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quarta-feira, fevereiro 03, 2010

ESQUEMAS USADOS PELOS CORRUPTOS PARA DEFRAUDAR INSTITUIÇOES PÚBLICAS

Por Gustavo Mavie

A menos que se ponham travões aos sofisticados esquemas usados pelos corruptos no desvio dos fundos das instituições públicas em que estão afectos, jamais se conseguirá reduzir e, muito menos, por fim à corrupção em Moçambique.
Também será impossível erradicar a corrupção enquanto o seu combate depender apenas das denúncias que, amiúde, são feitas pelos funcionários mais corajosos, ou pelos que se vêem excluídos da sua partilha, como aconteceu nos Aeroportos de Moçambique do tempo de Cambaza, cuja sentença será lida a 26 do corrente mês.
Neste artigo elaborado a base de uma investigação minha para diagnosticar este problema, que para mim é um dos maiores senão mesmo o maior obstáculo ao desenvolvimento normal de qualquer país, tento expor alguns dos esquemas mais usados pelos corruptos para delapidar os orçamentos das instituições onde, regra geral, desempenham as funções de chefia aos mais diversos níveis. Como qualquer estudo, neste cinjome mais no dia-a-dia de uma instituição pública que investiguei, pois esteve mais de 20 anos nas mãos de um grupo de corruptos que devido a sua ganância acabaram reduzindo-a a uma verdadeira ruína.
O cenário só melhorou quando, finalmente, se procedeu à substituição do seu principal dirigente por um outro averso à corrupção e aos próprios corruptos, tendo imediatamente adoptado medidas draconianas e que tiveram o condão de reduzir ao máximo possível os roubos. Por razões que se prendem com o princípio de bom-nome, não irei identificar tanto essa instituição como os referidos corruptos que o seu novo timoneiro tratou de os desmamar, para que não seja acusado de difamação ou de acusar publicamente algo que carece de sancionamento judicial.
Para melhor compreensão da natureza da corrupção e, sobretudo, dos esquemas adoptados pelos corruptos para se apoderarem dos fundos públicos sem deixarem pistas facilmente desvendáveis, passo a descrever alguns truques usados pelo grupo da instituição de que me servi como caso estudo para se apoderarem dos duodécimos que lhes eram periodicamente atribuídos pelo Tesouro.
Antes, devo vincar que a maioria dos esquemas que diagnostiquei são basicamente os mesmos usados por corruptos de outras instituições públicas e até privadas. A sobre-facturação, simulação das compras e pagamento de certos serviços que, forjadamente, são arrolados nas facturas que indicam a natureza do que se alega ter sido feito, são alguns dos esquemas que o grupo usava para se apoderar do dinheiro e despistar os auditores que se baseiam apenas em dados documentais, tais como facturas e recibos, e não também em resultados como é prática recorrente noutros países.
No caso de prestação de serviços, simulam que se fez isto mais aquilo, quando, muitas vezes, não se fez nada ou, se fizeram, é algo muito superficial, mas facturado a preço de ouro. Para este fim, e tal como já afloramos, os corruptos da instituição de que me servi para escrever este artigo, tinham uma rede de agentes económicos seus cúmplices, que permitiam que as suas empresas fossem usadas para drenar os fundos da referida instituição pública, através da emissão de facturas e subsequentes recibos em troca de cheques que eram passados em nome dessas suas empresas ou casas comerciais, sob o pretexto de que teria sido feito a compra de determinados bens, ou prestados serviços a essa instituição quando, na verdade, nada disso havia sido feito.
Por exemplo, no caso vertente, os tais corruptos podiam emitir uma ordem de pagamento no valor de 100 mil meticais em nome de uma certo estabelecimento, que podemos chamar de Papelaria Rolexado, em troca de facturas e recibos que serviam de justificativo para a emissão do cheque que supostamente, teria sido usado para a aquisição de material diverso de escritório, tais como resmas, rolos de fax, tinta de impressão para computadores e máquinas de fotocopiar.
Um dos casos que ilustra quão grave é este problema de simulação de compras que nunca são feitas é que uma vez se apurou que o chefe do Economato da tal instituição alvo da minha investigação, chegou a “comprar” numa dada altura grandes quantidades de rolos de telex que, na altura do inventario, seriam para mais de cinco anos consecutivos, mas, entretanto, não existia nenhum rolo no armazém. Isto mostra que o gestor só usava a referida papelaria para tirar dinheiro, porque na verdade, ele não comprava tantos rolos quanto declarava. Com este jogo, o dono dessa papelaria, que aceitava ser usado para defraudar essa instituição, recebia por cada cheque emitido a seu favor entre 20 a 30 por cento de cada pagamento.
Quer dizer, ele não precisava ter muitos trabalhadores, pois limitava-se apenas a receber os cheques e depositálos depois na sua conta, e receber em troca 20 a 30 por cento de cada pagamento. Ora, isto era muito para ele, tanto mais que havia corruptos de outras instituições públicas que também iam trocar os seus cheques, dividindo o dinheiro na mesma proporção.

