Por João Baptista André Castande
“Obedece o Rei às leis santíssimas,
Obedece à razão, e à justiça:
O Tyrano à vontade e appetite
daquilo que lhe praz só tem cuidado.
Inteiramente o Rei governa: tudo
Pelas leis administra, e por razão.
Por terror, por enganos, e por artes
damnosas, o Tyranno senhorêa.
Pelo comum proveito manda o Rei;
E o Tyranno só por seu proveito” – António Ferreira.
Em prol da segurança jurídica dos cidadãos moçambicanos, tanto no âmbito do processo disciplinar assim como no que diz respeito ao procedimento criminal, os artigos 193 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado e 59 da Constituição da República estabelecem que nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo acto.
Quanto aos limites das penas aplicadas e das medidas de segurança conexas, é o n.º 3 do artigo 61 da predita Constituição da República que consagra que nenhuma pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, nem priva o condenado dos seus direitos fundamentais, salvo as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências específicas da respectiva execução.
Aliás, não é preciso ser formado em Direito para saber que as penas disciplinares apenas produzem os efeitos acessórios expressamente declarados na lei e nos exactos termos nela estabelecidos.
Vem este intróito a-propósito da bagunça gratuita ocorrida no dia 20 de Julho do ano em curso na Assembleia da República, exactamente no final da sessão plenária dedicada à eleição dos cinco Juízes do Conselho Constitucional, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 242 da Constituição da República. Na verdade, foi uma oportunidade soberana que os digníssimos juristas constituintes da Bancada Parlamentar maioritária desperdiçaram para demonstrar ao povo moçambicano e ao mundo que ainda mantêm vivo e actual o juramento solenemente prestado no início do exercício do mandato, de respeitar a Constituição e as leis.
Com tamanha surpresa, tal não aconteceu e antes muito pelo contrário, recorreram a factos ou argumentos fictícios e juridicamente inexistentes para, de forma tão arbitrária quanto grosseira, impedir a concidadã Maria Isabel Rupia de ser provida no cargo de Juíza do Conselho Constitucional, por conseguinte contra a determinação expressa dos números 3 dos artigos 61 e 242 ambos da Constituição da República e da parte final do n.º 1 do artigo 29 do Regimento da Assembleia da República, aprovado pela Lei n.º 17/2007, de 18 de Julho.
Outrossim, quer parecer-me que só seria legítimo o impedimento do provimento da Rupia caso a pena disciplinar a esta aplicada fosse a de expulsão, na medida em que segundo o artigo 82 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 11 de Março, a pena de expulsão implica a impossibilidade de ser provido em quaisquer funções ou cargos do Estado.
Também não causaria nenhum espanto se a discórdia em volta da candidatura da Rupia tivesse como motivo, por exemplo, o facto de não reunir algum dos requisitos referidos no n.º 3 do artigo 242 da Constituição da República ou, ainda, reunindo os requisitos aí previstos, a candidata fosse titular de nacionalidade moçambicana adquirida. Aqui sim, perfilharia em pleno os argumentos a esgrimir nesse sentido pelos digníssimos juristas da Bancada Parlamentar maioritária, visto que tais encontrariam cobertura no n.º 1 do artigo 30 da Constituição da República, de conformidade com o qual os cidadãos de nacionalidade adquirida não podem ser deputados, membros do Governo, titulares de órgãos de soberania e não têm acesso à carreira diplomática ou militar.
É com base nos fundamentos acima expendidos que discordo parcialmente da opinião do estimado compatriota Custódio Duma, quando na página 2 do semanário “SAVANA” de 24-07-2009 afirma que é verdade que aquela forma de votação é prevista no próprio regimento da AR e o seu resultado deve ser vinculativo”.
Dúvidas não restam que a dita «forma de votação» está prevista no n.º 3 do artigo 29 do Regimento da Assembleia da República. O que eu digo e condeno, e isto que fique bem claro aqui, é o facto de os argumentos que estiveram na base do recurso ao referido dispositivo legal serem absolutamente anticonstitucionais.
Ora, será mesmo vinculativa uma deliberação tomada com base em razões claramente anticonstitucionais? Então, revisitemos as disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 61 e do artigo 80, ambos da Constituição da República.
“O direito de resistência gera-se, precisamente, quando os dirigentes políticos ultrapassam as fronteiras do poder que lhes é conferido” - sic.
Quanto a mim, nada justifica, nem a chamada disciplina partidária, o procedimento cruel como o que serve de objecto do presente artigo de opinião.
Ademais, diz o artigo 44 da Constituição da República de Moçambique que todo o cidadão tem o dever de respeitar e considerar os seus semelhantes, sem discriminação de qualquer espécie e de manter com eles relações que permitam promover, salvaguardar e reforçar o respeito, a tolerância e a solidariedade.
