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terça-feira, março 30, 2010

G19, Governo e soberania

...é legítimo, ou não, quando os doadores nos dão dinheiro e, em contrapartida, nos exigem que façamos a sua agenda? É evidente que é legítimo. Quem paga a factura, determina a música que se toca.

Depois de três meses a falarem para o boneco, doadores e governo terminaram em bem o diferendo que os separava. Acaba, assim, a incerteza dos mercados, a assustadora especulação do rande e do dólar e, sobretudo, a inquietação geral de que o país saísse dos carris se os parceiros não desembolsassem os 472 milhões USD com que apoiam o Orçamento do Estado.
Este final feliz acaba as incertezas, é certo, mas deixa profundas cicatrizes pela forma como se processou este dossier todo. No rescaldo desta crise, ficou a preocupante sensação de que o nosso Governo “não é soberano, “não manda”, como lhe delegaram os que nele votaram. Pelo contrário, recebe mandato do povo, mas faz a agenda dos parceiros internacionais e a estes presta contas, antes de qualquer coisa mais. E neste qualquer coisa se incluem os cidadãos deste país e o parlamento.
Como, então, persuadir o cidadão a votar num programa de governação e a nele se rever e acreditar se, uma vez este programa aprovado, pode mudar consoante os desígnios de quem o vai financiar?
Ao escrever cartas, primeiro ao FMI, em Novembro de 2009, e depois aos G19, em dose dupla, em Dezembro e em Fevereiro, antes mesmo de uma comunicação oficial interna ao parlamento, prometendo àqueles que, em 2010, ia cortar subsídio às gasolineiras, que ia rever as leis anti-corrupção e das empresas públicas, que ia melhorar a lei do procurement, o Governo determinou, à partida, subrepticiamente, a sua lógica de prioridade na prestação de contas. Primeiro, os doadores e depois o parlamento e, por conseguinte, os seus cidadãos.
Mesmo que, como sucedeu, no dia do desenlace da crise, o ministro Aiuba Cuereneia tenha insistido que o Governo não cedera às exigências dos doadores, o simples facto de as principais exigências dos doadores se materializarem, concomitantemente, no seguimento da crise, faz-nos pensar numa coincidência estranha. Vejamos as coincidências: os doadores exigem revisão do regimento da Assembleia da República, claramente para acomodar o MDM a formar bancada. O Governo diz que esta não era matéria da sua alçada, mas apenas do parlamento. Coincidentemente, no discurso de abertura da primeira sessão, a chefe da bancada da Frelimo propõe a revisão do regimento e estende a mão ao MDM para constituir bancada. Os doadores exigem revisão da legislação eleitoral e, na mesma semana em que governo e G19 encerram a crise, o parlamento coloca na sua agenda da primeira sessão a revisão da lei eleitoral. Os doadores exigem clareza na estratégia anti-corrupção do governo.
Na mesma semana, o Ministério da Justiça lança o debate público para a revisão da lei de declaração de bens dos governantes.
Como se vê, são demasiadas coincidências para acreditarmos que não há, aqui, nenhuma relação de causa-efeito, entre as exigências dos doadores e a consumação imediata destas exigências. É a velha estória da mulher do César: não basta ser, também tem que parecer. E, neste dossier, não há nada que pareça que o Governo não fez a vontade dos doadores.
Analisemos, por exemplo, a urgência da revisão da legislação eleitoral. É certo que quase todos os observadores eleitorais criticaram a nossa legislação eleitoral, idem o Conselho Constitucional e o Presidente da República, pelo que havia consenso de que devia ser, inevitavelmente, alterada. Mas as próximas eleições só serão em 2013 (autárquicas) e 2014 (gerais). Até lá, há três anos e muitas sessões do parlamento pela frente. No entanto, escolheu-se precisamente a sessão de abertura da legislatura, aquela que já tem uma agenda cheia, com as muitas matérias que transitam da legislatura anterior e os incontonáveis programa quinquenal do Governo, Plano Económico e Social para 2010 e ainda o respectivo Orçamento do Estado.
Ou seja, não havia propriamente urgência para que a revisão acontecesse necessariamente nesta primeira sessão. Mesmo que viesse a acontecer no próximo ano, ou em 2012, ainda se ia a tempo.
Logo, é difícil convencer alguém de que não foi por imposição dos doadores que avançou no imediato. Os doadores queriam, de preferência, na primeira sessão do parlamento. A Frelimo (a do Governo ou a do parlamento, é sempre a mesma) fez-lhes a vontade.
Mas poderia o governo agir de maneira diferente, neste caso, perante a gritante situação de dependência exterior do nosso orçamento?
Seria sensato o Governo ignorar as exigências dos doadores, “mandá-los passear” e ficar a apregoar intransigentemente o secular conceito de Jean Jacques Rousseau de que a soberania é inalienável, indivisível e independente na ordem internacional, com pessoas em dificuldades, funcionários públicos com salários em atraso, como na Guiné-Bissau, e crianças sem ir à escola por falta de professores?
Mais importante ainda: é legítimo, ou não, quando os doadores nos dão dinheiro e, em contrapartida, nos exigem que façamos a sua agenda? É evidente que é legítimo. Quem paga a factura, determina a música que se toca. Chocante, não é, dito deste modo? Sim, mas é a cruel realidade. O problema é o precedente que esta crispação abriu. Toda a gente já viu que a melhor forma de impor um determinado ponto de vista, neste país, não é via Assembleia da República, ou qualquer outro órgão de soberania. Basta convencer os doadores, que passa!
Mais complicado ainda é explicar aos cidadãos deste país que o slogan de que a democracia é o poder do povo não quer dizer exactamente o que eles pensam. Os paradigmas de soberania de Bodin e Rousseau mudaram radicalmente. Agora, o poder de julgar sem ser julgado – que integra o poder soberano no sentido de Aristóteles e de Bodin – vem diminuindo consideravelmente e a sua preservação depende da afirmação económica internacional. Que, neste momento, Moçambique não tem..