Troca de cheques é outro dos esquemas usados

Outro dos esquemas usados pelos corruptos consiste em trocar cheques das suas instituições na boca dos caixas daquelas empresas em que o público consumidor procede ao pagamentos de alguns serviços em numerário, como por exemplo, a EDM e outras que prestam serviços ao público em geral. Para este esquema, os tais corruptos emitiam um cheque de um certo valor, por exemplo 60 mil meticais, como se fossem pagar energia, sendo depois recebido pelo caixa e logo trocado em numerário, através da retirada na caixa de um valor igual ao constante nesse cheque.
Assim, o cheque fica a fechar o buraco contabilístico aberto com o valor retirado da caixa. Este esquema permitia que os corruptos se apoderassem de 60 mil meticais desse empresa numa ápice, ficando, como dissemos, o cheque a fechar contabilisticamente o que se retirou. Na verdade, quem ficava prejudicado é a instituição cujo cheque era trocado em dinheiro vivo, porque se tratou de uma “operação limpa” de saída de fundos, apesar de ser através de um cheque.
Tal como nas compras fictícias, neste esquema também os caixas beneficiam-se de entre 20 a 30 por cento do valor retirado da caixa, que depois fechavam com esses cheques. Este esquema chegou a ser comprovado e teve que se levantar um processo disciplinar contra um dos membros do grupo, tendo culminado com a sua expulsão da instituição. No caso dos corruptos da instituição em que me baseei para diagnosticar este esquema, os seus mentores chegaram a um tal extremo de desvios que praticamente destinavam quase todo o orçamento de funcionamento e de investimento para o benefício próprio.
Veja que este grupo até vendia, a 80 por cento o custo do litro, as senhas de combustível com que se devia abastecer os carros dessa instituição.

Da gestão ruinosa à necessidade de formas mais eficazes de fiscalização e auditoria