Mas afinal de contas, para quê tanta sanha contra um nosso semelhante e compatriota?
O concidadão Salomão Moyana, no Editorial do semanário “MAGAZINE” de 22-7-2009, diz que a Bancada minoritária demonstrou falta de capacidade política e jurídica ao sugerir eleição por voto aberto e não secreto. Será mesmo isso?
Eu julgo que é preciso que sejamos prudentes perante esta questão, pois encontramo-nos na véspera de eleições, é bem possível que a atitude seja estratégica, visando permitir que o povo veja, com os seus próprios olhos, aqueles deputados que agem em defesa da Constituição e os que estão interessados em destruí-la. Infelizmente, toda a Bancada maioritária caiu nesta desgraça!!!
Por outro lado, e salvo o devido respeito, parece ter havido descuido da parte do compatriota Salomão Moyana em relação ao que reza o n.º 1 do artigo 168 do Regimento da Assembleia da República. Diz o seguinte: o escrutínio secreto é obrigatório quando se trate de eleições ou deliberações sobre personalidades, desde que não esteja envolvida a representatividade, nos termos do Regimento. Como se vê, a determinação é de lei e não resulta de alguma incapacidade política ou jurídica.
P.S. “Que mais quero ter commigo fama de regoridade que deixar de ter castigo quem commeteu tal maldade. Para que é ser caudilho de tanto povo e tão grado, e imperador chamado se não julgasse meu filho como qualquer estragado?
Não cuidem duques nem reis que, por meu herdeiro ser, que por isso há-de viver: que aquelle que faz as leis he obrigado a as manter assim que, por bem querer, amizade nem respeito, como agora são em fazer. Não hei-de negar direito a quem direito tiver” - Baltazar Dias.
Fonte: Notícias
“Obedece o Rei às leis santíssimas,
Obedece à razão, e à justiça:
O Tyrano à vontade e appetite
daquilo que lhe praz só tem cuidado.
Inteiramente o Rei governa: tudo
Pelas leis administra, e por razão.
Por terror, por enganos, e por artes
damnosas, o Tyranno senhorêa.
Pelo comum proveito manda o Rei;
E o Tyranno só por seu proveito” – António Ferreira.
Em prol da segurança jurídica dos cidadãos moçambicanos, tanto no âmbito do processo disciplinar assim como no que diz respeito ao procedimento criminal, os artigos 193 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado e 59 da Constituição da República estabelecem que nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo acto.
Quanto aos limites das penas aplicadas e das medidas de segurança conexas, é o n.º 3 do artigo 61 da predita Constituição da República que consagra que nenhuma pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, nem priva o condenado dos seus direitos fundamentais, salvo as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências específicas da respectiva execução.
Aliás, não é preciso ser formado em Direito para saber que as penas disciplinares apenas produzem os efeitos acessórios expressamente declarados na lei e nos exactos termos nela estabelecidos.
Vem este intróito a-propósito da bagunça gratuita ocorrida no dia 20 de Julho do ano em curso na Assembleia da República, exactamente no final da sessão plenária dedicada à eleição dos cinco Juízes do Conselho Constitucional, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 242 da Constituição da República. Na verdade, foi uma oportunidade soberana que os digníssimos juristas constituintes da Bancada Parlamentar maioritária desperdiçaram para demonstrar ao povo moçambicano e ao mundo que ainda mantêm vivo e actual o juramento solenemente prestado no início do exercício do mandato, de respeitar a Constituição e as leis.
Com tamanha surpresa, tal não aconteceu e antes muito pelo contrário, recorreram a factos ou argumentos fictícios e juridicamente inexistentes para, de forma tão arbitrária quanto grosseira, impedir a concidadã Maria Isabel Rupia de ser provida no cargo de Juíza do Conselho Constitucional, por conseguinte contra a determinação expressa dos números 3 dos artigos 61 e 242 ambos da Constituição da República e da parte final do n.º 1 do artigo 29 do Regimento da Assembleia da República, aprovado pela Lei n.º 17/2007, de 18 de Julho.
Outrossim, quer parecer-me que só seria legítimo o impedimento do provimento da Rupia caso a pena disciplinar a esta aplicada fosse a de expulsão, na medida em que segundo o artigo 82 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 11 de Março, a pena de expulsão implica a impossibilidade de ser provido em quaisquer funções ou cargos do Estado.
