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quarta-feira, outubro 20, 2010

“Há ministros que enriquecem à custa do sofrimento do povo”

Jorge Rebelo não tem dúvidas:

O antigo ministro da Informação do governo de Samora Machel diz que a Frelimo do passado era utópica e, por essa via, cometeu erros. A título de exemplo, cita a “lei da Chicotada”.
O país assinalou, ontem, a passagem dos 24 anos após o acidente aéreo que vitimou o primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, e mais 33 membros da sua delegação, quando regressavam de mais uma missão de paz na SADC.
Esta efeméride serviu como mote para que o Parlamento Juvenil - uma organização da sociedade civil - promovesse uma palestra em torno da vida e obra do fundador da nação moçambicana. A palestra teve como orador principal Jorge Rebelo, que acompanhou Samora Machel até aos últimos dias da sua vida. Rebelo é hoje membro do Comité Central da Frelimo e é apontado como uma reserva do “samorismo” e uma referência de integridade.

Governo com alguns corruptos

Igual a si próprio, Rebelo lançou uma crítica veemente a todos aqueles (sobretudo da classe governante) que, na sua opinião, vivem à custa do sofrimento do povo. Rebelo pronunciou-se nestes termos em resposta a uma inquietação de um jovem, que procurou saber qual era a opinião do ex-ideólogo da Frelimo em torno da corrupção que se instalou nas mais altas esferas de governação.
“O Governo é uma entidade abstracta. Dentro do governo existem ministros, vice-ministros, directores nacionais (...). alguns destes estão a enriquecer à custa do povo. Mas há também gente séria. O que me preocupa é ver esses sérios e honestos a serem corridos de lá. Conheço, por exemplo, o Dr. Ivo Garrido e sei que não é corrupto e nem está associado à corrupção, mas foi corrido do Governo. Eu não percebo porquê? Conheço também o Dr. Eneas Comiche e sei da luta que desenvolveu no Conselho Municipal visando acabar com esquemas de corrupção (...), mas ele também foi corrido”, lamentou Jorge Rebelo.
Depois da palestra, a nossa equipa de reportagem procurou Rebelo para explicar, com mais detalhes, o conteúdo das suas inquietações, mas ele escusou-se a responder, aconselhando-nos a “perguntar ao Chefe de Estado” sobre as razões que levam gente honesta a ser “corrida do governo”.

Falta de referências

Para Rebelo, o país vive uma crise de valores e de falta de referências de integridade. Por isso, há quem busca a referência para o combate à corrupção em confissões religiosas. Entretanto, a solução mais próxima são as figuras de Samora e Eduardo Mondlane, pois deixaram lições e definiram a corrupção como um mal a combater.
“Vocês, a juventude, enfrentam hoje uma grave crise de valores. Em parte, dizem, vocês próprios, que é por falta de referências. Olham à volta, vêem ou ouvem dizer que foram roubados 14 milhões de dólares no BCM, que Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua foram assassinados porque conheciam e podiam identificar os bandidos, que um ministro utilizou dinheiro do seu ministério para pagar bolsas de estudo no estrangeiro para os seus filhos (...)”. Ainda no âmbito da alegada ausência de um comportamento digno de imitação na actualidade, diz Rebelo: “os jovens questionam-se, mas não encontram balizas para o seu comportamento. É como um campo sem balizas, cada um marca o golo em qualquer parte do campo e o golo é válido”.
Entretanto, a obsessão pelo enriquecimento dentro dos quadros do Governo e antigos combatentes é, segundo Rebelo, um desvio em relação ao comportamento inicial. “Durante a luta, ninguém estava preocupado em ser rico, mas mudamos”.
Só para dar um exemplo, Jorge Rebelo diz que na morte de Samora Machel, o Comité Central da Frelimo disse, numa mensagem fúnebre, que jurou combater a corrupção. A mensagem era: “Comprometemo-nos a apontar as armas também para dentro. Saberemos neutralizar aqueles que enriquecem com a miséria”.

“Produção de alimentos é um desastre”

Na óptica de Rebelo, não é só a falta de referência em matérias de corrupção e degradação de valores que deve preocupar os jovens, pois também as políticas desenhadas para o país, que não são eficazes.
“Na agricultura, principalmente, a produção de alimentos é um desastre. Mesmo a batata, cebola e tomate que comemos diariamente são importadas. A indústria é praticamente inexistente e, como consequência, os preços são insuportáveis”, disse Rebelo para quem as políticas para o sector estão a falhar.
Os defeitos de Samora Machel

Jorge Rebelo reconheceu também que, durante os anos do “samorismo”, muitos erros foram cometidos. Mais adiante, Rebelo disse que os meus foram cometidos porque os jovens governantes tinham ideias “utópicas” na ânsia de fazer o país um referencial de desenvolvimento e de justiça social.

“Samora teve defeitos, como qualquer outro”, disse Rebelo. Mas quais?

Jorge Rebelo apontou três: Samora Machel, enfrentado pelo elevado índice de criminalidade, chegou a convencer a Assembleia da República Popular para aprovação de uma lei, prevendo chicotadas para as pessoas que fossem indiciadas em determinados crimes.
Essa proposta, de acordo com Rebelo, criou sérias divergências de opinião, mas a disciplina partidária levou, por fim, à sua aprovação, embora sem reunir consenso. Por isso, em pouco tempo, a proposta viria a originar críticas mútuas no seio das alas da Frelimo.
Rebelo deixou claro que, embora Samora Machel fosse o líder do partido e da República, as decisões eram tomadas de uma forma colegial e solidária.

Fonte: O País online - 20.10.2010

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