O nível de corrupção nessa instituição reduziu-a a uma degradação total e completa, de tal modo que para quem a visitasse, nunca podia imaginar que fosse um local onde ainda havia funcionários a trabalharem nela. Na verdade, já não trabalhavam, porque não havia condições para eles trabalharem. Muitos deles acabaram saindo dela como ratos num barco que se está a afundar, indo fundar as suas próprias empresas ou se foram empregar noutras, porque todos os seus meios de trabalho estavam inoperacionais ou sido puramente vendidos, incluindo aqueles cuja falta numa certa instituição acaba impossibilitando qualquer actividade.
Por exemplo, apesar de a sua actividade depender fundamentalmente da disponibilidade de computadores e viaturas operacionais, estes meios não eram reparados ou repostos há muitos anos, ao mesmo tempo que os seus telefones tinham sido cortados por acumulação de dívidas. Curiosamente, esse grupo de corruptos não parava de emitir cheques supostamente para pagar reparações das viaturas, aparelhos de ar condicionado, computadores e outros equipamentos como o seu gerador que estava paralisado há anos por uma pequena avaria, mas que na verdade não se reparava nada.
O que este grupo fazia era simular reparações para sacar o dinheiro, forjando documentos em que se dizia que estavam investindo na sua reparação. Esta forma de desviar dinheiro não é facilmente detectável através duma auditoria clássica feita com base na análise simplista dos documentos. Há que se combinar com os resultados, o que passa pela avaliação rigorosa do património, para aferir se aquilo que foi gasto corresponde ao serviços prestados ou materiais adquiridos. Isto porque no caso deste grupo, apenas se valia das oficinas usadas para este fim, para obter as facturas e os recibos simulando que haviam sido feitas reparações quando, de facto, não tinha havido nada.
Tal como nas compras fictícias, o grupo emitia os cheques em nome dessas oficinas como se estivesse a pagar essas reparações. Com este esquema, o grupo estava certo que nenhuma auditoria seria capaz de desvendar o seu esquema, pois a saída dos valores estava devidamente justificada. De tanto se fiarem neste tipo de esquemas, o grupo não se eximia em defender-se ou desafiar todos que ousassem lhes apontar o dedo, dizendo que eles não roubavam dinheiro de ninguém. Eles diziam isso porque sabiam que a maneira como roubavam era tão científica quanto a própria ciência, como dizia sempre o líder deste grupo.
De facto, eles sabiam que as auditorias limitavam-se a vasculhar a documentação e observar os aspectos legais, quando a melhor auditoria é que toma em conta os resultados. Como bons cabritos que eram, o grupo cumpria com todos os aspectos legais e outras normas previstas na condução dos concursos públicos atinentes às compras e outras aquisições de bens e serviços. Este facto mostra, de per si, que a maneira como as auditorias são feitas, é mais simbólica que profunda, e está muito longe de desvendar os desvios de fundos que ocorrem um pouco por muitas instituições.
Para se estancar este tipo de corrupção que aqui espelhei, há que se dar primazia ao que se vê materialmente à volta das instalações, para se aferir se justifica ou não o que se gastou. Por exemplo, seis meses antes do fim do mandato do último governo do Presidente Chissano, o Ministério da Saúde gastou mais de 700 mil dólares para a “reabilitação” das suas instalações, mas na verdade, o que foi feito, nem podia ter custado 100 mil dólares.
Na própria instituição que me inspirei para escrever este artigo, durante muitos anos foram gastos várias centenas de milhões de meticais, que eram justificadas como tendo sido gastas na reabilitação das suas instalações, quando, na verdade, estavam caindo de podre até à altura da mudança do seu timoneiro. Uma auditoria deve ser capaz de dizer aos auditados que o trabalho feito ou esta reabilitação não pode ter custado o que se diz que custou nos documentos.
Para mim, para se acabar com a corrupção em Moçambique, deve-se exigir mais resultados e não se limitar ao legalismo ou apenas no cumprimento do que está previsto na regra dos concursos públicos. Isto porque os corruptos limitamse a cumprir as formalidades previstas na Lei que norteia as UGEA´s, mas já não se sentem e nem são depois obrigados a cumprir com tudo o que dizem que vão fazer. Na verdade, os vistos que o Tribunal Administrativo vai atribuindo pedidos de adjudicação disto e daquilo, acabam sendo documentos que apenas dão luz verde para se roubar mais dinheiro do erário público.
Se quisermos de facto combater a corrupção em Moçambique, deve-se adoptar novas formas de fiscalização e de auditoria, sob pena de que nunca sairemos da cepa torta em que estamos. Basta que nos lembremos do estado das estradas de Maputo antes da ascensão de Comiche à Presidência do Município de Maputo. Já nem semáforos haviam, e os que haviam, mal funcionavam. A mesma degradação assistia-se nos nossos hospitais antes do aguerrido e incansável lutador contra a corrupção, que é o Ministro Ivo Garrido.
Em apenas cinco anos no cargo de Ministro, Garrido foi capaz pode repor tudo o que se havia deixado degradar em 30 anos. Sei que ele é combatido, mas salvo algumas excepções em que ele possa ter culpa no cartório, julgo que muitos que o diabolizam são exactamente os mesmos que hoje se vêem impedidos de continuar a roubar. Todos os que têm lutado contra a corrupção, são diabolizados em nome dos trabalhadores mas, na verdade, quem os causa são estes punhados de corruptos que se vão enriquecendo á velocidade da luz. Diabolizar é uma táctica universal e secular, se bem que pode ser nova em Moçambique, porque antes de nós, já aconteceu com Cícero em Roma.
Este também era tão combatido e diabolizado pelos mesmos cujos males combatia implacavelmente, mas ao mesmo tempo que era acusado de todos os males, o povo, esse, testemunhando as melhorias, o aplaudia vivamente. Portanto temos que estar prontos para combater os corruptos, porque eles irão recorrer a todas as formas de luta sempre embalados com o som ou gritos de “viva o passado, fora do passado não há salvação”. Uma das tácticas será difamar os que os combatem ou que os não deixam roubar
Reiteramos que para se decantar este tipo de corrupção que acabamos de espelhar, torna-se imperioso e urgente, que se passe a analisar os concursos que são submetidos pelas UGEA´s, e fiscalizar o que se propõe fazer. Outra medida que julgo que se deve adoptar é o envolvimento de mais funcionários de cada instituição na preparação e aprovação de cada concurso, e que tudo seja feito de modo transparente. Mais do que auditar as contas, deve-se fazer uma inspecção “in loco”, para se ver e avaliar o que estava escrito no concurso, de modo a ser aferir se foi totalmente feito ou bem feito, no caso duma reabilitação.
Não se pode limitar a dar-se vistos, sem que se faça depois uma inspecção “in loco”. Temos que ter em conta que o Estado deve fiscalizar o próprio Estado, para evitar que um punhado de indivíduos tire proveito do erário público. Com este método, seria possível reduzir ao máximo as simulações de reabilitações e de compras deste e daquele equipamento, e ao mesmo tempo acabar com a prestação forjada de serviços, porque seria possível analisar com mais detalhe os resultados dos dados constantes nos papeis.

A luta contra os corruptos será difícil porque usarão todos os meios ao seu alcance para continuarem a roubar

Ao longo dos anos que tenho estado a estudar as corrupção, cheguei à conclusão de que luta contra os corruptos nunca será fácil e tão pouco pacífica, porque está mais do que provado que eles nunca aceitarão mudanças e muito menos que se lhes ponha fim ao desvio de fundos. Quando se sentirem impedidos de roubar, eles vão usar todos os meios ao seu dispor, sempre ao som do tal seu grito de guerra de viva o passado, fora do passado não há salvação, ao mesmo tempo que nunca perderão a oportunidade de desferir golpes baixos contra todos os que se lhes oporem à prossecução dos seus intentos.
Termino citando o colega Emílio Manhique, quando, um dia desses, disse ao Ministro Garrido que a maneira tão ousada com que tem inviabilizado os corruptos no seu pelouro, ele deveria precaver-se, e solicitar ao Presidente Guebuza um reforço da sua protecção pessoal, pois corre o risco de ser alvo de um atentado. Este alerta pode parecer exagerado, mas neste país já houve pessoas que tombaram vítimas dos corruptos.

Fonte: AIM (02.02.2010), arquivado aqui

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