Ad Scribendum
Por: Custódio Duma, Jurista
“No exercício da sua profissão, os juristas tem duas opções: utilizar o direito como instrumento de transformação social e estreitar os laços dos movimentos sociais ou então viver do Direito e da miséria do povo moçambicano”. Adaptado.
Encontrei, faz muito tempo, uma frase bem parecida à que coloquei acima em itálico. Gostei da frase e a adaptei para o contexto moçambicano e deste texto. Hoje, como jurista e como defensor dos Direitos Humanos, embora não possa ainda entender toda a dimensão da frase, pesa-me a responsabilidade de reflectir sobre ela e perguntar até que ponto eu e meus colegas juristas conseguimos ter noção da nossa responsabilidade social para com o povo moçambicano.
Um jurista é aquele que, de acordo com o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, 26ª edição: “se dedica ao direito, notadamente a que escreve livros jurídicos, ou então, a pessoa versada em leis e que se dedica aos estudos jurídicos”.
Genericamente, em Moçambique, jurista designa todo aquele que se graduou em direito numa faculdade especializada. Por isso cabe nesse conceito, tanto os Advogados, os Juizes, os Procuradores da República, Consultores Jurídicos, Assessores Jurídicos, bem como odos outros profissionais de Direito que exercendo ou não, concluíram o curso de direito num estabelecimento de ensino superior. Para efeitos deste texto gostaria de estringir o conceito de juristas para designar somente o Advogado, o Juiz e o Procurador da República.
Juntando esta designação à frase acima grifada, diria que estes profissionais a que me restringi, têm como opção, no exercício das suas actividades a possibilidade de usar o direito como instrumento de transformação social ou aproveitar-se do direito para se enriquecer a custa da miséria do povo.
O advogado é toda a pessoa que patrocinando os interesses de outrem, com os seus conhecimentos jurídicos, defende os direitos que lhe são confiados, a fim de que retornem a sua posição normal e fiquem livres das importunações ou ameaças que os perturbem.
O Juiz é a pessoa que investida de uma autoridade pública administra a justiça em nome do Estado. Ele é mandatário da soberania da nação, sendo parte integrante do poder judicial, pelo qual se manifesta a própria vontade da sociedade e dentro dos poderes de administrar a justiça, ressalta-lhe o poder de julgar.
Já o Procurador da República, ele é um representante do Ministério Público, a quem se comete o encargo de representar o Estado em todas as questões judiciais em que tenham interesse público. Ou então, são os legítimos representantes do Estado onde este apareça
como réu, autor, assistente ou oponente. Os nossos Procuradores são também guardiões e fiscais da Lei.
Parecendo que não, estes três profissionais são igualmente muito importantes no processo da administração da justiça e na busca da verdade sobre as situações em questão, a ausência ou o mau desempenho de qualquer um deles no processo inviabiliza completamente aquilo que chamaríamos de bom desempenho da justiça e o próprio acesso à justiça.
Eu entendo o processo da justiça como longo e complexo, incluindo para além da litigância, a infor-mação, a educação, a proteção e a promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
É assim que, reflectir sobre a responsabilidade social dos juristas na vida dos moçambicanos acaba sendo um imperativo. Ainda mais quando o descrédito e a suspeita dos cidadãos quanto à integridade do nosso sistema tende a crescer mais e mais.
Vivemos em uma sociedade cujas pessoas para além de desconhecerem o direito, não tem a cultura jurídica e mais que metade são analfabetas. Os cidadãosmoçambicanos têm a prática de se conformarem perante situações que realmente determinam e condicionam as suas vidas e ai faz sentido perguntar sobre o papel dos juristas que conhecem e trabalham com as leis.
Diante de uma Constituição da República tão ampla e enriquecida, um documento que traz novos horizontes nos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, ainda nos deparamos com uma grande ausência de contribuição para sua interpretação e implementação na vida do cidadão que na sua maioria nem sabe o que é uma Lei mãe.
