dos excluídos. Nem 25, nem oito, nem viragem.
Depois temos centenas de milhares de jovens incorporados no Serviço Militar Obrigatório durante o período em que o país esteve em guerra. Foi a bravura destes jovens, apoiando-se numa logística precária e sob as ordens de um comando deficiente e que já nessa altura denotava sinais de uma quebra vertiginosa pela corrupção, que impediu que a Renamo, com o apoio dos sectores militares e dos serviços de segurança da África do Sul (do apartheid) tomassem conta do poder. Por essas alturas, os homens e mulheres da “viragem” ou deviam ser ainda projectos dos pais ou na melhor das hipóteses andavam ainda vestidos de fraldas.
Desnecessário dizer que a maioria destes jovens heróicos deixaram de ser necessários a partir do dia 4 de Outubro de 1992. Sem uma formação académica e profissional que se adequasse à nova era da “viragem para a modernidade”, nem sequer o fizeram para as fileiras das novas forças armadas. E aqui estamos a falar dos que sobreviveram as vicissitudes da guerra. Há os que nem chegaram ao fim da guerra, cujos corpos andam espalhadas pelas matas deste país, em campas não identificadas. Ou se o fizeram, e com um pouco de sorte, já sem braços ou pernas, hoje andam pendurados numa cadeira de rodas doada por uma dessas organizações de caridade que por vezes se substituem à responsabilidade do Estado.
Como podemos ver, o Comité Central da Frelimo tem uma limitação no número de membros que não haverá lugar para todos estes heróis. Nem todos os moçambicanos cabem na definição tri-geracional que alguns sectores nos pretendem impor para encobrir os seus apetites pelo poder.
Continuaremos a lutar contra a pobreza, é verdade, continuaremos a lutar pela consolidação da democracia, pelo respeito dos direitos dos cidadãos, e tudo o que for necessário para que Moçambique se imponha como uma nação de respeito perante o mundo. Mas recusemo-nos a ser compartimentalizados em grupos geracionais que nada mais significam se não a reivindicação de um lugar na mesa de banquete do poder.
Fonte: Savana - 23.04.2010
Foi a pouco tempo que ouvi falar em 3 geraÇoes uma so nacao, e sendo jovem que teoricamente pertenco a geracao da viragem, sempre me vejo perguntando,o que é geraÇão da viragem? é para virarmos o quê?
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