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sexta-feira, março 20, 2009

Uma pequena “visita” ao “caso Montepuez”

EXTRAS -

Por Pedro Nacuo

“Se ouvirdes o leão rugir em duas montanhas diferentes não esperem pela terceira, preparem-se, que a seguir está em cima de vós” - diz-se frequentemente na terra onde nasci.

QUEM leu o “Caso Montepuez”- Grande Reportagem, sabe que essencialmente fala de dois crimes, como exactamente vai acontecer com o que nos vem do distrito costeiro de Mogincual, província de Nampula, vizinha de Cabo Delgado.

Um crime foi cometido por uma força política, no caso a Renamo, isso em Novembro de 2000, que ao querer manifestar-se contra o que dizia ter sido um roubo dos seus votos, pela Frelimo, fá-lo em moldes ilegais, tendo os seus membros e simpatizantes portado armas de guerra e tomado, inclusive, à força, instituições sob tutelada do Estado. Por causa desse comportamento, imediatamente morreram cerca de 42 pessoas, na sua quase totalidade, na troca de tiros entre os “manifestantes” e a Polícia. Essa atitude foi vestida de um tipo legal chamada rebelião armada. Há cinco cidadãos que ainda estão a cumprir penas, que vão até 20 anos de prisão.

O outro crime foi cometido pelo Estado, que na tentativa de ver esclarecido aquele entrou em excessos e acabou fazendo o crime mais doloso e pesado do “caso Montepuez”, homicídio qualificado. Isso porque, através dos seus agentes, fez detenções para além de arbitrárias, ilegais, que culminaram com a superlotação da minúscula cela policial junto do comando da corporação na cidade de Montepuez, que detidos e tendo estado provado o nexo de casualidade entre a conduta dos polícias e o resultado MORTE.

É exactamente o que está a acontecer com o problema de Mogincual. Não sei o tipo legal a que se deu (ou vai-se dar) o comportamento de quem crê que a cólera é trazida por pessoas, neste caso agentes da Saúde ou outros de educação preventiva e só depois disso saberei em que circunstância a CRENÇA vira crime.

Seja o que venha a ser, também em Mogincual houve detenções arbitrárias e ilegais. Arbitrárias porque, como no “caso Montepuez” foi-se deter pessoas sobre quem recaiu a suspeita de pertencerem ao grupo, desta feita, de crentes/agitadores (?) de que a doença vinha por via das mãos de quem exactamente queria evitar a sua eclosão ou o seu alastramento. Como as detenções foram arbitrárias, passados quatro dias depois de morrerem 12 detidos, as autoridades locais, chefiadas pelo respectivo administrador, ainda procuravam pelos familiares dos finados.

Também foram detenções ilegais, exactamente como em Montepuez, porque as mesmas autoridades ao procurarem as regiões de proveniência dos detidos ora falecidos, quer dizer que o foram sem mandato quer de busca quer de captura, muito menos de condução à cadeia. Depois que morreram é que quiseram saber donde vinham!

E para tornar fiel à cópia, a comandante da PRM, em Nampula, já adiantou que de facto a causa directa da morte é a falta de ar, em resultado da superlotação da cela da Polícia, na sede do distrito de Mogincual. Papel químico!

O administrador distrital quer perceber ainda um pormenor: sangue nas paredes, o que indica que houve luta corpo-a-corpo entre os detidos. Isso está patente na pequena obra de capa preta, ensanguentada, que estou a citar. “A pancadaria gerada e de forma indiscriminada, incluindo sexos puxados, encontra explicação no recurso ao facto de que em qualquer situação de disputa pelo ar, numa circunstância de aflição colectiva, há excitação e traz revolta em todos os que necessitam do ar para viver”. Caso Montepuez-Grande Reportagem, Página 48.

Ora, no “caso Montepuez”, já nas provas orais e documentais, os que detiveram nos moldes acima descritos, àqueles que depois vieram a morrer, disseram que fizeram-no em cumprimento de ordens dos seus superiores. Houve a instrução de deter quem fosse suspeito de ter estado na manifestação, o que deu lugar a captura indiscriminada, que foi aproveitada por adversários políticos.

Teoricamente ninguém é obrigado a cumprir ordens ilegais, mas na prática é fácil pensar-se que é desobediente aquele que não acata tais ordens, sobretudo quando estamos numa instituição militar ou paramilitar. Teoricamente as ordens não escritas são não-ordens, mas na prática a maior parte das ordens deste país chegam à base via reuniões, telefonemas ou mensageiros. Mas na hora da verdade o Estado de Direito vai exigir quem ordenou o quê, onde está escrito!...

Não hão-de aparecer os que determinaram a detenção de gente insurrecta num distrito com apenas uma cela transitória, se bem que ele mesmo (como divisão administrativa) não dispõe nem de Tribunal para julgar, valendo-se do vizinho distrito de Angoche.

Por isso, como no “caso Montepuez” os executores das orientações não escritas, das ordens ilegais, vão responder em Mogincual. Em Cabo Delgado, para tamanho crime, os culpados foram o carcereiro e o agente que era director da unidade de prisão preventiva, que ainda estão a cumprir as penas de 18 e 17 anos de prisão, respectivamente. Nenhum mandante deu cara!

Em Mogincual já há comandante e chefe da Brigada da PIC suspensos, só para começar! Nenhum mandante dará cara. Papel químico! Mas o novo comandante chama-se Ângelo Filomeno, que já esteve envolvido de alguma forma nos acontecimentos da segunda cidade de Cabo Delgado (vide, páginas 31, 54 e 55, “Caso Montepuez”-Grande Reportagem).

PS - Publicidade fora: O caso Montepuez, alguém disse em 2002, é uma Bíblia onde se busca (1) como tratar jornalisticamente assuntos de manifestações de massas e (2) como a Polícia não deveria actuar em cada esquadra deste país, perante as diferentes manifestações que o tempo e as oportunidades vão criando. À atenção da ACIPOL!

Fonte: Notícias

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