Também não causaria nenhum espanto se a discórdia em volta da candidatura da Rupia tivesse como motivo, por exemplo, o facto de não reunir algum dos requisitos referidos no n.º 3 do artigo 242 da Constituição da República ou, ainda, reunindo os requisitos aí previstos, a candidata fosse titular de nacionalidade moçambicana adquirida. Aqui sim, perfilharia em pleno os argumentos a esgrimir nesse sentido pelos digníssimos juristas da Bancada Parlamentar maioritária, visto que tais encontrariam cobertura no n.º 1 do artigo 30 da Constituição da República, de conformidade com o qual os cidadãos de nacionalidade adquirida não podem ser deputados, membros do Governo, titulares de órgãos de soberania e não têm acesso à carreira diplomática ou militar.
É com base nos fundamentos acima expendidos que discordo parcialmente da opinião do estimado compatriota Custódio Duma, quando na página 2 do semanário “SAVANA” de 24-07-2009 afirma que é verdade que aquela forma de votação é prevista no próprio regimento da AR e o seu resultado deve ser vinculativo”.
Dúvidas não restam que a dita «forma de votação» está prevista no n.º 3 do artigo 29 do Regimento da Assembleia da República. O que eu digo e condeno, e isto que fique bem claro aqui, é o facto de os argumentos que estiveram na base do recurso ao referido dispositivo legal serem absolutamente anticonstitucionais.
Ora, será mesmo vinculativa uma deliberação tomada com base em razões claramente anticonstitucionais? Então, revisitemos as disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 61 e do artigo 80, ambos da Constituição da República.
“O direito de resistência gera-se, precisamente, quando os dirigentes políticos ultrapassam as fronteiras do poder que lhes é conferido” - sic.
Quanto a mim, nada justifica, nem a chamada disciplina partidária, o procedimento cruel como o que serve de objecto do presente artigo de opinião.
Ademais, diz o artigo 44 da Constituição da República de Moçambique que todo o cidadão tem o dever de respeitar e considerar os seus semelhantes, sem discriminação de qualquer espécie e de manter com eles relações que permitam promover, salvaguardar e reforçar o respeito, a tolerância e a solidariedade.
Mas afinal de contas, para quê tanta sanha contra um nosso semelhante e compatriota?
O concidadão Salomão Moyana, no Editorial do semanário “MAGAZINE” de 22-7-2009, diz que a Bancada minoritária demonstrou falta de capacidade política e jurídica ao sugerir eleição por voto aberto e não secreto. Será mesmo isso?
Eu julgo que é preciso que sejamos prudentes perante esta questão, pois encontramo-nos na véspera de eleições, é bem possível que a atitude seja estratégica, visando permitir que o povo veja, com os seus próprios olhos, aqueles deputados que agem em defesa da Constituição e os que estão interessados em destruí-la. Infelizmente, toda a Bancada maioritária caiu nesta desgraça!!!
Por outro lado, e salvo o devido respeito, parece ter havido descuido da parte do compatriota Salomão Moyana em relação ao que reza o n.º 1 do artigo 168 do Regimento da Assembleia da República. Diz o seguinte: o escrutínio secreto é obrigatório quando se trate de eleições ou deliberações sobre personalidades, desde que não esteja envolvida a representatividade, nos termos do Regimento. Como se vê, a determinação é de lei e não resulta de alguma incapacidade política ou jurídica.
P.S. “Que mais quero ter commigo fama de regoridade que deixar de ter castigo quem commeteu tal maldade. Para que é ser caudilho de tanto povo e tão grado, e imperador chamado se não julgasse meu filho como qualquer estragado?
Não cuidem duques nem reis que, por meu herdeiro ser, que por isso há-de viver: que aquelle que faz as leis he obrigado a as manter assim que, por bem querer, amizade nem respeito, como agora são em fazer. Não hei-de negar direito a quem direito tiver” - Baltazar Dias.
Fonte: Notícias
Bro,
ResponderEliminar(pode te parecer suspeito) mas sugiro a leitura do editorial do jornal "Domingo" do último fim de semana. Em 80% do que diz, subscrevo em absoluto.
Parece-me (sublinho PARECE-ME) que estamos a politizar algo que está na esfera do jurídico.
Bro,
ResponderEliminarNão tenho acesso ao semanário Domingo, pelo que não li. Gostaria de ler e compartilhar com os outros. Se há suspeitas, não por minha parte, ou seja apenas por minha parte é porque o Domingo é aquilo que é e bem sabes.
Contudo, sem esperarmos pelo Domingo, penso que podiamos debater com base no material e bloguistas, alguns deles juristas. Nós outros aprenderiamos muito. Neste caso, o jurista Castande ajuda-nos com as suas citacões da nossa legislacão.
Deixa-me também descordar contigo quanto à politizacão. Primeiro, não vamos enganar aos menos atenciosos que até chegam a dizer que não discutem a política. Não há nada que seja política ou que com política não tenha a ver. O jurídico é em si política e é politizado...mas sobre isto falaremos depois. Mas o caso Rupia foi partidarizado, isto sim.