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quinta-feira, outubro 14, 2010

Akwiri de Covó

DIALOGANDO

Por Mouzinho de Albuquerque

ANTES que “entulhe” os eventuais leitores com desconhecimentos, talvez comece por dizer que akwiri é uma palavra macua que em português significa feiticeiros, em singular diz-se mukwiri. E por falar de feiticeiros, quero reafirmar aqui, que o problema de pessoas acusadas de feitiçaria tem vindo a assumir em algumas regiões deste grande Moçambique, proporções que todos conhecemos e admitimos como graves.
Já tinha dito que é um fenómeno que merece vários estudos sociológicos e, segundo se diz, tem origem em questões ancestrais, sendo a sua prática oriunda da tradição bantu, onde o aspecto mais importante é a crença de que as pessoas, principalmente velhas encarnam os maus espíritos e são responsáveis pela “má sorte” ou morte de membros da família. Ainda bem que agora já temos muitos sociólogos formados no nosso país.
São crenças prevalecentes e inquietantes, na medida em que traduzem a “veneração” do ditado que diz que os velhos pensamentos não se adaptam facilmente à nova realidade, aos novos avanços científicos da humanidade, em que não podemos continuar “amarrados” com essa forma de ver as coisas.
É que o que ninguém esperava era que um líder comunitário muito conhecido, que deve ser exemplo no combate a essas crenças, admitisse em pleno comício popular dirigido por um governador provincial, a existência de muitos feiticeiros que “pescam” dinheiro na sua zona de jurisdição, tal como o fez semana passada um régulo do recôndito posto administrativo de Covó, no distrito de Nacala-a-Velha.
Num comício que o governador da província de Nampula, Felismino Tocoli, orientou no referido posto, um régulo levantou-se para dizer ao governante e quase que a chorar que ele é beneficiário dos Fundos de Desenvolvimento Distrital, vulgo “sete milhões”, só que todo o valor que ele pediu emprestado foi roubado por “feiticeiros” da zona, sem que tivesse aplicado no seu projecto.
O pronunciamento do régulo provocou murmúrios e risos no comício muito concorrido, até houve quem disse que é um argumento “furado” do líder comunitário e acrescentou: o alerta ficou dado, até porque Covó encerra um forte potencial mitológico e é necessário que não se deixe que a crença contamine outras zonas porque senão Covó fica cada vez mais Covó.
Do que transpareceu do lado do governador Tocoli, é que houve uma percepção rápida e sobretudo não complacente. É que mesmo aquela pessoa ostentando o estatuto de régulo, o governador foi peremptório na sua resposta. Ele disse ao régulo falando em língua macua nesse comício, para que fosse ter com esses akwiri a fim de lhes informar que o dinheiro que “pescaram” não é seu, pediu emprestado é preciso devolver.
Tocoli voltou a apelar às pessoas, cujos projectos já foram financiados, para que saibam que o dinheiro que levaram é para devolver, pois que não é uma oferta. Por isso que os líderes comunitários deveriam servir de exemplo no seio da população, sensibilizando as pessoas sobre a necessidade da devolução do dinheiro.
Na realidade, é preciso que os líderes comunitários que, na sua maioria fazem parte dos conselhos consultivos distritais, avaliam os vários projectos sustentáveis e aprovam os seus investimentos, através dos Fundos de Desenvolvimento Distrital, percebam a lógica e a racionalidade da aplicação ou gestão desse dinheiro público.
Favorecer as zonas menos desenvolvidas como o posto administrativo de Covó, financiando os projectos de produção de comida, construção ou reabilitação de cantinas rurais, compra de carros para o transporte semi-colectivos de passageiros, criação de gado bovino, formação de associações de camponeses e outras coisas, implica também a existência de líderes comunitários honestos e não os que dão um sinal péssimo à sociedade e ao país.
Portanto, numa altura como esta, em que precisamos de educação generalizada para combatermos o problema da feitiçaria no nosso país, principalmente naquelas zonas onde por causa dela verificam- se com frequência, casos de linchamentos, espancamentos e outras desgraças da vida, os líderes comunitários são chamados a estarem na dianteira das suas comunidades.
Com o obscurantismo não vamos a lado nenhum. Continuaremos a matarmo-nos uns aos outros com o objectivo de extrair os órgãos humanos para fins obscurantistas. É tempo de dizermos basta de crenças obscurantistas no nosso país.
Contudo, no posto administrativo de Covó a chegada dos vulgos “sete milhões “ está a mudar a vida socioeconómica das populações, claro para os que sabem implementar bem os seus projectos e gerar os fundos, os que trabalham com tranquilidade de espíritos não “refugiando-se” na feitiçaria. É certo que possa haver um e outro problema que não tenha sido resolvido, mas que em função das disponibilidades financeiras do executivo, poderão ter solução. E espero que outros líderes honestos não sigam o exemplo do seu colega.

Fonte: Jornal Notícias - 14.10.2010

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