Páginas

sexta-feira, outubro 14, 2011

“Paz” sem PAZ

Por João Mosca

Três breves conversas sobre a paz no dia da “paz”:

Conversa 1

Como paz se maioria é pobre e está com fome?
Só é possível combater a pobreza em paz!
E se em paz não se consegue reduzir a paz e há cada vez mais ricos?
Ah … isso já não sei!

Conversa 2
Não concordo contigo quando dizes que “é preciso outra postura na política económica alterando profundamente o modelo de crescimento que temos. É preciso, sim, alargar a base de acesso e de oportunidades a uma grande parte da população”
Então porquê, perguntei?
Porque o que é necessário são movimentos sociais de protesto, porque quem faz as políticas são outros
Concordo contigo!

Conversa 3
A paz não é questionável!
E se o poder não ouve a voz dos explorados e dos novos colonizados?
Sim porque hoje em algumas coisas é pior que no tempo colonial!
Eles não pegaram em armas?
Mas agora somos independentes?
Afinal Samora não dizia que independência não era só substituir um governo de brancos por pretos?

A paz é o bem maior dos povos e dos cidadãos. Paz, não só no sentido primeiro de ausência de conflito violento/armado. Sim paz em sociedades que unem esforços para a conquista do bem-estar e da felicidade dos cidadãos, na procura por uma sociedade cada vez mais justa e equitativa, com semelhantes oportunidades e onde o mérito individual e colectivo geram desenvolvimento. Paz no sentido de estabilidade social onde a maioria se sente participe de um projecto de nação e de país.


Há “paz” sem paz quando a riqueza se concentra e a pobreza aumenta. Quando a riqueza sai do país, beneficia elites e a população é acantonada em reassentamento que são uma síntese do pior das aldeias comunais. Há “paz” sem paz quando se manipulam resultados eleitorais. Quando pessoas são presas sem saber porquê. Quando a corrupção está em progresso.

Quando há “paz” sem paz, são necessários discursos de paz e manifestações arquitectadas por quem quer a paz como meio de preservação do poder para continuar a enriquecer por via do Estado a quem julgaram servir. Em linguagem pós-independência fala-se de paz para continuar a explorar o povo e manter as regalias do poder.

Esta “paz” sem paz não é duradoura e não serve. É necessária a verdadeira, assente em ideais em construção por um projecto que mobilize os cidadãos.

O não conflito armado tem de ser evitado e nada resolve. Mas também devem se utilizar todas as formas legais e democráticas para combater a “paz” sem paz. E o poder tem consciência que as novas AKMs não disparam balas. Emitem mensagens e mails. Fala-se de justiça. Formam-se técnicos com espírito crítico. Debatem-se ideias. Questionam-se as opções políticas. Luta-se para o acesso à informação. As novas AKMs são canções que despertam consciências.

O poder tem a consciência que não tem argumentos para o debate. A rudeza da realidade que suportam e desenvolvem, não tem defesa ideológica, patriótica ou de justiça. Muitos dos intelectuais do poder orgulhosos do seu PhD, quando procuram argumentar decisões governamentais, transformam-se em patetas e envergonham-se a si próprios. Os discursos oficiais não possuem conteúdos nem ideologia e refugiam-se em slogans vazios que oportunisticamente aproveitam a iliteracia política da maioria do povo e do carreirismo de seguidistas na procura de verdinhas (dólares) e de promoções. O poder sabe que perdeu definitivamente a batalha das ideias. Lembro-me que numa entrevista, um general da NATO dizia que na guerra-fria, o mais importante não era a quantidade do armamento, mas a luta das ideias. Ou quando Samora dizia que a luta de libertação seria ganha porque era justa.

O poder tem consciência das suas fraquezas. Por isso encerra informações. Silencia vozes. Procura controlar a informação. Ameaça jornalistas. Conta quantos não negros estão nos debates televisivos. Raramente comparecem em debates públicos.

É um dever patriótico de todos que não haja “paz” sem paz. Às elites compete em uma quota importante da responsabilidade de lutar pela paz real, duradoura, assente nos valores da justiça, da equidade, da transparência governativa, na implantação de uma democracia verdadeira. E isso só é possível, como dizia o meu velho e bem informado amigo, com movimentos sociais, porque, segundo ele, quem faz a política da pobreza são os de fora. E pode-se acrescentar, com alguns beneficiários locais. Movimentos sociais sem desordem mas violentos na frontalidade oratória. Nos debates para onde representantes do poder raras vezes comparecem numa atitude mista de desprezo, de sobranceirismo e com sinais de incapacidade de argumentação. Luta nos trabalhos académicos sem ferir o profissionalismo e a ética na investigação e na leccionação.

A sociedade civil cresce e com qualidade. A maioria não encarrila pelo contra discurso ideológico ou panfletário. Faz estudos e apresenta-os em debates públicos. Faz filmes -documentários. Monitoriza acções de implementação de decisões governativas. Pede entrevistas com responsáveis da governação que nem sempre são atendidas.

Os movimentos sociais devem querer apenas mudanças. E fazem-no construtivamente no espírito democrático procurando envolver as instituições públicas. Compete a estas abrirem-se. Possuírem espírito tolerante. Corrigirem-se quando as críticas são fundamentadas. Criarem espaços de debate sem limites nem consequências para com os discordantes.

Embora concorde no essencial (no mais importante), com o meu amigo que disse que as políticas vêm de fora, também é verdade que há margens de decisão local. E essa margem é possível. Se não se pratica, é porque existem benefícios com a atitude de subserviência. Esta é talvez o expoente máximo da tal “paz” sem paz.

Não estou certo que as mudanças não sejam possíveis. Mas para se acreditar nisso, seria necessário duvidar da famosa tese de que nenhum poder se suicida. Está-se a tempo de evitar o conflito e é ao actual poder que lhe compete essa tarefa. E se a “paz” sem paz perdurar, seria justo um conflito violento? E, como canta a canção “não vamos esquecer o tempo que passou”, a FRELIMO iniciou um conflito armado porque foram esgotadas as possibilidades de diálogo e porque a causa era justa.

Para terminar, transcreve-se um extracto da entrevista de Jorge Rebelo ao jornal O País editado a 4 de Outubro: “… se nós queremos construir uma paz durável, o caminho é esse, garantir que todos os cidadãos moçambicanos, tenham igualdade de acesso às riquezas do país. E que não haja um grupo que se aproprie de uma parte considerável desses recursos em detrimento do grosso da população, aí teremos a paz”.

Fonte: Savana - 14-10.2011

Sem comentários:

Enviar um comentário