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segunda-feira, agosto 07, 2006

Governo desorientado quanto ao combate à corrupção (1)

Por Marcelo Mosse

O Presidente da República, Armando Guebuza, no seu discurso por ocasião do Dia Nacional (25 de Junho), fez uma incursão num problema que tem estado em cima da mesa em Moçambique: a corrupção. Falando a jornalistas na Praça dos Heróis, o discurso de Armando Guebuza resumiu-se essencialmente em transmitir as seguintes ideias, de acordo com o Jornal Notícias (27 de Junho de 2006, p.1): (i) O combate à corrupção não é feito através de perseguições a pessoas ou a instituições, mas sim é um ataque aos problemas estruturais que existem no país, como é o caso do combate à pobreza; por outro lado, não é atacar A ou B; (ii) Guebuza liga a corrupção ao problema da pobreza; "É um problema que tem a ver com a pobreza"; (iii) O combate à corrupção não está a falhar (…); "As pessoas é que não se apercebem do que está a acontecer". Segundo ele, para o Governo a corrupção é um problema estrutural e, por isso, está a atacá-lo desse ponto de vista (…); (iv) Combater a corrupção é preciso também atacar um outro ponto de fundo, que se relaciona com a atitude que as pessoas têm com o problema;

O Centro de Integridade Pública (CIP) considera que as declarações do PR foram de extrema importância para se compreender qual é o cometimento do seu Governo nesta matéria, passados mais de 15 meses da sua tomada de posse. Recorde-se que o PR escolheu para o seu consulado o combate à corrupção como um dos objectivos de fundo.

Para o CIP, das declarações do PR podem-se extrair algumas ideias:

• O Governo considera que a corrupção combate-se com o fim da pobreza;

• A opinião pública está completamente ignorante das actividades que o Governo está a realizar nesta área;

• A responsabilização e o fim da impunidade não são momentos estratégicos do combate a corrupção;

Quanto à questão da "atitude das pessoas", não ficou claro se o PR se referia à atitude da sociedade relativamente à condenação moral da corrupção ou à facilidade com que algumas franjas da sociedade se envolvem na corrupção.

O Centro de Integridade Pública, como organização da sociedade civil, toma a liberdade de comentar as declarações do PR, nos seguintes termos:

Sobre corrupção e pobreza : O PR diz que o combate à corrupção é feito através do combate à pobreza. Para o CIP, esta formulação não é correcta. O combate à pobreza não pode combater, explicitamente, a corrupção, pois a corrupção é justamente uma das causas da perpetuação da pobreza.

Quando largas somas de dinheiro são desviados dos cofres do Estado; quando processos de procurement são manipulados, resultando em escolas e hospitais mal construídos; quando instituições bancárias são delapidadas em situações em que o Estado depois assume determinadas dívidas privadas, com encargos volumosos para o bolso dos contribuintes; quando esquemas de rent seeking permanecem impunes no Estado; quando empresas comerciais continuam a importar sem pagar impostos, afectando as receitas do Estado; quando na Justiça as sentenças são comercializadas e na Educação persistem formas de extorsão sexual e outras práticas perniciosas; quando na Saúde já se compra anti-retrovirais no Xiquelene; quando no sector público o sistema de recrutamento de pessoal não é transparente nem competitivo, etc; quando tudo isto acontece e persiste em Moçambique é a pobreza que se perpetua. A corrupção é, por isso, um factor de desigualdades sociais.

A ideia de que o combate à pobreza elimina a corrupção é uma ideia falsa. Muitos países ricos, altamente industrializados, com altos rendimentos per capita , possuem práticas de corrupção bem enraizadas, controladas ou não pelo Estado. Um desses exemplos é a Itália, onde nos últimos anos, só na Procuradoria de Milão foram investigados e acusados mais de 5 mil casos de corrupção envolvendo altas figuradas do Estado, incluindo juizes.

A diferença é, pois, que nesses países, o Estado e a sociedade reprimem veementemente essas práticas e a classe política, em muitos casos, contribui positivamente para a criação de um ambiente de transparência e negócios limpos, ao apoiarem a acções e a isenção da Justiça, mas sobretudo ao incentivarem-na para que ela actue sem interferência.

Sobre perseguições a A e B : O PR diz que o combate a corrupção não pode ser feito através perseguições a A e B. Esta afirmação parece ser uma resposta à cada vez crescente expectativa na opinião pública de se ver alguns exemplos de condenação judicial por crimes de corrupção, incluindo a condenação de casos de grande corrupção. Trata-se da questão da responsabilização. Ou, se quisermos, da remoção da impunidade. Cremos que a opinião pública e as recomendações que têm sido feitas em estudos sobre o fenómeno não estão a exigir que se abra um processo de "caça às bruxas" em Moçambique; estão a exigir que haja alguns exemplos de condenação judicial, de responsabilização penal. E o trabalho da Justiça não pode ser confundido com uma "caça às bruxas"; a Justiça deve investigar sem interferência política e, se isso acontecer, não estaremos perante uma "caça às bruxas".

Trata-se de um primeiro passo para a criação de um ambiente de confiança dos cidadãos no Estado e na sua Justiça; tratar-se-ia também de dar provas concretas de que, a partir do momento em que o novo Governo tomou posse, práticas de corrupção deixaram de ficar impunes, o que seria aliás um sinal de dissuasão e capa dura da pretensa vontade política que se tem tentado fazer crer que existe. Não há, pois, combate à corrupção que não tenha como primeiro passo a responsabilização penal.

O discurso do PR foi um discurso infeliz neste aspecto. Ao invés de condenar as pretensas "perseguições" (ninguém sabe se existem perseguições) e ao mesmo tempo incentivar que a Justiça investigue e actue dentro da Lei, o PR deixou no ar declarações que só confundirão as magistraturas.

(N.E.: Trata-se da 1.ª parte. Na edição 102, de 03 de Julho, publicaremos a 2.ª e última parte desta análise de Marcelo Mosse, Coordenador do Executivo do Centro de Integridade Pública)


Canal de Mocambique (2006-06-30)

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