Fonte: O País online -30.03.2010

6 comentários:

  1. A pensar assim está a admitir que o país seja um prolongamento territorial dos indomáveis! Não é bem assim, pode fiscalizar o dinheiro e não dirigir um país.

    Zicomo

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  2. Eu também gostaria que os comentadores pudessem rebater os pontos que Jeremias Langa expressa. Posso lê-lo mal, mas pelo que entendo, Langa está a dizer que o governo moçambicano, o Nosso Governo está assim a cumprir o que foi exigido pelo G19. Langa apresentou ponto por ponto para que o governo não nos engane, dizendo que é por sua iniciativa ou por da Frelimo.

    E para aqueles que dizem que fazer uma pressão política ao governo moçambicano cabe aos moçambicanos concordo com eles, mas acima de tudo quero lhes ver na prática a fazerem pressão que dê resultado.

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  3. Reflectindo,

    O dia em que V. sofrer na carne a fúria diabólica dos indomáveis (que o diabo seja surdo e mudo) você vai saber com quem está a se lidar. A Frelimo conhece esta gente há muito tempo e sabe muito bem como são. Aceitar as suas exigências é entregar o traseiro. Você aceita?

    Zicomo

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  4. Viriato

    Você pensa que a Frelimo não aceitou as exigências dos doadores?

    Se acham que sim, prove-nos!

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  5. Amigo,

    Somos amigos. É melhor, neste assunto vertente, parar por aqui.

    Zicomo

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  6. Caro Viriato

    Não sou para ser enganado e muito mais trocar a verdade com qualquer outra coisa.

    A minha pergunta é se achas que a Frelimo não aceitou as exigências dos doadores?

    Lá no Diário, pedi-te que liderasses alguma pressão ao governo moçambicano e me provasses que produziu efeitos em menos de três meses.

    Eu digo o que sei perfeitamente que os governantes e os líderes dos partidos políticos em Moçambique precisam do dinheiro dos doadores não em primeiro lugar para o Povo Sofrido ou actividades democráticas internas, mas para alimentarem as suas elites que lhes apoiam nas suas acções ditatoriais. Os períodos pós-eleitorais de 1999 e 2004 são provas de tanta ARROGÂNCIA desses mesmos governantes e alguns líderes partidários, já que os doadores desembolsaram o taco sem se quer dizerem um A nem B sobre o processo eleitoral.

    Jeremias Langa tem 100 % de razão: "Toda a gente já viu que a melhor forma de impor um determinado ponto de vista, neste país, não é via Assembleia da República, ou qualquer outro órgão de soberania. Basta convencer os doadores, que passa!"

    Ah! quanta coisa boa para o povo mocambicano foi antes proposta pela bancada da Renamo-UE que não tenha passado na Assembleia da República?

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