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domingo, agosto 01, 2010

Denegação de Justiça

Por Machado da Graça

Há pouco tempo chegou-me às mãos o livro A Denegação de Justiça como Fundamento da Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, do jurista moçambicano Hermenegildo Pedro Chambal.
Diz ele, na pág. 31, que: Entendemos que estamos perante denegação de justiça sempre que houver recusa ou retardamento na administração de justiça, seja por negligência, frouxidão, indolência dos magistrados, mesmo quando motivada e alegando obscuridade, silêncio ou indecisão da lei, seja pela deficiente estruturação da máquina administrativa da justiça.
Na mesma obra, o Autor recorda-nos o art. 62º. Da Constituição, que garante a proibição da denegação da justiça, e o art. 218º.
Que prevê a responsabilidade civil do juiz.
Ora tudo isto me lembrou a situação jurídica em que se encontra o litígio entre os sócios reconhecidos da COOP e o Estado, desde há já muitos anos.
Só para recordar, eu resumo:
Quando se fizeram as nacionalizações, logo a seguir à Independência, a COOP, uma cooperativa de construção de casas, não foi nacionalizada, na medida em que era um tipo de organização que tinha perfeito cabimento no tipo de Estado que se pretendia instituir.
Mas o governo da altura resolveu intervencioná-la. Isto é, nomeou um administrador para garantir o normal funcionamento, numa fase em que a maioria dos sócios, cidadãos portugueses, tinham abandonado o país.
E assim ficou a COOP durante muitos anos.
Em 1999 o governo fez uma auscultação para saber quantos sócios da COOP havia no país e quem eles eram.
Apresentaram-se 243 sócios e, após a devida verificação, o Estado reconheceu-os, publicando a lista dos seus nomes em Boletim da República.
Começou, então, um processo que deveria levar à normalização da vida da COOP, gerida pelos seus sócios.
Nesse contexto, o Governo, através do Ministério das Obras Publicas e Habitação, convocou uma Assembleia Geral de Sócios para o dia 14 de Setembro de 2000, em que o principal ponto da ordem de trabalhos era a eleição dos novos corpos gerentes. A Assembleia realizou-se, dirigida por um representante do Ministério, e os novos corpos gerentes (Mesa da Assembleia Geral, Conselho de Administração e Conselho Fiscal) foram eleitos.
Ninguém contestou esta eleição, dentro dos prazos estatutária e legalmente estabelecidos.
Simplesmente, como a lista eleita parace que não era do agrado do Ministério, este, numa manifesta atitude de abuso do poder, nunca deu posse aos novos corpos sociais.
Perante esta situação, os sócios reconhecidos meteram no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo o processo, que recebeu o número 175/2001/A, requerendo a investidura, por via judicial, dos corpos gerentes eleitos.
E aqui começa o que me parece, claramente, um caso de denegação de justiça.
Pois este processo esteve no Tribunal, sem qualquer andamento, de 2001 a 2007, apesar de a Juíza Presidente, na altura, sempre afirmar que se tratava de uma questão muito simples, só que ela andava cheia de trabalho.
Foi preciso mudar a direcção do Tribunal e assumir a sua presidência o juiz Augusto Paulino, para, a 5 de Março de 2007 o processo ser finalmente julgado. Augusto Paulino pronunciou uma sentença em que, com clareza, declarava que a razão estava com os sócios reconhecidos e os novos corpos gerentes deviam tomar posse imediatamente.
Tomaram? Não.
Isto porque o Estado interpôs recurso para o Tribunal Supremo, a 2 de Maio de 2007.
E lá jaz o processo, há mais de 3 anos, sem qualquer decisão tomada.
E, portanto, um processo que era tão simples de resolver, está há mais de 10 anos sem ser resolvido.
Não vou aqui comentar se se trata de negligência, frouxidão ou indolência dos magistrados ou se, pura e simplesmente, se trata de, mais uma vez, o poder judicial fazer frete ao governo, na medida em que a COOP tem servido de uma espécie de saco azul do
MOPH.
Agora que há denegação de justiça, não tenho a menor dúvida.
E, diz-nos Hermenegildo Pedro Chambal, casos deste tipo podem ser levados igualmente à justiça, para responsabilização civil dos magistrados, e existe mesmo a possibilidade de recurso às instâncias internacionais.
Se calhar é mesmo esse o caminho que os sócios reconhecidos da COOP devem tomar.

SAVANA edicão de 30.07.2010 in Moçambique para todos

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