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domingo, dezembro 27, 2009

ESTADO CAPTURADO?


ECONOMICANDO

Por João Mosca

A teoria do e sobre o Estado é vasta, com variadas ênfases teóricas e diferentes ideologias. Este texto não pretende referir esse debate, tanto mais que seria incom­petente em realizá-lo. Pretende-se apenas argumentar a seguinte frase: o Estado moçambicano está capturado.

Estado é uma coisa e governo outra. Partido no poder deveria ser outra coisa ainda. Nação é uma entidade diferente das anteriores. Estado é um conjunto de instituições (ou é ele próprio uma instituição), a que corresponde um território, regido por uma lei máxima (a Constituição) e que possui um governo que deve gerir os bens do Estado (de todos os cidadãos) e assegurar a lei, a ordem e o ambiente económico que permitam o bem-estar social e o progresso da nação ou das nações habitantes desse território. Governo é simplesmente um conjunto de pessoas, pertencente ou não a um ou a várias organizações partidárias ou de outra natureza, que tem como função gerir a coisa pública. Os governos são sempre temporários e o seu comprometimento principal é o de gerir com honestidade os bens dos cidadãos e a eles prestar um conjunto de serviços utilizando os recurso que a todos pertence. Estes princípios são os que parecem menos influenciados ideologicamente ou por interesses de natureza diversa.

O que se passa em Moçambique? Na nossa terra, por razões históricas e por manipulação política em defesa do poder, confunde-se Estado com governo e com a FRELIMO. Ou será por acaso que a actual bandeira da Republica é quase igual àquela que era a bandeira da FRELIMO? Esta, por ter conquistado a independência, reclama a paternidade do Estado e, como sempre governou, não fez a rotura com o período monopartidário em que Estado e partido se misturavam.

O exercício do poder através do Estado, reflecte de alguma forma a sociedade e sobretudo os grupos de interesses políticos e económicos. Por vezes e em alguns aspectos também os militares. E quando esses grupos de interesses tomam ou assaltam o poder (governo) e transformam-no num instrumento para a defesa de interesses económicos que não sejam os do Estado e da ou das nações, então o Estado fica capturado.

Capturado porque deixa de poder exercer algumas das suas funções económicas maiores que são os da regulação e fiscalização económica. Não legisla ou fá-lo de modo a permitir que os interesses de pessoas e grupos sejam defendidos, ou não delimitados, ou não proibidos. Captura-se o Estado porque não existem delimitações de conflitos de interesses facilitando a pro­miscuidade muitas vezes infame e sem vergonha entre a política e os negócios. O Estado não fiscaliza, porque os fiscalizados são os mesmos que mandam fiscalizar e em muitos casos legisla e faz cumprir a lei. Ou se é permissivo em não se cumprir a lei. Ou simplesmente não se cumpre e nada se passa.

Quando o Estado deixa de exercer as suas funções maiores porque o governo também gere interesses pessoais que conflituam e ganham preponderância sobre a coisa pública, então diz-se que o Estado está capturado por grupos de interesses. Isto é, o Estado deixa de poder actuar em defesa ou na defesa dos interesses e dos bens de todos os cidadãos.

Mas quando existem pessoas da gover­nação que além de utilizarem o Estado como instrumento que facilita interesses privados também roubam descaradamente, então o poder está, no mínimo, infiltrado por malfeitores. E se os malfeitores estão organizados mesmo que sob a égide ou aproveitando organizações de bem (por exemplo partidos políticos), então é legítimo pensar que o Estado possui gangsters no seu seio. E se os gangsters são protegidos e dominam o Estado mesmo que em situação de minoria numérica, então pode-se pensar que o Estado está gangsterizado.

Vários casos de corrupção saem a público diariamente. Alguns estão em julgamento e portanto todos os arguidos gozam o estatuto da presunção de inocência até ao veredicto dos juízes. Mas que há algo ou muitas coisas e não apenas no caso dos Aeroportos de Moçambique, disso ninguém duvida. Mesmo que não sejam comprovados casos de crime há lições políticas a extrair. E isso compete aos políticos.

A certeza é uma: a sociedade, mesmo que ainda minoritária no conjunto da população, está cada vez mais informada e formada. Os camponeses e analfabetos, nos seus locais, também sabem o que lá se passa. Anal­fabetismo não significa estupidez. As pequenas medidas para cooperante ver (também não são tontos), não satisfazem e nada resolvem. Com ou sem provas documentais ou outras, muita gente conhece situações condenáveis. Há cada vez menos espaço para o panfletismo, discursos diversionistas, propaganda a partir de pontualidades e manipulação de opinião. E muito menos por declarações “a la banja” (comício). A sociedade (ou pelo menos parte dela), reclama não ser tratada como de menor idade.

Vai-se iniciar uma nova legislatura. É o momento oportuno para demonstrar vontade de virar a página da corrupção e da promiscuidade. De delimitar os conflitos de interesses. De fazer cumprir as leis da transparência e de as aprofundar. De expurgar os malfeitores. Já não há “inimigo infiltrado no aparelho de Estado”, ou os que diziam essa frase ficaram também “inimigos” e portanto todos “amigos”? É momento de colocar pessoas honestas e competentes na gestão do que é de todos os moçambicanos. E isso será possível se o Estado não estiver gangsterizado e dependendo do nível do gangsterismo. É possível? Não sou religioso, mas neste caso também digo, Deus queira que sim!

Fonte: SAVANA – 25.12.2009

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