Perante a dinâmica da revisão legislativa e da reforma legal, não são poucas as reclamações que tem surgido principalmente de quem orienta o debate sobre a forte ausência de profissionais de direito na matéria. É como se o assunto não lhes dissesse nada. Não im-porta quem faz as leis, quem as propõe nem quem as a-prova, os juristas se acomodam e simplesmente esperam que as leis estejam em vigor para que as usem.
Hoje, a tecnologia está super avançada, pelo menos o esforço da investigação e da elaboração de materiais está demasiadamente simplificado o que significa que, na actualidade há um grande espaço para que os juristas possam escrever livros, brochuras, estudos, perguntas, comentários e outros. Mas nada. O nosso jurista não tem o costume de escrever, se calhar já nem lê. Os espetáculos que assistimos nos julgamentos justificam a tese.
Alguns juristas têm décadas de experiência na área, mas não tem nenhum artigo jurídico publicado, nem pelo menos sobre a sua experiência como juiz, advogado ou procurador. Penso que um indivíduo que trabalhou como Juiz ou advogado numa cidade, ou bairro, depois de cinco anos, dez anos tem muito que dizer sobre o que viu, o que passou e o que aprende. Dados que seriam usados pelos estudantes, pesquisadores, curiosos e até mesmo para as estatísticas nacionais. Mas nada. O jurista não se sente responsável perante a sociedade.
Temos assistido muitos casos de violações de direitos colectivos de cidadãos. Empresas que poluem bairros e machambas, ricos e estrangeiros que se apoderam das terras dos camponeses, acidentes de viação que dizimam dezenas e centenas de vidas, mas nada. Nenhum jurista se levanta para se posicionar em defesa desses direitos. É como se isso estivesse a acontecer noutro mundo.
As associações e movimentos organizados de cidadãos, que militam em prol de certos direitos, muitos crianças, idosos, deficientes, viúvas etc, na sua maioria nunca tiveram apoio de um advogado, pelo menos para dar certo parecer ou orientação na sua militância. Isso não diz respeito ao senhor doutor. Nem os juizes se preocupam em facilitar o bom curso desses casos, muitas vezes até são subornados para irem contra a população.
Os procuradores que deveriam ter iniciativa de processar certo comerciante que vende produtos fora do prazo, de acusar certa empresa que abusa os seus trabalhadores, de exigir certo comportamento ao próprio Estado em relação ao cidadão, simplesmente não o faz. Parece que se esqueceu da sua tarefa. Ele não tem responsabilidades perante o cidadão.
Corre uma fama já antiga de que os advogados são demasiadamente materialistas e que só pensam no dinheiro. Pode ser verdade, mas sobre isso não são piores que os juizes e procuradores, estes também pensam no dinheiro, na medida em que muitos deles só estão no escritório para cumprir o horário e esperar o fim do mês. São poucas às vezes em que eles realmente se dedicam a um processo que sabem dele não virem lograr dividendos.
Tudo isso agudiza ainda mais o questionamento: qual a responsabilidade social do jurista?
Estamos em pleno século XXI, onde a retórica está cada vez mais sofisticada, mas o povo continua o mesmo. As pessoas tornaram-se mais consumistas, mas a essência humana ainda é a mesma. As instituições tornaram-se mais politizadas mas a dignidade da pessoa humana continua a mesma.
Estamos num mundo onde vigora a inversão de valores, mas o homem continua com as mesmas neces-sidades de justiça, paz e amor. Não olhar para isso, considerando a degradação da nossa sociedade entendemos que no geral os juristas decidiram viver da
miséria do povo. Por isso vale a pena pensar e reflectir na nossa responsabilidade social como juristas.¦
P.S.
Mais não disse!
Olá.
ResponderEliminarBom dia.
Vim agradecer a visita lá ao meu sítio e palavras deixadas. A porta está aberta. Volta sempre que queiras.
Vou voltar aqui com tempo ...para poder ler com o vagar que os assuntos que por aqui vi merecem.
Bom fim de semana
Bj